Começa a ser estranha a incapacidade do PS para perceber as linhas com que se cose. Vamos por pontos:
- O tempo em que o PSD era uma catrefada de broncos entre Rio Maior e Viseu, com passagem rápida por Vinhais e Ourique, já acabou. Nos anos mais recentes, há lá meia dúzia de sacanas com estudos.
- Quem sabe como é que estas coisas se fazem, e como é que se manipula o ‘Zé-votante’, percebe facilmente que a libertação de Sócrates agradaria ao PSD. O fantasma do ‘coitadinho’ deixaria de pairar sobre as cabeças a prémio de Passos e de Portas, e esvaziaria um dos principais capitais de queixa do PS.
- O tiro de partida foi dado hoje por um dos mais bem preparados e prolixos ‘entertainers’ que o PSD recrutou nos seis anos em que Sócrates aviltou o País e o PS. Paulo Rangel atacou por fora.
- Sendo, teoricamente, um não-alinhado com Passos Coelho, o homem visou o alvo de que se fala – às vezes até nem se fala de mais nada, o que já chateia – e o ‘mito urbano’ de que Salgado fazia fretes (só) ao PS, o qual lhe retribuiria em dobro. Ao mesmo tempo, aproveitou para elogiar a Justiça, dizendo que, sem este Governo – que não interferiu, que não interferiu… – a independência da magistratura teria sido impossível. Mais exactamente, o contrário do que este adivinho diz que o PS teria feito. Mas é credível.
- Assim, está sempre ganho. Se Sócrates continuar preso, o PSD diz que não tem nada a ver com isso. Se for mandado para casa sem o ferrete que ele já recusou, o PSD vai dizer que a Justiça fez o seu trabalho. Não comentará muito o facto, enquanto o PS andará a embandeirar em arco com o assunto no tempo breve que António Costa dedicar ao caso, mais o tempo longo que as abéculas comunicacionais do partido estrelarem, e de cada vez que lhes derem palco. Teme-se o uso indiscriminado das palavras ‘liberdade’, “justiça”, ‘democracia’.
- Mas o ‘facto político’ criado por Rangel não teve muito que esperar para fazer faísca. O incomensurável Xico de Amarante, antes que Costa dissesse fosse o que fosse, já veio pedir/exigir explicações públicas a Passos – ele tem de pedir/exigir alguma coisa a Passos? -, para que diga se a ‘afronta’ e ‘interferência’ de Rangel no domínio da Justiça e do PS (ambos os dois) está a soldo e com chancela do primeiro-ministro. É de rir.
- É óbvio que Passos Coelho já tem uma na culatra para, com tiro seco, atirar mais este boneco abaixo. O qual nem sequer ficará muito chateado com isso. Já nos habitou a ressurgir quando o líder de ocasião cai. E há-de ressurgir até que a praia socialista o alcandore à máxima cadeira. Uma tristeza do tamanho da que foi ver Durão Barroso primeiro-ministro.
- Mas o povo ”tá-se bem”. Acho que ainda chega para salsichas e atum, como recomendou o grande titular da razão toda, de seu nome António Barreto. Só não referiu, na altura, se as conservas que o povo deveria comer seriam as do ‘Pingo Doce’.
Texto publicado originalmente por Marcio Candoso na sua página do Facebook
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