Ao que leio junto de gente indignada como eu (com razão ) sobre o campeonato em curso, levantou-se-me um piolho pendurado nos meus fios de cabelo.
E se nos indignássemos na mesma proporção – com tudo o que nos tem sido tirado e reduzido em direitos como humanos, tramando a vida colectiva de 8 mil milhões – com a intensidade das emoções que iremos colocar no futebol (naquele país escolhido no casting errado, que só agora foi percebido como um embaraço para o resto da humanidade de todas as geografias)?
Já imaginaram o que seria colocar essa energia de transformação, ao serviço dos 8mm? Porque razão o futebol ganha sempre na luta? (pergunta retórica).
Ah, essa prostituta, a corrupção e o poder etc e tal!
Escrevo propositadamente mal o nome do país sobre o qual tenho uma lista interminável de mal a dizer, porque por lá passei (só de passagem mesmo), e por ser mulher tive uma péssima experiência com aquela gente.
Como sabemos por aquelas latitudes, sistema político autoritário, despótico, classista, escravocrata, racista, de privilégio de género, descriminatório, organização colectiva virada em exclusivo para os pontos de vista dos homens de saia e sua religião, as mulheres são mais ilícitas e indignas (haraam) que o porco. Eles são os únicos hallal (lícito, limpo) do jogo.
E o jogo é só para gente halaal, dizem eles.
Quantas dezenas de jogadores lá vão estar presentes que têm mulheres e irmãs que ali seriam tratadas como escravas e haraam? E quantos têm irmãos gays e irmãs lésbicas e trans que ali seriam proibidos e mortos? E quantos dos jogadores serão gays? E quantos não são descendentes dessa gente escravizada que morreu nas obras por lá, ou de outros mais antepassados?
E mesmo assim só por causa de uma taça e de narcisismo estes jogadores vão ali demonstrar habilidades?
Ah esse prostituto o dinheiro e etc e tal.
Nem sequer gosto do jogo e há muito deixei de o perceber como desporto mas apenas negócio, e os jogadores as peças penduradas pelo pescoço (sufocadas para não pensar), à escolha no talho da esquina para serem compradas, vendidas e colocadas no circo em demonstração das habilidades com os pés.
O desporto criado para libertar emoções e aumentar o esteróide anabolizante testosterona, necessário ao impulso sexual masculino, seria interessante apenas se fosse só um jogo.
Gosto de observar as pernas bem torneadas de certos jogadores, os bícepes quando se agarram com volúpia indisfarçada, a ternura e comovente alegria nos abraços depois de um golo enquanto eu grito “get a room”, sem falar no que gosto de os ver nos fatos de bom corte de certos treinadores enquanto expõe a sua masculinidade marcando a sua importância de mãos nos bolsos e é tudo. Acho-lhes graça. Se isto chega para elevar ao desporto rei? Obviamente que já devíamos ter mais juízo.
Se querem que eu pague para ver e me emocionar, nunca receberão de mim mais atenção que esta – a de falar mal dos donos dos escravos e de os achar a todos dentro de campo muito gays, sem qualquer descriminação. Afinal, ali dentro todo o campo é só deles, para se degladiaram e eles têm uma necessidade imensa de se exibir, não apenas como jogo, mas como negócio. Não partilho a emoção. Compreendo-a, mas não compreendo a falta de posição dos jogadores. Essa é a zona que não deveria ser cinzenta para nenhum deles.
Nunca serão os meus heróis, ou orgulho, ou representantes, porque tenho um padrão mais elevado de escolha dos mesmos.
O padrão não está nos pés habilidosos, está no coração e no carácter, mas isso agora não interessa nada. Não os entendo.
Bonito seria os jogadores não se deixarem usar e recusarem-se a jogar. Representariam a minha bandeira com orgulho. A bandeira da indignação pelo que não está correcto.
A bandeira dos Direitos Humanos dos 8mil milhões de nós (claro que isto é “wishful thinking, sei que vou morrer cínica e sem ilusões porque viver aqui é viver num programa cheio de erros quando foi descarregado).
Como as centenas de escravos migrantes que morreram a construir aquelas cadeiras eram pretos (não se esqueçam disso), onde parte dos 8mm se vão sentar e emocionar, espero ver um país de origem dessa cor, ali para o continente Africano, ficar com a taça.
Só por justiça poética divina.
Anabela Ferreira
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