Se já antes do proferimento da decisão instrutória, da autoria do juiz Ivo Rosa, se assistia a uma campanha de manipulação da opinião pública e de pressão sobre o mesmo juiz de proporções e com contornos provavelmente nunca antes vistos, com jornalistas e alguns comentadores – que assim passaram instantaneamente de “especialistas” de Covid-19 a “especialistas” de Processo Penal – e com a inconcebível e ilegítima pressão exercida sobre o juiz pelo próprio Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e do Conselho Superior da Magistratura (CSM), depois daquela decisão a situação agravou-se ainda mais.
Desde o incentivo à assinatura de uma petição, exigindo o afastamento da magistratura do juiz Ivo Rosa, à multiplicação de “debates” praticamente apenas com representantes daquele jornalismo e com defensores das posições do Ministério Público, chegámos ao ponto de até o Presidente do STJ e do CSM, através do seu chefe de gabinete, João Paulo Raposo, acusar publicamente Ivo Rosa de “amadorismo”, de “personalização excessiva” e até de “adjectivação excessiva”, que “não era necessária”!
Ora, quem conhece minimamente a Justiça Portuguesa bem sabe não só que Raposo jamais se atreveria a falar assim se não tivesse autorização, para não dizer indicação, do seu chefe para o fazer, como, por outro lado, estas expressões consubstanciam uma referência e uma ameaça clara de instauração, pelo CSM, de um processo disciplinar contra o juiz Ivo Rosa.
O furioso ataque, de autêntica alcateia, presentemente em curso contra o juiz representa mais do que o próprio ataque em si mesmo, pois significa continuar o processo de intimidação, mas agora também contra os juízes desembargadores (que irão julgar o mais que provável recurso do Ministério Público) e os próprios juízes do julgamento, tudo isto com uma mensagem tão clara quanto infame: se não aprovarem e chancelarem tudo o que Ministério Público quer e faz, já sabem o que vos espera!…
Por tudo isto e porque todo o alarido passa propositadamente ao lado das questões essenciais que se deveriam estar a debater, julgo importante revisitar e conhecer desde já duas delas, aliás, com directa incidência no processo da “Operação Marquês”: a fase processual da instrução e o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).
Porque é tão grande a infâmia dos ataques directos mais soezes como é a das omissões, dos “desconhecimentos” e dos silêncios cúmplices…
Para que servem a instrução e o juiz de instrução?
Antes do 25 de Abril, o processo penal comportava, na sua fase inicial (anterior à altura de julgamento), duas fases: a instrução preparatória a cargo das polícias e a instrução contraditória, esta presidida por um juiz de instrução. Reagindo precisamente contra este modelo e em consonância com os princípios democráticos nela formalmente consagrados, a Constituição de 1976 tratou de judicializar “toda a instrução” (é esta a expressão ali utilizada[1]), sendo esta da competência de um juiz (de instrução). Ou seja, a nossa Lei Fundamental curou de submeter a este mesmo juiz as tais duas fases em que até então se dividia a instrução.
Porém, o certo é que, desde muito cedo, começaram as movimentações, em particular por parte do Ministério Público, tendentes a reforçar o seu próprio poder e, neste caso concreto, a procurar retirar ao juiz de instrução criminal o “monopólio” da nova instrução, tudo isto num processo histórico ainda pouco estudado entre nós, mas que culminou com o Código do Processo Penal de 1987. Este restringiu, contra a Constituição, o conceito de instrução à antiga instrução contraditória e devolveu às autoridades policiais, sob o controlo e direcção do Ministério Público, a antiga instrutória preparatória (agora transformada em fase de “pré-instrução” ou de inquérito).
De qualquer modo, a mais do que duvidosa constitucionalidade deste sistema processual, e em particular desta fase do inquérito, só foi aceite no pressuposto da correcta conciliação da autonomia do Ministério Público na investigação criminal com a independência da actividade jurisdicional do juiz[2] e, consequentemente, na condição não apenas de que, na fase do chamado “inquérito”, todos os actos que afectem direitos, liberdades e garantias carecem de intervenção e de autorização do juiz (de instrução), como de que, a essa fase de inquérito, se poderá sempre seguir a fase de instrução.
