Guerreiros de tribos africanas usavam-nos para assustar (dread) o inimigo, duzentos a oitocentos anos depois de Cristo.
Na maioria das tribos o cabelo é um sinal de espiritualidade. O cabelo é o símbolo do poder, da unicidade que aproxima o ser humano a Deus na busca humana de re-ligação.
Na maioria das tribos usar dreadlocks/rastas é a expressão última de pureza, de espiritualidade, de não violência. Pode ser também uma forma de expressão de identidade, de cultura e afirmação.
Em 1834 acontecia o fim da escravidão na Jamaica. Ex-escravos começaram a usar dreadlocks para afirmação da própria cultura como manifestação simbólica anti-colonial, anti capitalismo e de resistência.
Passou a ser o símbolo de luta contra um sistema de opressão e poder dos brancos contra os pretos.
Os Rastafári são um movimento religioso com início em 1930, popularizado por Bob Marley – que toda a sua vida usou rastas.
Mas usar dreadlocks não significa ser Rastafári, nem de tribos que precisam assustar tribos inimigas, como já vimos em múltiplos significados.
Pode ser por gosto, por moda e sobretudo por cuidado com o cabelo. O cabelo africano precisa de ter cuidados especiais, logo, trançar o cabelo torna a vida mais fácil.
Há anos naqueles tempos de colonialismo, as mulheres pretas eram instigadas a alisar/ desfrizar o cabelo, a não gostarem da sua imagem de cabelos cerrados, carapinha.
Até começarem recentemente a acordar para a beleza de si próprias, para as possibilidades múltiplas de fazerem penteados de beleza extraordinária. A terem orgulho de ser pretas de cabelo carapinha.
Nascia o amor-próprio há muitos séculos diminuído.
Sabem quantos anos de luta, suor, sangue e lágrimas de racismo, ataques de ódio e segregação custou?
Ter aquela cor de pele e aquele cabelo fitchadu?
Pensem nisso.
Difícil não é? Porque os brancos não passaram por esse lugar, não estiveram nesse lado da luta, não calçaram essas botas. Não fizeram esse caminho. Nada lhes aconteceu de semelhante.
É o que vulgarmente chamamos privilégios.
Nunca é demais repetir.
No entanto há esperança. Não tens de passar por uma situação para a entenderes e colocares-te ao lado da sua luta. Claro que não são todos os brancos que não compreendem. E vocês que me estão a ler sabem disso.
Chegámos aos dias de hoje de hoje as mulheres e os homens brancos copiam os cabelos dos negros.
Mesmo que hoje usem dreadlocks/rastas/tranças porque são bonitas e vos ficam a matar, sobretudo para as chapas no instagram, para outra pessoa significa uma manifestação cultural que carrega gerações de significados.
Apropriação cultural? A mim tanto se me dá que usem. É uma homenagem à cultura africana, Japonesa e Indiana.
Sim, aos rasta budistas (Japão) ou Hindus admiradores de Shiva.
Usem capulanas e tranças que não me aborrece, desde que saibam que muitos pretos que usam dreadlocks ou qualquer entrançado são vistos como sujos, inapropriados para empregos, pertencentes a gangs e tantos outros estereótipos.
Ou seja, antes de mais assustam e metem medo (são dread) aos brancos.
Ops…Não faz sentido pois não? Uns a querer copiar-lhes os cabelos e outros da mesma cor a ter medo? Porque será?
Percebem a luta? Porque o medo foi inculcado, ensinado e está debaixo da pele.
Assim, gente de pele branca, antes de caírem de novo em cima de quem grita – “isso é apropriação cultural”, façam um exercício – ouçam-nos.
Ouçam o que temos a dizer. As histórias que temos para contar. As nossas vozes foram caladas durante séculos. Agora calem-se vocês!
Saiam da frente, deixem de querer ficar no lugar de fala e de visão.
Vocês brancos criaram o problema, uma das maneiras de ajudar a resolver é ouvir. E respeitar. Parece-me fácil de perceber.
