Quo Vadis, António Costa (por Estátua de Sal*)

António CostaAntónio Costa teve uma retumbante vitória nas Primárias do PS no seu confronto com António José Seguro. Em consequência, o PS subiu de imediato nas sondagens, o que só prova que o eleitorado confia mais nele do que no líder deposto para enfrentar Pedro Passos Coelho, apresente-se este sozinho ou acompanhado pelo irrevogável Portas. E isto apesar da hecatombe que caiu sobre a família socialista em consequência da detenção de José Sócrates.

Costa pede uma maioria absoluta, a qual deveria, pela lógica, ser facilmente alcançável, em função das políticas de austeridade, saque fiscal, sonegação de direitos, ataques à Constituição, e desmembramento do País que este Governo tem levado a cabo, com troika e sem troika.

Deveria ser alcançável mas, a nove meses das eleições, muito poucos acreditam que tal seja possível, suponho eu que nem mesmo o próprio António Costa. Quais as razões que levam o eleitorado a não considerar, de acordo com as sondagens, que o PS seja, sozinho, uma alternativa credível e eficaz às políticas de empobrecimento deste Governo? Do meu ponto de vista, alguns tópicos podem ser avançados no sentido de se esboçar uma explicação:

1) O eleitorado dá como provado que, parte das políticas de austeridade eram inevitáveis, e que o Governo de Passos, devido aos condicionalismos impostos pela Troika, não teria grande margem de manobra para ter uma política muito diferente.

2) O PS, assinou o memorandum com a Troika, e foi a força política que conduziu as negociações, apesar de o ter feito secundado pela coligação governamental.

3) O PS votou favoravelmente o Tratado Orçamental, que nos obriga a colocar o deficit do Estado como primeiro objetivo da política económica, fazendo com que a manutenção da elevada carga fiscal e a desarticulação dos serviços públicos seja para continuar.

4) António Costa tem mantido uma postura de indiscutível ambiguidade, relativamente à problemática da dívida, e aos limites impostos pelo Tratado Orçamental. É que, caso não haja renegociação/reestruturação da dívida, e simultânea flexibilização dos objetivos do Tratado Orçamental, seja no que toca à contabilização do deficit, seja na definição do seu limite superior, as políticas a empreender por um Governo do PS poderão ser mais “suaves”, mas não poderão ter uma matriz diferente daquelas que estão a ser prosseguidas. E mais ainda: falar em crescimento económico, nesse cenário, será pura estultícia.

5) Ora, tal renegociação da dívida e flexibilização dos limites do deficit, pode ser obtida de duas formas: com acordo dos credores e da União Europeia ou contra a vontade dos credores e da União Europeia. No primeiro caso, a solução seria pacífica e António Costa antecipa-a como sendo uma hipótese de alta probabilidade. O segundo cenário é, até ao momento, o tabu dos tabus, que não se discute, pois conduziria inevitavelmente a uma saída do Euro, de uma forma disruptiva ou programada, pouco importa, e só o Bloco de Esquerda se assume, para já, como paladino dessa solução.

6) Conclusão: o eleitorado sabe que remover ou flexibilizar as constrições externas que são impostas ao País é pedra angular na implementação de uma política económica diferente. Como António Costa ainda não esclareceu como pretende lutar por essa flexibilização, o eleitorado, de forma expectante, não consegue ainda creditá-lo com a expressão eleitoral que ele ambiciona e que o levaria à maioria absoluta.

Esta ambiguidade de António Costa, promete ele, será a seu tempo desfeita. E ainda bem. É que os eleitores e a dinâmica da campanha eleitoral, a seu tempo, não permitirão que os candidatos não se perfilem e esclareçam estas duas questões, centrais para o futuro do País nas próximas décadas. Até porque, em caso de uma maioria relativa, muito provável, as respostas ao problema da dívida e do deficit público irão determinar a geometria de alianças parlamentares que o PS terá que negociar para governar. Vejamos:

1) Se puder ser feita uma renegociação com o acordo dos credores e a bênção de Bruxelas no que toca às metas do deficit (uma espécie de milagre das rosas), Costa pode governar dispensando qualquer vislumbre de alianças à Direita, porque esta ficará irremediavelmente acantonada no gueto da austeridade que praticou e que o País renega, e terá seguramente o apoio dos partidos à esquerda, mesmo que seja apenas através de acordos de incidência parlamentar, porque estes não terão coragem de atacar um programa político centrado no crescimento económico, na diminuição da fiscalidade e na queda do desemprego.