Por outro lado, o chamado “princípio do acusatório”[3] (considerado outro dos princípios estruturantes do nosso direito constitucional penal) impõe a clara e completa diferenciação entre as várias fases e as várias entidades com competências para a instrução, para a acusação e para o julgamento, não se podendo identificar, confundir ou diluir entre elas. E não só não dispensa (questão muito actual, esta!) como até impõe o controlo jurisdicional da própria acusação, exactamente com o objectivo constitucional de evitar que acusações infundadas e até gratuitas possam significar, de forma praticamente automática, a sempre penosa e até vexatória sujeição do acusado a julgamento.
Deve, pois, ter-se por assente que, do ponto de vista do nosso Direito Constitucional, a fase de instrução e a entidade do juiz de instrução (isto é, o controlo jurisdicional quer da actuação do Ministério Público, quer de quaisquer actos ou diligências susceptíveis de afectarem direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, quer enfim da própria acusação) constituem uma imprescindível e inalienável trave-mestra do nosso processo penal e um insubstituível mecanismo de prevenção do arbítrio e do abuso policial e judiciário.
Deste modo, as vozes (desde há muito as das cúpulas do Ministério Público e agora até também a do actual Presidente do STJ, por inerência igualmente Presidente do CSM) que clamam pela abolição formal da fase de instrução dão é mais um passo, este decisivo, no deplorável e inconstitucional caminho que desde há largo tempo vem sendo trilhado no sentido da desvalorização e da inutilização da mesma instrução.
É isso que explica que o Código do Processo Penal tenha passado, com as suas sucessivas reformas, a permitir que o juiz de instrução possa indeferir, por despacho insusceptível de recurso, todas as diligências, sem excepção, de prova requeridas[4]; ou que não realize nenhuma das que já foram efectuadas, mas de forma errada ou incompetente, na fase do inquérito[5]; ou até que, à sua sombra, se tenha passado a sustentar que o mesmo juiz de instrução não poderia exercer a sua fiscalização jurisdicional[6] (isto é, da respectiva conformidade com o Direito) dos actos do Ministério Público, inclusive de constituição do arguido ou de aplicação de medidas de coacção!?
A verdade, porém, é que, se com todas estas leis, posições e entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, todos favoráveis aos já enormes poderes do Ministério Público e de autêntica delapidação das concepções constitucionais acerca da fase processual de instrução e da competência jurisdicional do juiz de instrução, estas já tinham sido largamente enfraquecidas, a sua extinção formal significaria o seu enterro definitivo e o regresso à fase das investigações policiais sem qualquer controlo jurisdicional efectivo, ou seja, o retorno ao domínio do arbítrio e da “roda livre” investigatória. E é isto que verdadeiramente está aqui em causa.
O que é hoje o DCIAP?
Esta questão ganha ainda maior acuidade quando falamos da verdadeira “tropa de elite” em que se transformou esta principal unidade de investigação do Ministério Público, cada vez mais portadora de uma “cultura organizacional” que tem tanto de vaidade e de megalomania como de sensação de (infelizmente reais) impunidade e irresponsabilidade, e ainda de verdadeiro êxtase pelas condenações antecipadas produzidas na praça pública através das sempre cirúrgicas e sempre impunes violações do segredo de justiça. E, enfim, com a concepção legitimadora adoptada pelos seus principais personagens no sentido de que teriam sido ungidos por um qualquer “toque divino” que os teria tornado moralmente superiores ao comum dos mortais que perseguem criminalmente e que os teria incumbido de messiânicas tarefas.
E temos assim um mal disfarçado culto da personalidade, a sistemática não prestação de contas pelas incompetências e erros cometidos e a ideia, mais ou menos sempre latente, de que os direitos dos cidadãos (regra geral de arguidos, mas também por vezes dos próprios queixosos), os seus Advogados e até a própria Lei são uns “empecilhos” à sua salvífica actuação e que por isso podem, em nome da legitimidade dos fins, ser desrespeitados ou habilidosamente torneados.
Os chamados Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP), ao nível das comarcas de maior volume processual, foram obra da criação intelectual de Cunha Rodrigues, imposta na prática antes mesmo de haver lei (orgânica, ou outra, como o Estatuto do Ministério Público) que a previsse e que teve desde logo por objectivo ou resultado o de que o magistrado do Ministério Público que assumira a direcção do inquérito, e formulara a respectiva acusação, não tivesse que ir “dar a cara” por elas na fase de julgamento, onde o Ministério Público se teria de defrontar, em pé de igualdade, com os representantes da defesa e onde a lógica do “dono absoluto” da fase do inquérito já não poderia fazer-se impor.
