Este ano prenda-se a liberdade dos corpos, em casa. Havemos de os partilhar e embrulhar em suor, beijos e lágrimas, se um vírus não nos matar. Em camas, saunas, piscinas, mares e em manifestações.
Este ano vejo as celebrações do 25 de Abril e do 1º de Maio nas ruas, em manifestações ombro a ombro com discursos vazios e sem sal, como um espectáculo de fantoches.
Ou melhor, como uma ida a um lugar qualquer e fazer sexo com um estranho, sem preservativo, com o vírus do HIV à solta, running wild.
Lembram-se da epidemia e o que nos fez? Eu lembro-me.
A liberdade está dentro da cabeça, no coração, nos gestos diários no trabalho, na responsabilidade com os outros, na união e na solidariedade, na vontade de não mais deixarmos entrar o vírus da ditadura, sobretudo na não subjugação a quem nos quer quebrar com um pau, dar apenas um pão e cobrir com um pano.
Somos obedientes demais quando aceitamos o pior no trabalho e na vida e desobedientes com o que é importante e vital para a sobrevivência do colectivo? Não aprendemos nada com o exemplo Italiano de Bergamo (por ser uma zona altamente industrializada não parou a tempo e morreu em desespero)?
No primeiro de Maio mostremos que o Estado somos nós. A força do nosso trabalho é que gera produção e lucro. Somos nós que temos o poder. Sem precisarmos sair à rua. Obrigando a mudar o sistema. Não mais deixando que nos comam todas as refeições.
Este ano não me dou a comer a um vírus, não por falta de coragem, mas por respeito ao enorme SNS, conquista do 25 de Abril de 74. Respeito para com os profissionais que não poderão celebrar as razões do 1º de Maio, porque estarão de plantão, por mim.
E eu, prefiro não bater com tampas de panelas, mas ficar em casa, aligeirando-lhes o trabalho, protegendo-os. Usarei preservativo e lutarei para que nunca mais ninguém roube dos seus salários e das suas condições de trabalho, em nome do lucro roubado para uma conta offshore.
Sob compromisso prometo que não irei deixar que uma ditadura se sobreponha, confio nas Instituições democráticas, com todos os seus defeitos. Se ela regressar, irei combatê-la nas ruas, na guerrilha, na resistência, na prisão. Morrerei se for preciso.
Em nome da liberdade e dos direitos de trabalhadores. Mas este ano, fazer a liberdade na rua, não. Não morrerei em nome de um vírus se o puder evitar, porque o melhor combate faz-se escondendo o meu corpo.
Este ano, a coragem estará no retiro. Em não fazer sexo sem preservativo. Em cantar a Grândola em uníssono nas varandas.
Este ano vou homenagear os mortos deitados à terra sem uma despedida. Porque o 25 de Abril e o 1º de Maio são os meus dias para sempre.
Em breve, ombro a ombro estaremos a suar numa enorme celebração.
Anabela Ferreira
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