#metoo e #elenão são gritos idênticos da mesma natureza humana.
Um grito de liberdade.Mas para lá chegarmos temos de entender onde reside o poder de um ditador, o que faz chegar ao poder. Ou de um violador e o que o leva ao poder.
Alguém disse que Martin Luther King não teve um pesadelo, teve um sonho. E os sonhos estão na mesa de jogo. Virados para cima.
Todas as ideias estão à vista, os dados foram lançados e as alternativas são abundantes. A grande consciência de necessidade de mudança e transformação entram-nos pela porta principal.
Vivemos tempos de borrasca. De pesadelo. Ou tempos de transição. De sonhos à vista. Utopias a fazerem o seu caminho de libertação.
Ainda é normal termos ditadores e violadores. E tradições que os sustentam. Mas a vida tal como a natureza está em constante mutação.
Estamos todos no avião que atravessa a turbulência. Apertemos os cintos e preparemos-nos. Não duvido que estamos bem equipados para voar em velocidade cruzeiro, num voo sem riscos passadas as nuvens. Chamo-lhe progresso. Aproveitem o voo para saber porque razão um dia sonhámos voar. Voemos ao século dezasseis e a Etienne de la Boètie.
Eu bato porque preciso dominar. Eu violo porque preciso subjugar.
Com o medo que provoco no outro garanto o meu poder.
Eu deixo-me bater. Sou violada e calo-me. O medo é a única linguagem que o meu instinto conhece. De sobrevivência.
Dar poder ao que me bate e viola faz parte da natureza que me leva a me deixar dominar.
Nascemos e somos criados para sermos servos. A política e as igrejas feitas por seres humanos aliaram-se à natureza humana e encarregaram-se de nos esculpir. Difícil quebrar o padrão.
“Com a perda da liberdade, perde-se imediatamente a valentia e cumpre-se apenas uma obrigação, a subjugação” dizia La Boétie mais ou menos assim.
E este facto é sobejamente conhecido de todos os ditadores. Estes só obtêm o poder sobre nós, porque lhes oferecemos esse poder.
O ciclo vicioso fica assim estabelecido.
Um por todos e todos por um deveria ser o mantra de homens e mulheres na resposta contra o abuso de poder num acto sexual violento, humilhante e não consentido. A violação do corpo, o veículo sagrado que utilizamos como seres espirituais numa experiência na matéria.
Um por todos e todos por um deveria ser o mantra de homens e mulheres na resposta contra o abuso de poder de um ser sobre outro na política, a arte de governar que se transformou na arte de subjugar.
La Boétie – filósofo e escritor do século dezasseis – tem esta poderosa explicação sobre o que leva um ser a violar e/ou a querer ser um ditador. O desejo de subjugar o outro.
Sexo e política com a mesma raiz. Algo profundamente incrustado na natureza humana.
Para com o ditador respondemos com a entrega voluntária da nossa dignidade para que esta seja violada e subjugada.
Ao violador oferecemos o silêncio de não o desmascarar. Entregamos a dignidade por medo e vergonha de abrir o mais intimo de nós que foi profanado.
Mal nos conhecermos. Mal nos vemos. Por isso entregamos o ouro.
A nossa alma, o nosso corpo, a nossa mente. A liberdade da vida. A liberdade de criar.
Não conhecemos nem o nosso corpo nem a nossa natureza. Nem nos ensinam. Para não conhecermos a verdade.
Se conhecêssemos o nosso corpo saberíamos que não precisamos de violar outra pessoa para desfrutar de prazer.
Não precisamos dominar ninguém na vida política, para levarmos um sonho nas asas de um colectivo e o transformarmos em realidade.
O medo de perder a vida impulsiona-nos a entregar a vida aos ditadores. Entregamos-nos como escravos voluntários. No outro lado do espelho, por essa entrega, espreita o ditador . Ou o violador que apenas tem um desejo, de dominar o outro mostrando assim o seu poder.
O desejo de dominar o outro é a maior perversidade da natureza humana. Sabendo deste quesito, ditadores minam laboriosamente o campo para que o pisemos e, façamos do medo o denominador consciente cravada a bala no inconsciente.
E é este medo perverso da natureza humana que nos leva a entregar voluntariamente a liberdade, o corpo,a mente, a alma à escravidão sob determinadas circunstâncias.
Hipócrates, pai da medicina, afirmou-o e escreveu num de seus livros, intitulado “Das Doenças”.La Boétie descreve-o “este homem tinha o coração no lugar e bem o demonstrou quando o rei quis atraí-lo para junto de si, com muitas dádivas e oferendas; respondeu-lhe francamente que teria muitos escrúpulos em tratar e curar os bárbaros que queriam matar os gregos e de pôr a sua arte a serviço de um rei que pretendia escravizar a Grécia.”