2) Se o acordo dos credores e de Bruxelas não tiver lugar e o PS, ainda assim, ousar demarcar-se da austeridade, apontando para políticas mais distributivas e parando com a destruição do Estado social, só o conseguirá fazer contra os credores e contra a Europa. Nesse caso, pouco provável, a saída do Euro entrará de imediato no centro do debate político, e só com alianças alargadas à sua esquerda, poderá vir a obter o espectro alargado de apoios para avançar para essa solução de rotura, que poderá ser legitimada por um quase obrigatório referendo.

3) Se o acordo dos credores e de Bruxelas não se materializar, evitando o PS uma demarcação nítida das políticas de austeridade, nesse caso estarão abertas as condições para a reedição do Bloco Central PS/PSD tal como ocorreu em 1983.

Perante este enquadramento, qual é a maior incógnita de todo este puzzle, que, do meu ponto de vista, está a contextualizar a postura de ambiguidade que António Costa tem prosseguido nos últimos tempos? É, sem dúvida, o grau de abertura que os credores darão a uma quase obrigatória renegociação da dívida, bem como a abertura de Bruxelas à flexibilização do deficit, além de tudo aquilo que for, até às vésperas das eleições, ocorrendo na Europa e no Mundo. Nesse quadro, a política monetária do BCE, que será sempre expansionista e não convencional para combater a deflação, vai ser de importância decisiva. A deflação está no terreno e não é já só uma ameaça, como Constâncio assumiu em Florença, não só na sua qualidade de economista reputado, mas também na qualidade de Vice-Presidente do BCE.

Por outro lado, existe um outro problema, que não é de somenos importância, na definição da política de alianças, caso a maioria absoluta do PS não se concretize e que deriva de serem impossíveis, neste momento, alianças à sua direita, com as atuais lideranças do PSD e do CDS. Admitir tais alianças como possíveis seria o maior tiro no pé que António Costa, político experimentado que é, não irá certamente dar. Seria malbaratar o capital de esperança que se gerou à volta da sua candidatura e que levou milhares de cidadãos, não militantes do PS, a empenharem-se na sua eleição. Seria meio caminho andado para colocar em causa até uma maioria relativa do próprio PS, podendo esta coligação prosseguir na sua ação de saque e destruição dos recursos materiais e humanos deste País, que tão maltratado tem sido por este Governo.

À direita, algum alento se vai instalando. Passos também hesita na coligação, mas ganhou novo fôlego quando retirou Sócrates de uma gaveta de Paris, para o usar como arma de arremesso político, em nítido conúbio com o aparelho judicial, e pondo em marcha na comunicação social uma mega operação de limpeza de imagem, que o quer transformar no justiceiro dos justiceiros. Ele ataca banqueiros, prende ex-deputados, ex-Primeiros Ministros, e diretores de serviços do seu próprio Governo. Curiosamente, colocar um banqueiro como Salgado nas ruas da amargura, e sendo em consequência divulgadas publicamente as atas das reuniões dos Conselhos Superiores do GES/BES, obrigou a que se tivesse que arquivar de imediato um caso como o dos submarinos em que um dos principais responsáveis sob suspeição era o Vice-Primeiro Ministro Paulo Portas. Não há estratégia perfeita e, sacrificar alguns peões para atacar o rei inimigo, faz parte do arsenal de qualquer xadrezista mediano.

Por isso, apoiemos a estratégia de Passos Coelho, que não se irá embora sem sangue, mesmo que perca de forma estrondosa as eleições do próximo ano, o mesmo acontecendo no CDS com o irrevogável e inefável Portas. Que fiquem, que permaneçam e impeçam dessa forma quaisquer tentações que António Costa possa ter para alianças contranatura.

Até lá, deve exigir-se que António Costa diga ao que vêm e nos esclareça de forma clara, para que possamos optar em consciência pelo rumo que queremos para o País e para o nosso futuro próximo. Ele deve isso aos que nele votaram nas Primárias do PS, e mais que isso, ele deve isso ao País.

Até lá, e enquanto a ambiguidade se mantiver, continuaremos a poder dizer:

Quo vadis, António Costa?

(*) Nota da Redacção: Estátua de Sal é pseudónimo dum professor universitário devidamente reconhecido pelo Noticias Online.

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