A situação chegou mesmo ao ponto de, nalguns casos, o Procurador da República da fase de julgamento, ao reconhecer com honestidade intelectual que a acusação anteriormente formulada não tinha pés nem cabeça ou não havia o mínimo de prova, pedir a absolvição do arguido. Como se chegou depois ao ponto de, em flagrante contradição consigo próprio (o chamado venire contra factum proprium), a hierarquia do mesmo Ministério Público ordenar ao magistrado da 1.ª instância que afinal recorresse da decisão absolutória com que ele próprio concordara ou até pedira!?
Posteriormente, a criação formal, em 1998, do DCIAP[7] – outra das criações de Cunha Rodrigues – correspondeu, claro que invocando as vantagens da experiência e da “especialização”, à lógica da constituição de uma equipe “especial”, de procuradores “especiais”, ou seja, uma espécie de magistratura de elite, ao estilo das equipes dos procuradores justiceiros das operações “Mãos Limpas”, em Itália, e “Lava Jato”, no Brasil, para a investigação de crimes como os de corrupção, insolvência dolosa, administração danosa, branqueamento de capitais e terrorismo.
E a arrogância intelectual e o espírito de posição acima da lei, fizeram com que desastres absolutos da acusação pública, como foram os arquivamentos ou absolvições de processos tais como, entre muitos e muitos outros, os dos submarinos, das viaturas Pandur e, mais recentemente, dos Vistos Gold, ou acontecimentos como o de um dos seus mais ilustres membros (Orlando Figueira) ter sido julgado e condenado a 6 anos e 8 meses de prisão[8] por actos praticados nessas suas funções, não conduzissem a qualquer esforço reflexivo e auto-crítico da “cultura organizacional” ali reinante. E da qual, aliás, alguns magistrados do Ministério Público – que, obviamente, também os há sérios, honestos, dedicados e competentes – já foram vítimas.
A primeira infâmia do processo “Vistos Gold”
O chamado caso dos Vistos Gold é, e lamentavelmente, um significativo exemplo do que é e como funciona o DCIAP. Ele assume mesmo proporções e contornos arrepiantes acerca de onde conduzem este tipo de concepções e de práticas e, todavia, eles têm sido criteriosamente ocultados da opinião pública, porque precisamente se pretende que esta alinhe, agora e de novo, de forma totalmente acrítica, no velho e requentado discurso do “Como é que é possível que o tão laborioso trabalho de investigação dos super-Procuradores Rosário Teixeira e outros haja sido arrasado?”…
A verdade é que, nesse mesmo processo, é desde logo absolutamente inaudito o que se passou com os arguidos Miguel Macedo (então Ministro da Administração Interna) e Manuel Jarmelas Palos (então Director do SEF), para cujas ida a interrogatório e detenção (no segundo caso) foram chamadas as televisões, em Novembro de 2014, para assim as filmarem em directo, ao que se seguiu a quase imediata reprodução, numa das televisões amigas do Ministério Público, do áudio e do vídeo de pelo menos um desses mesmos interrogatórios!? Ao que se seguiram novas e consecutivas violações do segredo de justiça, com uma incessante e sufocante transmissão para a opinião pública da versão da acusação e, consequentemente, da “culpa evidente” de tais arguidos, apontados a dedo na rua como bandidos e corruptos.
Requerida a instrução, esta realizou-se, com particular agrado para o Ministério Público, sob a égide do justiceiro Carlos Alexandre, o qual – obviamente – pronunciou (também) estes dois arguidos nos exactos termos por que o Ministério Público os havia acusado, com o argumento de que as provas indiciárias alegadamente recolhidas contra eles eram “avassaladoras”. Ora, o que sucedeu é que, depois de terem sido julgados, sentenciados e executados na praça pública, mercê desta pérfida forma de actuar, uma vez submetidos a julgamento foram absolvidos, e de forma absolutamente clara, pelo Tribunal de 1.ª instância, em Janeiro de 2019. E interposto recurso dessa decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, esta confirmou em Junho de 2020, também de forma completamente inequívoca, a absolvição destes dois arguidos.
