A Resistência dos tempos, o anti-herói – o bode expiatório escolhido

Vivemos tempos opacos, como uma noite de pesada tempestade coberta de breu, que hoje se deixa atravessar por um brilhante raio de sol. Foi por uma nesga de luz que ainda mal acordada li a notícia da liberdade de Assange. Há anos que faço parte do grupo daqueles que se importam. Por uma razão simples, eu não sei viver sem Liberdade. Somos todos Assange, não somos?

Ao longo das muitas eras da existência humana com todas as experiências e períodos sem qualquer luz, o espírito humano nunca foi derrotado. Esse é o melhor lado da nossa espécie. Há sempre quem não deite a toalha ao chão, pelo bem maior, o bem colectivo. E essas pessoas são o símbolo do invicto espírito humano. Tudo parecia perdido. Eu tive essa sensação e hoje comovi-me. 

Certamente todos aqueles que nas várias linhas de defesa das águas lançaram âncoras, para segurar a tempestade que prometia arrastar o homem sentiram o mesmo. Assange vai assinar um acordo com o governo Americano nas ilhas Marianas no Pacífico, descobertas por Fernão Magalhães em 1521, com a fossa de água mais profunda do planeta, base militar estratégica Americana, de onde saiu o bombardeiro Enola Gay com a Bomba H (Little Boy, com destino a Hiroshima), são as ilhas mais próximas da sua Ilha natal Austrália, onde será recebido pela sua família. 

Assange recusou-se a viajar até território continental americano e com razão. Este assunto é sério e nunca se sabe. Julian sabe…é melhor ter um olho no avião e outro olho no americano. Assange provou ser o Inimigo Público número um do complexo militar americano, denunciando a sua máquina de guerra, espionagem, e poder absoluto. 

Ironia poética. Na base militar estratégia da II Guerra Mundial, o complexo militar desmontado por ele, mostrado na sua nudez, falta de transparência e nos crimes trazidos à luz por este homem de coragem, salva a face dando-lhe a liberdade, a troco de uma declaração de “culpado”. O mundo por causa dele sabe quem é o culpado dos crimes. 

Declara-se culpado de conspirar para obter e publicar informação sensível e confidencial. Informação que recebeu de dois nomes maiores e corajosos – Edward Snowden (exilado na Rússia) e a militar Chelsea Manning (presa muitos anos tendo recebido o perdão da pena por Obama).  

Há oito anos vivia em Bruxelas e assim pude estar presente numa conferência pela Liberdade, naquela cidade. O tema foi o capitalismo, a Europa, e a Liberdade de expressão. Os intervenientes foram Yanis Varoufakis, os filósofos Srecko e Zizek e em directo do exílio na Embaixada do Equador em Londres, Julian Assange. Emocionalmente saí uma mistura amarga-doce. Cheia de confiança no espírito humano e de coração apertado pelo bode-expiatório dos tempos, o escolhido anti-herói Julian Assange. 

Escrevi uma crónica da conferência ficando esta registada no sítio de notícias do costume um dos sítios onde escrevo há mais de dez anos. Não sou jornalista, apenas uma colaboradora acreditada com muito interesse em jornalismo e escrita. Não imagino – porque escrevo, estudei, busco fontes, confirmo notícias e quantas vezes entro em buracos sem fim em busca de histórias, tal como faz um jornalista em busca da verdade – viver sem escrever em liberdade. 

Contudo, tal será uma verdade para colaboradores como eu, ou jornalistas assalariados se vivermos sem liberdade de expressão, sem jornalistas independentes, sem “whistleblowers” como Snowden e Manning e tantos outros como Julian Assange detentores de sites, plataformas, publicações como o Wikileaks, que recebem informação verdadeira e real, de braços abertos, porque o medo desse outro poder vence. 

O jornalismo tem apenas um intuito – trazer a verdade ao público, não a versão que os donos disto tudo nos querem vender.  Os jornalistas são a Resistência, não a obediência. 

Obrigada a todos aqueles que não baixaram a cabeça com medo. Obrigada àquele que se viu abraçado num real processo Kafkiano, até hoje. E por acreditar no espírito humano, acredito que ainda vou ver a liberdade de Snowden e tantos outros presos políticos em processos arranjados para fazer com que o medo vença. O espírito humano está nestes homens e mulheres inconformados, corajosos. É parte da Resistência contra ditaduras, fascismos, e poderes que os quer silenciar de mostrar a verdade ao público.

Somos todos Resistência! 

Anabela Ferreira

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