O Lula no Brasil teve de abrir quotas para estudantes pretos entrarem nas Universidades.
Foi uma forma de resolver um problema entre a sanzala e a casa grande.
Aqui estamos a pedir que ouçam. Aprendam, leiam. Entendam-nos. A história e os factos não mentem. Não é “mimimi”.
Será que todos os brancos têm esta consciência e conhecimento de uma luta que vem desde o século quinze até à presente data?
Foi nos anos oitenta que começaram as primeiras discussões académicas sobre os efeitos do colonialismo, e da apropriação cultural.
Na América e no Reino Unido.
Em Portugal está agora a começar. Daí acharmos que isso é um conceito muito anglo-saxónico. Estamos relutantes em aceitar as mudanças. É um clássico humano.
Sempre que as mudanças batem à porta ninguém quer ir para um lugar de desconforto.
Era tudo tão fácil…não tínhamos de estar agora a engolir e a ouvir estes conceitos, dizem uns. Agora tudo é racismo!
A sério?
Esquecemo-nos que Portugal foi o primeiro país colonizador e o último a dar a Independência às suas ex-colónias. Antes disso acontecer, nos anos sessenta envolveu-se numa guerra fratricida cruel (os irmãos “turras”representantes dos libertadores e os “tugas”representantes do Estado Novo, como expliquei no texto de ontem).
O colonialismo Português, sistema de poder, opressor, supressor de identidades e culturas, racista, explorador de riquezas naturais para enriquecimento próprio, enquanto apaga os povos dominados e suas culturas, tem como consequência (hoje), a abertura da conversa atrasada (em relação ao resto do mundo) do que foi o sistema de roubo e apropriação. Percebem? Chegou o dia da conversa.
A descolonização chegou para se sentar à mesa e mostrar o seu descontentamento. Finalmente!
Ando há anos de uma vida de quase sessenta a tentar fazer eco de um grito de independência e libertação.
O filho que se sentava na mesa do fundo da cozinha e não recebia a sua porção de comida, veio para a mesa principal e diz – “estou aqui, tenho o direito de ser servido da minha porção”.
Com ou sem dreadlocks. Ninguém tem de meter medo ou intimidar ninguém. Mas temos de ser ouvidos.
Quase cinquenta anos depois das independências sobre uma tribo, vemos roubadas (de novo) as nossas terras e os nossos sonhos, pelas tribos que ficaram com o poder, temos de sentar a falar com os primeiros e lutar contra os segundos.
É trabalho para muita carapinha fitchadu. Não sejam mesquinhos e sentem-se a ouvir.
Quando as Ritas desta vida, sem qualquer ligação a África ou ao significado cultural das tranças, as usarem apenas porque são bonitas e lhes ficam bem, pelo menos saibam as razões do outro lado vir reclamar.
Façam-no para apoiar uma causa, uma luta, não por vaidade, por exemplo, assim não têm de pedir desculpa depois.
Só mostra a vossa ignorância e isso é triste.
Queridos irmãos brancos, tiveram quinhentos anos de privilégios e nós de apagamentos.
É simples entender.
Agora, porque não se calam? Apesar de não termos de nos justificar dizemos:
-Ouçam! – Nos.
Faço minhas as palavras de Bob Marley – “Não tenho que me justificar perante as leis dos homens”. Como Rastafári fez-se ouvir. E respeitar.
Serão vocês capazes de o fazer e perceber o que se está a passar? Seria bonito. Ajudaria a evolução conjunta.
Anabela Ferreira
Nem sei como descobri este libelo mais que justo!Obrigado Anabela.Tendes toda a razão.Eu,português por acaso que tanto me faz,per5tenço a um “grupo” que sente vergonha quando ouve:vão mas é para casa,prá terra deles! Aterrado com a lata de gente que pertence a esse povo que foi ,como bem diz a Anabela,o primeiro a colonizar e o último a descolonizar!OS GRANDES RACISTAS E,AGORA,ATÉ XENÓFOBOS DO OCIDENTE SOMOS NÓS!