A partir do início da década de 90 e num processo sempre em aceleração até 2002, o sistema financeiro encontrou e explorou uma nova área de intervenção: o sector imobiliário.
Enquanto que na década de 80, foram construídos em média, cerca de 28 mil fogos por ano, este número chega aos 64 mil entre 90 e 97 e aos 92 mil entre 97 e 2009, atingindo valores médios superiores a 118 mil entre os anos de 1999 e 2003, com um pico em 2002 de 130 mil fogos construídos. Valores absolutamente incompreensíveis, tendo em conta o que os especialistas do sector propõem: o número de habitações novas a construir, tendo em vista o crescimento das famílias e alguma reposição do parque por envelhecimento, porque porventura não passíveis de reabilitação, não deveria nunca ter ultrapassado os 30 mil fogos por ano, o que significa que se terá construído quase um milhão de fogos para além das necessidades, entre 1991 e 2009.
Esta política de “tudo à construção civil”, deu uma aparência de saúde e de algum dinamismo à economia portuguesa. Durante alguns anos, foi responsável pelo crescimento do PIB.
Porém, esta política apresentou e apresenta aspectos profundamente contraditórios e perigosos, pois desviou verbas necessárias ao investimento produtivo, particularmente de bens transaccionáveis, designadamente nas fileiras dos recursos naturais, sempre de alto valor acrescentado nacional. E por outro lado, conduziu ao endividamento das famílias, que segundo o Banco de Portugal era de 5,8 mil milhões em Dezembro de 1990, de 50 mil milhões em 2000 e de 122 mil milhões em Maio de 2010 (cerca de 70,5 % do PIB do ano). E conduziu ainda ao endividamento do sistema financeiro perante a banca estrangeira, dado que o principal motivo da dívida externa não pública.
O problema começa quando as famílias portuguesas, fortemente endividadas e atingidas pelo flagelo do desemprego, sem economias próprias dados os baixos salários praticados em Portugal, deixam de conseguir pagar os empréstimos contraídos para compra de habitação. E por via disso, os bancos deixam de ser capazes de pagar os empréstimos contraídos para se financiarem, com o qual financiaram (por sua vez) quer as famílias, quer as próprias empresas de construção. O facto de existirem demasiadas casas em Portugal, fez, faz e fará baixar os preços dos imóveis (adquiridos no pico do seu valor de mercado e muito acima, quer do do valor real, quer do seu valor face a uma crise desta natureza). Quando os bancos são obrigados a contabilizar, quer o crédito mal-parado, quer as garantias (ou seja, o valor das casas) pelo seu valor actual, aparecem as perdas…
Os leilões de casas promovidos por alguns bancos, constituem uma faca de dois gumes, pois que embora possam trazer algum acréscimo de liquidez aos bancos, constrangem ainda mais o mercado do imobiliário novo, reduzindo, obviamente, a já fraquíssima venda de fracções expectantes e vulnerabilizando ainda mais promotores e construtores e em cascata os próprios bancos. O negócio imobiliário representa pelo menos 50 % da carteira do sistema financeiro, que portanto apresenta uma elevada vulnerabilidade perante o colossal stock que existe e que, no essencial, foi edificado e adquirido com o recurso ao crédito bancário.
Na quarta-feira passada, foram aprovados na A.R., na generalidade, as propostas do Bloco e do PS, relativas à impenhorabilidade da casa de morada de família. Uma medida de protecção das famílias, que empurrará a banca portuguesa para o colapso, ao anular, em termos práticos, as garantias reais associadas aos empréstimos que concederam. Resta saber como vão os Bancos contabilizar os seus créditos mal-parados, cada vez mais, que deixarão de ser susceptíveis de ressarcimento através da venda (ao judicialmente consentido desbarato) dos imóveis que os garantiam, quais os reflexos disso no sistema financeiro, quais as consequências para quem pretende adquirir um imóvel próprio. Nisso, uma vez mais, ninguém pensou, nem houve sequer tempo para pensar.
Há coisas fáceis de perceber, que os nossos competentíssimos analistas, principescamente pagos pelas funções que exercem nos “reguladores” que não regulam nada e entidades de “supervisão” que não supervisionam coisa nenhuma, insistem em ignorar, falhando em toda a linha a missão que alegadamente justifica os seus tachos, os seus salários, as suas mordomias.
Mas a verdade é como a poesia… E a maioria das pessoas detesta poesia. Mas mais cedo ou mais tarde todas as pessoas, Estados e Sistemas colidem frontalmente com a verdade…
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