Quando estamos cegos de medo, sem segurança, sem educação, doentes e medicados, estamos prestes a desejar e, vemos tanta gente pedir um ditador como “salvador” de almas.
Aquele que promete ser o realizador de efeitos especiais para varrer as maleitas que nos consomem e que perturbam o colectivo de viver em total segurança, aquele que constrói a catarse de uma existência sem perturbações nem alterações. Foi assim que vários líderes subiram ao poder e outros se preparam para o fazer. Com a cumplicidade dos medrosos, sedentos de um prestidigitador que lhes leve a vida. De novo La Boétie escreve “Atrair o pássaro com o apito ou o peixe com a isca do anzol é mais difícil que atrair o povo para a servidão, pois basta passar-lhes junto à boca um engodo insignificante. É espantoso como eles se deixam levar pelas cócegas. Os teatros, os jogos, as farsas, os espetáculos, as feras exóticas, as medalhas, os quadros e outras bugigangas eram para os povos antigos engodos da servidão, preço da liberdade, instrumentos da tirania. “
Ditadores e violentadores socorrem-se de uma e única coisa: o desejo de subjugar porque o nosso medo é o tirano dentro de nós. A natureza humana é quem é. Não é uma estranha que apenas se mete na cama com uns. Vai para a cama com todos. É perversa e promíscua. Instila e destila o venenoso medo. Comprando e destruindo os valores dos outros.
La Boétie é preciso ao esclarecer “E, pelos favores, ganhos e lucros que os tiranos concedem chega-se a isto: são quase tantas pessoas a quem a tirania parece proveitosa como as que prezam a liberdade. O tirano submete a uns por intermédio dos outros.
Dizem os médicos que, havendo no nosso corpo uma parte afetada, é nela que naturalmente se reúnem os humores malignos; da mesma forma, quando um rei se declara tirano, tudo quanto é mau, a escória do reino (não me refiro aos larápios e outros desorelhados que no conjunto da república não fazem bem ou mal algum), os que são ambiciosos e avarentos, todos se juntam à volta dele para o apoiarem, para participarem do saque e serem outros tantos tiranetes logo abaixo do tirano. É o caso dos grandes ladrões e corsários famosos. Há uns que exploram o país e assaltam os viajantes; estão uns de emboscada e outros à espreita; uns chacinam, outros saqueiam e, havendo muito embora alguns mais proeminentes, uns que são criados e outros chefes de bando, todos afinal se sentem donos, senão do espólio principal, pelo menos de parte dele. Conta-se que os piratas sicilianos não só se juntaram em tão grande número que foi mister enviar contra eles Pompeu Magno, como também conseguiram estabelecer alianças com algumas belas cidades e grandes praças fortes em cujos portos ancoravam com toda a segurança, no regresso do corso, dando-lhes em recompensa uma parte dos bens que rapinavam. “
Quando me apaixonei pela educação (eu, o Guterres e mais uns quantos) sabia que apenas uma barreira me separava de ver uma utopia transformada em progresso.
Entendido quem sou, não mais preciso subjugar, dominar, nem violentar. O meu poder é criar. E é pegando na arma da Educação que me defendo. E luto como uma mulher!
Um violador sabe ser fácil desacreditar a vítima/sobrevivente, por isso é de enfrentar o peso da solidão da falta de solidariedade dos demais para com o seu acto.
Um por todos e todos por um.
Um ditador se enfrentar a falta de solidariedade para com os seus actos não chegará nunca a tirano.
Todos por todos e um não chegará a ser alguém.
Somos todos tiranetes. No entanto, coragem, bondade e o desejo de liberdade são contagiosas e promiscuas. São mais do que um sonho. Também são parte da natureza humana.
No dia em que estiverem unidas a cantar em uníssono “um por todos e todos por um” teremos vencido ditadores e violadores numa catarse colectiva. E vencido o medo. Poderemos então criar nesta experiência terrena.
Por isso é preciso preparar o terreno para que ninguém tenha medo de tiranos. As desigualdades económicas e sociais são o terreno certo para cultivar ditadores. Com gente com medo de ficar sem pão. Com gente que não se sinta nem seguro nem livre. Abertos sim ao desejo de serem subjugados por quem deseja subjugar.
Eu também tenho um sonho. De um dia sermos muitos mosqueteiros e gritarmos o mantra colectivo “um por todos e todos por um”. Contra ditadores e violentadores que nos cerceiam a vida em liberdade.
Como ontem li numa brincadeira da rede, “se retrocedermos à Idade Média que fique registado que eu estou do lado das bruxas”. As que combatem violadores e ditadores. Vem a natureza ao de cima trazer-me o desejo de os ver subjugados.
Direi mais, eu sou uma das bruxas e se for para a fogueira vou a cantar “um por todos e todos por um” e quero que o meu fogo tenha a cor da ausência de medo.
Anabela Ferreira
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