Ai minha Costa Alentejana do coração… Baseado em factos surreais

Da série “mostra-me o dinheiro” ou dizendo de outra maneira, somos pacóvios, de uma pobreza franciscana no pensamento que faz doer (basta pensar que descobrimos os caminhos marítimos para o resto do mundo, começámos o negócio mais lucrativo do planeta que durou 500 anos – a Escravatura, explorámos “à grande e à Portuguesa” 9 países da Ásia a África, e o que nos torna riquinhos (de simpáticos) é…o pastel de nata e o vinho que seguem nas malas dos emigrantes em busca de um quinhão de vida melhor. 
Se não fôssemos tão pacóvios!

A arenga vem a propósito de 1821 sobreiros adultos (árvore autóctone), que vão ser cortados para plantar um parque eólico ali para os lados de Sines, no Parque Natural do Sudoeste Alentejano. Alentejo esse que é largo em espaço. Tirando a prática destruidora da agricultura intensiva, tem espaço de sobra vazio e pronto a receber um parque de energia verde (será?) sem destruir arvoredo autóctone. 

Diz a EDP que promete reflorestar. Vou-me rir até 2060 quando as árvores agora plantadas tiverem serventia quando se tornarem adultas. Só daqui a umas décadas. Tudo autorizado pelo Ministério do Ambiente. Alguém me explique a lógica se fizer favor. Que negócio é este afinal? Alguém me consegue explicar? Sem se rir, claro. 

Faz-me lembrar o FMM (do qual eu muito gosto e vou desde o início), por ser um Festival diferente, com Música do Mundo. Um festival de descoberta. Como a empreitada de Vasco da Gama. Aqui ligo a história com o primeiro parágrafo desta arenga – As descobertas, achamentos ou o que se quiser chamar. 

Em Sines nasceu o grande navegador Vasco da Gama, inteligente, culto, perspicaz, com olho para o negócio. De lá saiu para a conquista do mundo. Missão cumprida. Para o homenagear criou-se um festival de música que reflectisse os seus feitos 

– o mundo descoberto por estes bravos homens com a cruz de Cristo ao peito, Templários com o desejo de encontrar novos territórios, catequizar os infiéis, evangelizar, conquistar uma nova rota da seda ou qualquer outro comércio que viesse a mostrar-se lucrativo.

Decidiram-se pela Escravatura que se veio a relevar o “el-dorado” dos negócios), junto da potencial rota para Jerusalém e da tal Índia. Foi a música alternativa para o mundo. 

Num passado mais recente, a partir dos anos oitenta no século XX, Sines e toda a zona envolvente (com Santo André e Santiago do Cacém à cabeça) envolveu-se (e desenvolveu-se) com uma pesada presença industrial, de forte impacto ambiental no imenso areal perto do Porto de águas profundas e do Castelo – neste que é o palco do festival, com vista para a casa do marinheiro navegador.

São inúmeros os crimes ambientais na zona. São inúmeras as lutas travadas (incluindo a da Câmara Municipal de Sines contra o Estado para travar a construção da Termoeléctrica em São Torpes – a que dava água quentinha na famosa praia). Missão que a CMS não cumpriu. 


Que o digam os banhistas que se iam beneficiar dessas águinhas na Costa Alentejana, que se tornou famosa depois da canção do Rui Veloso sobre a Ilha do Pessegueiro, levada nas estrofes da criatividade de uma letra sobre vizires agricultores de Odemira. No tempo em que se plantavam árvores. Agora cortam-se. 

A Câmara deve ter vendido a alma ao diabo porque tem como seu principal patrocinador o maior poluente da zona. Aquele que oferece chapéus de plástico. 

Num festival que achamos ser limpo, alternativo, verde e essas tretas todas. De copos recicláveis. De plástico. Incluindo os chavões “paz e amor” dos humanos pelos humanos e pela casa onde vivem – o tal único planeta que conhecemos com água potável e oxigénio (até ver, são-nos oferecidos pela natureza, pelos sobreiros e demais árvores autóctones, não pela EDP nem pela galp). 

“Spoiler alert” – ou traduzido à minha vontade: aqui vem o dilema da história!

Na zona altamente castigada, poluída, com uma incidência de vários tipos de cancros, desconhecida mas real, vamos lá castigar mais um pedaço. 

Estes são os factos surreais nos quais se baseiam esta história. 

Não há estudos(ou eu não os conheço) de impacto sobre a saúde. Alguém deve pagar para que não se saiba do mesmo, na saúde das gentes que por lá vivem, como foi o caso do meu pai que aos 55 anos estava com o primeiro cancro depois de anos na refinaria de Sines. Reformou-se, pegou nas embambas e saiu da zona. 

Não conheço ninguém que não tenha morrido por lá que não tenha sido com uma forma de carcinoma. De todas as idades.

Não é a melhor forma de fazer “gaslighting” (quase literalmente) e “greenlighting”? 
Um festival fabuloso patrocinado e agora o abate de árvores?

Vale a pena repetir e esmiuçar:

– a Edp ao destruir árvores adultas mas prometendo plantar novas árvores, em troca de um parque de energias renováveis, com tanto espaço vazio para o fazer sem destruir árvores. 

– a Galp ao patrocinar o festival das músicas do mundo com os ideais da paz e amor dos xalálás que mais dizem amar o ambiente e aceitam esta fantochada, usando os chapelitos de plástico, fazendo esquecer quem é o maior poluidor, porque nos dá música da boa, 

-enquanto homenageamos Vasco da Gama, que teve parte na descoberta e na reprodução da escravatura pelo mundo (onde está o amor nesta parte da história?)

Paradoxos inexplicáveis. Ou como quem diz e volto ao início – “mostra-me o dinheiro”. 

Não se conhecem estudos de impacto sobre a saúde dos habitantes nas zonas envolventes ao Complexo Industrial (um dia chamado “Elefante Branco”), cuja explosão demográfica aconteceu após as independências das ex-colónias conquistadas e exploradas com e por Vasco da Gama e demais navegadores. 

E lá vamos nós contentinhos, pacóvios e parolos à nossa vidinha, a maioria emigrantes (os pobres), ou expats (os classe-média), e os que ficam.Todos aceitando, engolindo a fartura e dançando ao som de músicas do mundo, em orgias com negócios do outro mundo, enriquecendo os bolsos apenas dos espertos Vascos da Gama deste mundo enquanto nos comem as papas na cabeça e continuamos a ser pobres, periféricos e sem capacidade de decisão.


Bem poluídos da cabeça. 

E o respeito pelo ambiente pá? E pelo único planeta que temos? 

Mais sobreiro menos sobreiro tanto faz. Mais poluição menos poluição tanto faz. 
Ganham a EDP e a Galp. Não esqueçamos que para o ano há mais música patrocinada pelos dois gigantes. 

É o capitalismo, estúpidos. Nascido no século XV, aperfeiçoado no século XXI.

Eu pecadora me confesso e lá voltarei para desatinar com a falta de 1,821 sobreiros que ninguém vai conseguir salvar, fazer perguntas e dançar.

Se alguém pensar que este texto é uma “mixórdia de temáticas” olhe que não, olhe que não. Isto está tudo ligado.  Sobretudo, o que se relaciona com negócios e dinheiro. Enquanto nos dão música. 

Anabela Ferreira

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