Ao fim de quase seis anos a verem o seu nome arrastado na lama por uma pretensa factualidade (afinal inexistente, mas que o Ministério Público e o juiz de instrução Carlos Alexandre se arrogam qualificar de “avassaladora” e que, como tal, foi sendo passada para a opinião pública), com as respectivas vidas pessoais, familiares, profissionais e até políticas completamente destruídas, a estes dois cidadãos nenhuma decisão absolutória será capaz de apagar os gravíssimos danos, materiais e morais, que lhes foram causados. E não é o facto de serem do PSD ou de pertencerem a um governo dessa área política que pode fazer com que, quem tenha um mínimo de princípios, possa aceitar estas ignomínias que contra eles foram (impunemente) cometidas.
Todavia, esta monstruosidade não mereceu nem uma reflexão crítica, nem muito menos, é claro, um qualquer pedido de desculpas por parte da “tropa de elite” do Ministério Público, como também não ouvimos nenhum dos “especialistas” que atacam agora Ivo Rosa dizer uma só palavra sobre isso. Curioso, não é?…
Vistos Gold (Parte II) – Uma história igualmente infame!
Mas o processo-crime dos Vistos Gold encerra ainda uma outra história tão ou mais tenebrosa do que esta, e que muita gente não conhece. No final do ano passado, ela foi narrada (embora sem referência a nomes) num texto escrito pelo ex-Presidente do STJ, Noronha do Nascimento, para o jornal O Referencial, da Associação 25 de Abril, mas nem assim ele mereceu a atenção reflexiva e duramente crítica que mais do que justificava.
Em determinada altura da investigação do processo foi apanhada nas escutas telefónicas uma conversa “ambígua e incerta”, nas palavras de Noronha de Nascimento, que, porém, “foi transformada em certeza absoluta, alargando-se a investigação a esse mesmo suspeito”, o qual era nem mais nem menos que o juiz desembargador Antero Luís, ao tempo Director do SIS, facto este público, notório e obviamente conhecido de todos à data. Acontece que, por lei[9], relativamente a um juiz de 2ª instância, o Tribunal competente para o respectivo processo correr teria de ser o STJ, e o magistrado do Ministério Público titular do respectivo inquérito, um Procurador-Geral Adjunto do mesmo STJ. Porém, e não obstante o que a lei determina, a procuradora titular do processo do DCIAP tratou de prosseguir ela própria as diligências investigatórias ao referido juiz desembargador. Que, note-se, era um julgador (na área criminal) de o que Ministério Público absolutamente não gostava pelas suas posições de rigor na aplicação da lei e de divergência, muito frequente, com as adoptadas pelo mesmo Ministério Público.
Entretanto, de novo e uma vez mais, é passada para a imprensa a notícia de que Antero Luís estava a ser investigado por envolvimento em actos de corrupção no processo Vistos Gold e tal “notícia” fez várias manchetes com o nome, inclusive completo, e a fotografia do visado, assim logo publicamente acusado e sentenciado na praça pública! Note-se que, na altura, Antero Luís não fora sequer constituído arguido nem se pudera defender de coisa nenhuma, mas já fora apontado a dedo pelo DCIAP (que fingia não saber da sua própria incompetência) e sumariamente condenado pela opinião pública desta forma manipuladoramente criada.
As coisas, já de si gravíssimas, não ficaram, porém, por aqui. Não obstante a sua patente incompetência em razão de hierarquia para esse actos de inquérito, a mesma Procuradora do DCIAP tratou de decretar (sem que a lei lho permitisse) o levantamento dos sigilos bancário e fiscal relativamente ao desembargador Antero Luís e, consequentemente, determinou ao Gabinete de Recuperação de Activos (GRA) da Polícia Judiciária que fizesse um levantamento das contas e do património do desembargador. E o que de seguida se passou foi que o relatório preliminar da Polícia Judiciária apurou que rigorosamente nada de invulgar havia nas referidas contas e património, assim ilegal e abusivamente devassadas, de Antero Luís. Como escreve Noronha de Nascimento, “bens, haviam os que resultavam do vencimento do juiz; dinheiros, havia os que resultava da partilha amigável de um divórcio consensual”.
Porém, nem então parou o desvario persecutório da “tropa de elite” do DCIAP! Tendo finalmente verificado que não podia mais ignorar a sua própria incompetência para dirigir aquelas investigações, a procuradora acabou por promover o envio do processo para o STJ, mas não enviou o referido relatório ilibatório da Polícia Judiciária (assim o sonegando ao conhecimento dos Procuradores-Gerais Adjuntos do STJ) e, pior, não deixou sequer rasto dele no inquérito.
