Desta vez passaram das marcas. A revista Sábado transcreve partes do último interrogatório a José Sócrates, supostamente confrontado com novos factos que a investigação terá obtido, porque terá tido acesso às gravações do próprio interrogatório.
Como as gravações só podem ter sido produzidas pelos representantes da Justiça, porque não é de crer que Sócrates possa ter acesso a gravador escondido dentro das botas que lhe quiseram tirar, não há dúvida que o segredo de justiça é um segredo de polichinelo ao nível da Casa dos Segredos para voyeurs sôfregos e ávidos de escândalos e vícios.
É isto o “normal funcionamento das instituições democráticas” que está previsto na Constituição e que o Presidente da República jura preservar e defender quando é eleito? Não, o normal funcionamento das instituições democráticas, em mais um 10 de Junho, dia de Portugal, foi mais uma vez apunhalado, perante o silêncio e a cumplicidade do Presidente da República.
Se é isto, e se aceitamos este cenário como normal, é porque já interiorizámos e passámos a aceitar que o Estado de Direito possa ser subvertido aos olhos de todos sem que ninguém se insurja, à Direita, ao Centro e à Esquerda. Que a Direita nada diga porque o seu pragmatismo, o seu apego ao Poder para retirar benefícios nos negócios, está sempre acima dos valores e dos princípios, e porque sempre conviveram bem com Estados de excepção e de ditadura, ainda se entende.
Que a Esquerda tudo cale, não se oponha, não critique, e não denuncie este estado de degradação da Justiça, este julgamento continuado na comunicação social, perante a opinião pública, querendo colocar um pelourinho em casa de cada cidadão, é dramático, é uma cobardia e, lamento dizê-lo, é ser conivente com a utilização nítida que está a ser feita de um caso de Justiça, utilizando-o como caso de arremesso político.
Como se pode deixar “à Justiça o que é da Justiça e à política o que é da política” se a justiça nos é servida em doses maciças à hora de jantar, como se de uma telenovela se tratasse?
Que me interessa saber que o Ministério Público “acha” que o dinheiro é de Sócrates? Que o MP “presume”? Que a investigação “suspeita”? Que o Procurador Rosário “tem a convicção”? Que o Procurador Rosário “desconfia”? (Esta última formulação, então, é inquisitorial!)
Repare-se que nenhuma das formas verbais utilizadas é conclusiva. Todas elas remetem para hipóteses, presunções, fés, desconfianças. Mas desde quando a Justiça se faz por crenças? Mas desde quando se condenam os cidadãos por suposição ou por mero exercício de adivinhação?
Se não tem provas, que lhe permitam dizer, sem margem para dúvida, que Sócrates foi corrompido e que retirou benefício pessoal desse facto, a Justiça só tem uma solução: libertar Sócrates e assumir os seus erros e as suas inconsequentes práticas. E explicar-nos, finalmente, quais as razões pelas quais vai encenando telenovelas mais ou menos diárias na comunicação social.
Porque, por este andar, e se querem continuar por esta via, o melhor é fazerem-se os interrogatórios a Sócrates nas televisões, em prime-time, acoplando ao “reality show”, chamadas de valor acrescentado, a 60 cêntimos mais IVA, perguntando aos espectadores se o acham culpado ou inocente.
Façam como Pilatos fez com Cristo, quando perguntou à turba enfurecida quem deveria ser libertado, se Cristo se o ladrão Barrabás. A turba decidiu condenar Cristo e Pilatos pôde, tranquilamente, lavar as suas mãos, porque as sabia sujas.
É que, eu já não tenho mesmo a certeza, que não seja a necessidade de lavar as suas mãos, de uma condenação pela turba e não por um julgamento justo, que está a presidir à forma como a Justiça vai gerindo o caso Sócrates na opinião pública, através da cedência aos jornais de peças processuais que fazem parte do inquérito.
(*) Estátua de Sal é pseudónimo dum professor universitário devidamente reconhecido pelo Noticias Online
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