A nu e a cru

Quando morrem sempre os mesmos. Dói. 

Os problemas do primeiro mundo, desenvolvido, industrializado, das grandes corporações -estas últimas que provocam as alterações climatéricas – são uma gota de água na devastação provocada pelo ciclone que atravessou Moçambique, Zimbabwe e Malawi. São milhares que perderam a vida e milhares que ficaram sem nada, milhares sujeitos à fome e a doenças que matam ainda mais, como se não bastasse a força da natureza. Sempre os mesmos que ficam a ver o que o vento levou. Nós, os outros que marchamos contra estes inimigos, ficamos a chorar com raiva e impotência. 

Minha querida cidade da Beira e Dondo onde vivi e quase morri. Meus queridos amigos de quem não sei nada. A bela província de Sofala. Quanta dor por vós. 

Este é só um desabafo, sem orações, só de coração apertado. Não foi Deus quem provocou, nem vos quis salvar. 

Fomos nós que provocamos. Somos nós que deixamos. Deus deve ver-nos como loucos. Que abandonamos gente à sua sorte, no meio da sua pobreza endémica, como a malária é endémica nestas regiões porque há falta de vontade de a erradicar. Que deixamos que guardem nos bolsos as poucas ajudas que vos são destinadas e nunca vos chegam.

Nós deixamos que esta gente que morre e sofre esteja tão desprotegida nas mãos de quem não as vê como gente. O meu coração está partido com as noticias de desespero vindas daquele mundo de casas cobertas de zinco e pobreza. 

A pobreza que nada mais é que um negócio que traz muita riqueza a uns poucos e por isso mesmo nunca será erradicada. 

Moçambique – as suas autoridades, dirigentes e governantes – com a Frelimo no poder desde a Independência em 1975, podia e devia ter feito frente a esta força da natureza. 

Com petróleo, gás natural, minério, pedras preciosas, madeira e tantos recursos naturais preciosos tinham há muito que ter feito um melhor trabalho para que não morressem sempre os mesmos. Há muito que deveria ter um povo a viver com dignidade e segurança.

Moçambique, podias ser um país desenvolvido e capaz de te proteger de forças exteriores e destruidoras da natureza. És destruído pelas forças poderosas instaladas no teu interior, no poder, que não te querem desenvolvido e te colocam à mercê da destruição de um poderoso e previsto ciclone. 

O mal de África, de maior parte dos seus países é ter no seu seio os piores dirigentes. Os vendilhões do templo. Os tais que não querem estar do lado certo da História. Mesmo sabendo que desta guerra ninguém sai vivo.

A estes ninguém que ninguém salva – dando vida digna, não apenas de situações extremas –  que protegem os seus parcos haveres, como sempre precisaram fazer sózinhos, escrevo uma mensagem: conheço a vossa história, a vossa luta, o esperar pelo novo caminho e eis que de novo, entre todas as tempestades que nunca vos protegeram, resta-vos sujar as mãos com as cores da Esperança depois de as lavarem com as cores do desespero. Quem sabe, um dia, um ciclone justo, varra da vossa terra as aves de rapina. 

Anabela Ferreira

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