Colóquio no dia 6 de Março às 18h, no Salão Nobre do ISEG
“A Justiça que temos e a Justiça que temos de ter” é o tema de um colóquio que se irá realizar já na próxima quarta-feira, 6/3, às 18h00, no Salão Nobre do ISEG, tratando-se de uma iniciativa conjunta do Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações (SOCIUS-ISEG) e do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, e no qual tenha a honra de ser orador, juntamente com o Juiz Desembargador Jubilado Dr. Eurico Reis e com a Jornalista Margarida Davim.
Numa altura em que, e pelas piores razões, como os dois mediáticos processos cujas diligências e respectiva divulgação pública acabaram por conduzir à queda de dois governos (o da República e o da Região Autónoma de Madeira), se tornou quase irrecusável fazer um debate sério sobre a Justiça que temos e, em particular, sobre a Justiça Criminal, creio, sinceramente, que esta iniciativa, de uma relevante natureza simultaneamente académica e profissional, não podia ser mais actual ou interessante.
Interessante porque, de facto, não pode haver nem Estado de Direito nem verdadeira Democracia sem uma Justiça séria, justa e eficaz. Actual porque, ao contrário do que já ouvi algumas vozes argumentarem, se estamos em eleições é porque um Primeiro-Ministro em funções apresentou a sua demissão e o respectivo governo caiu, por via e por causa de um processo criminal e pela sua publicitação através de um comunicado da Procuradora-Geral da República.
Pelo meio, tivemos as habituais violações do segredo de Justiça com a colocação na praça pública das informações e versões mais convenientes à investigação, a detenção muito para além das constitucionalmente estabelecidas 48 horas de pessoas que não foram sequer indiciadas ou saíram com a medida de coacção mais leve, a produção de decisões de juízes em completa e frontal contradição com as posições do Ministério Público, entretanto mais que publicitadas pela Comunicação Social “amiga”, etc., etc., etc.
É tempo, creio – e é isso também que a realização deste colóquio representa – de se acabar com essa falácia do “à política o que é da política e à Justiça o que é da Justiça” e de, compreendendo que em Democracia nada pode escapar ao escrutínio e ao controlo dos cidadãos, impor à Política, ou melhor, à Cidadania, tudo o que é da Justiça (tal como o que é da Saúde, da Educação ou da Habitação).
E, como contributo para o verdadeiro arranque e desenvolvimento deste tão necessário debate sobre a Justiça que temos e sobre a Justiça que temos de ter, aqui deixo alguns tópicos ou ideias-chave:
1 – O 25 de Abril nunca entrou verdadeiramente na Justiça, como venho a dizer e a demonstrar há décadas, e os pilares e responsáveis (como os juízes e procuradores dos sinistros Tribunais Plenários) pelo seu autoritarismo do tempo da Ditadura permaneceram intactos.
2 – A Justiça é um direito, e um direito fundamental, dos cidadãos (que não são meros “utentes”), cujo asseguramento constitui uma tarefa e um dever essencial do Estado.
3 – O direito à Justiça não se reduz ao mero acesso aos Tribunais, mas abrange e implica também o direito a uma tutela jurisdicional efectiva e em tempo útil dos direitos e interesses legítimos.
4 – São por isso absolutamente inaceitáveis – pelo que representam de negação desse mesmo direito – quer o elevado valor das custas judiciais (em todos os tipos de processos, mas principalmente nos de Trabalho e nos de Família e Menores), quer a situação dos Tribunais Administrativos e Fiscais, onde os processos, só na 1.ª instância, chegam com frequência a durar mais de 10 anos e conferem aos órgãos e agentes da Administração um absolutamente inadmissível grau de impunidade.
5 – Os Tribunais são órgãos de soberania que, em nome do Povo, exercem poderes fortíssimos (como os de condenar alguém a 25 anos de cadeia, ou ao desemprego ou a ser despejado), mas são os únicos órgãos de soberania que não têm uma legitimação democrática electiva.
6 – A legitimação democrática de órgãos de soberania não eleitos, como são os Tribunais, tem de fazer-se por via do respeito escrupuloso por um conjunto de princípios que não podem ser postergados ou desvalorizados, tais como os do “juiz natural”, os do duplo grau de jurisdição, os da publicidade das decisões e das audiências, e os da necessária e adequada fundamentação de todas as decisões.
7 – Tal legitimação democrática tem de passar também pelo controlo democrático da forma como são seleccionados, aprovados, ensinados, formados, avaliados, classificados, promovidos e sancionados quer os juízes, quer os magistrados do Ministério Público.
8 – Tal não pode deixar de significar conhecermos bem, e democraticamente controlarmos, o que fazem o Centro de Estudos Judiciários e os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público, fazendo o balanço da sua actividade e repensando a sua constituição e o modo de funcionamento, para se garantir que não actuam em autêntico “circuito fechado”.
9 – Em Democracia não podem existir quaisquer poderes incontroláveis e incontrolados, sejam eles quais forem e sejam eles exercidos por quem forem.
10 – Os Tribunais são órgãos compostos por juízes, magistrados do Ministério Público, advogados e funcionários judiciais, todos elementos imprescindíveis à Administração da Justiça. Mas titulares do órgão de soberania e detentores do poder jurisdicional são os juízes, com um estatuto de independência, enquanto os magistrados do Ministério Público são altos funcionários com um estatuto de hierarquia e de autonomia, mas que não integram nem dispõem de poderes jurisdicionais.
11 – Autonomia (do Ministério Público) e independência (dos juízes) em Democracia não podem ser sinónimos de “roda livre”, em que praticamente tudo pode acontecer e nunca ninguém é responsável pelo que quer que seja que corra mal.
12 – A Justiça manifestamente não gosta de o fazer, mas tem de prestar contas ao Povo em nome do qual os Tribunais exercem o poder soberano, devendo os seus responsáveis, nomeadamente, ter que apresentar um relatório anual à Assembleia da República da sua actividade, dos seus pontos positivos e pontos negativos.
13 – É inaceitável um processo-crime com uma fase inicial (a de inquérito) em que o Ministério Público pode fazer (ou deixar de fazer) tudo e pelo tempo que entender sem ter que respeitar prazos, nem prestar contas a ninguém e sem que todos os seus actos sejam necessariamente controlados por um juiz de instrução.
14 – É também inaceitável um processo-crime em que repetidamente se use e abuse das escutas e confissões, em que se prenda primeiro para investigar depois, em que se use (de forma sempre tão cirúrgica quanto impune) a violação do segredo de Justiça para obter vantagens ilegítimas ou julgamentos sumários na praça pública, em que se imponha crescentemente uma lógica sinistra de que os fins justificam os meios, e se procure impor uma postura de “seres superiores” relativamente ao comum dos mortais e bafejados por uma espécie de toque divino.
Espero, por tudo isto, ver-vos na próxima quarta-feira, 6/3, às 18h, no Salão Nobre do ISEG!
António Garcia Pereira
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