Felizmente para o arguido em questão, mesmo sem o relatório em causa, o Procurador-Geral Adjunto do Supremo arquivou, por despacho de 01/06/2015, o respectivo processo de inquérito por manifesta falta de provas. Mas e se o Ministério Público fosse igual ao da 1.ª instância e o juiz da instrução igual a Carlos Alexandre chancelando tudo o que o mesmo Ministério Público invocasse?
Tudo isto suscita várias e gravíssimas questões que ficaram então por responder, mas que não podem mais ser ignoradas, sobretudo quando, na Operação Marquês, está também em causa a actuação dos “super procuradores” do DCIAP:
1º Como é possível que todo este rol de ilegalidades possa ter acontecido e que nenhuma responsabilização sobre os seus autores possa ter ocorrido[10], a não ser precisamente pela tal cultura de arrogância e de impunidade a que me referia há pouco?
2º O que poderá acontecer se o visado numa actuação deste género for um cidadão comum, sem conhecimentos de Direito, e sobretudo sem meios, financeiros e outros, para se defender adequada e firmemente?
3º O que é que acontece aos dados pessoais da vida de cada um, obtidos de forma ilegal, mas que revelem não um crime – única situação em que o Ministério Público tem, quando tem, poderes de investigação – mas um acto meramente irregular, ou merecedor de alguma censura social ou, enfim, simplesmente constrangedor?
4º Não é verdade que a mera possibilidade de obtenção deste tipo de dados e informações sensíveis, mesmo que alcançados por meios tão ínvios e ilegítimos como os acabados de descrever, e de eles saltarem “miraculosamente” para a comunicação social das manchetes, constitui um factor objectivo de chantagem e coacção sobre inúmeras pessoas, designadamente da área política, e que é isso que explica a inacção e até o temor de todos os partidos políticos do Poder para tomarem medidas, designadamente legislativas, que ponham cobro a este estado de coisas?
5º Por fim – e daqui lhes lanço clara e directamente este desafio – o que pensam os ferozes críticos do juiz Ivo Rosa, o Presidente do STJ e do CSM, o seu empenhado chefe de gabinete, a Procuradora-Geral da República, o Director do DCIAP e os “especialistas” e comentadores de serviço nas televisões e nos jornais acerca de situações escabrosas como as que acabei de referir e ocorridas no processo dos Vistos Gold? É ou não este modelo de processo penal, de inquérito-crime e de Ministério Público que defendem e que querem instituir no nosso país e contra o qual apenas reclamarão quando porventura um dia lhes bater à porta?
António Garcia Pereira
[1] Art.º 32.º, n.º 4.
[2] Vide Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 7/87 e 23/90.
[3] Consagrado na 1.ª parte do n.º 5 do art.º 32 da CRP.
[4] Art.º 291.º, n.º 1, 2.ª parte e n.º 2, do CPP.
[5] Art.º 291.º, n.º 4, do CPP.
[6] Como se consagrou, de forma inédita e, em minha opinião, inconstitucional, no recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 121/2021, de 9/2 (Proc. n.º 1126/2019 – 2.ª sec.
[7] Daniel Sanches, que foi Director do SEF e do SIS, foi o primeiro Director do DCIAP, passando depois a Administrador da Sociedade Pleaide, do grupo SNL, e depois a Ministro da Administração Interna, tendo sido o responsável pelo negócio da contratação do SIRESP.
[8] É o caso do processo da chamada “Operação Fizz”, cujo recurso, interposto por Orlando Figueira – que, entretanto, está suspenso de funções, mas a receber vencimento – demorou 2 anos a ser distribuído no Tribunal da Relação de Lisboa, devido, alegadamente, a um incidente processual por ele deduzido, mas sobre o qual, estranhamente ou talvez não, praticamente ninguém manifestou grande indignação.
[9] Art.º 11.º, n.º 4, al. a), e n.º 7, do Código do Processo Penal.
[10] Ao que tenha sido noticiado, a queixa que Antero Luís apresentou ao CSM contra (quem mais poderia ser?) o juiz de instrução criminal que foi caucionando toda esta situação do Ministério Público, isto é, Carlos Alexandre, foi arquivada pelo mesmo CSM, que nem sequer deu a conhecer ao STJ os fundamentos dessa sua mui douta decisão, conforme se pode ler no Acórdão de 15/03/2017 da 3.ª secção do STJ que julgou totalmente improcedente o pedido de recusa significativamente formulado pelo Ministério Público contra Antero Luís num recurso de outro processo (o n.º 147/13.3TELSB-K.L1 – A.S1).
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