O que eu quero para as mulheres? tenho uma palavra para o meu género para que os números de violência doméstica, suicídio e saúde mental deixem de ser uma espada sobre o pescoço feminino, uma praga para o colectivo, precisamos deixar de nos ver pelos olhos masculinos. Ser as nossas primeiras amigas, mas sobretudo não querermos ser iguais aos homens em comportamentos que nos desrespeitam. Blá, blá, blá…parecem clichés, quem dera que fossem, só que não são.
Com ou sem medo façamos diferente, sejamos diferentes, porque por defeito de programação somos diferentes. Retiraram-nos o poder de sermos diferentes, de andar sozinhas nas ruas, de decidir por nós sobre os nossos corpos, sobre as nossas opções de vida, sobre os padrões de beleza, sobre as nossas vozes – na política, na cama, nas profissões, nas escolhas em colectivo. De tudo continuamos ainda a ter medo. Temos ainda todos os caminhos minados. Aqui e ali há sementes a germinar. São ainda poucas comparativamente a eles. Só começaram a rebentar há pouco tempo.
Iguais devemos ser perante a lei, perante os direitos, perante as oportunidades, perante os salários. Assim está escrito na Constituição. Só que ainda não. Até as mulheres mais poderosas têm medo de ser diferentes. Até de ter voz. Vejamos – sair à noite – podemos ser violadas, encontrar-se com um psicopata, um narcisista ou um homem manipulador e/ou violento (por vezes está dentro da sua casa e da sua família), somos constantemente julgadas por ser ou por não ser. Eis as questões!
Qualquer mulher tem consciência das consequências de ser mulher. Não que elas não possam também ser – violentas, psicopatas, narcisistas, também vendem as filhas e as mães por cinco tostões. O poder que nestas está activo é aquele ligado ao instinto básico de sobrevivência, o do medo da solidão, de não ter poder e controle. Nestas cai por terra o programa por defeito de ser mulher. Este defeito situa-se na fronteira entre o normal e o cérebro desconjuntado. São as peças defeituosas da espécie encontradas nos géneros. No entanto, a violência consciente e masculina sobre mulheres é uma realidade na maioria dos países – a violência sexual, doméstica, emocional, financeira, psicológica que leva a enormes tragédias. Advém de um sistema muito bem montado. Uma casa sólida que dura há milhares de anos.
Parafraseando Éfu Nyaki – “metade do mundo são mulheres e a outra metade são filhos delas”, sobre a educação destas e o papel milenar que têm para não perpetuar a violência a voz delas tem de ser ouvida. O meu próximo livro fala sobre histórias de violência. São crimes reais que muito me chocaram, recolhidos pelos diversos países por onde caminho, transversal a todas as classes sociais, em todos os tempos, onde ainda não temos homens educados para olhar as mulheres.
As mulheres – latu senso – carregam o futuro nas costas, com a esperança do presente no peito, e no coração o passado, com sabedoria. Ouvem as vozes ancestrais e sabem o que elas falam – falam de amor e respeito. A começar por si. Carrego no coração as lutas, as lágrimas, o amor, as penas e os lutos das minhas antepassadas. É com a voz delas, com todas as invenções que criaram para o bem da humanidade – sobre as quais não receberam créditos – que caminho pelos socalcos que abriram para eu poder passar. Dizia a minha avó: “tem paciência”, ao que lhe respondia: “tu tiveste paciência, o meu tempo é de ter voz”. Daí ser tão importante não calarmos, votar em homens que nos vêem como parceiras com os mesmos direitos e liberdades. Sim, minhas mulheres, aqueles que recentemente conquistámos em Abril de 74. E sim, o primeiro feminista que conheci e me ensinou a ser mulher, sobretudo a respeitar ser mulher, foi o meu avô. Demorei a aprendizagem, porque tudo estava tecido a meu desfavor.
Agora pergunto, já imaginaram se massivamente as mulheres votassem a favor de si próprias?
Imaginem!
Fiz uma colecção de algumas chapas que apanhei por aí. Mesmo dependendo de um algoritmo para chegar a homens e sobretudo mulheres (e todos os géneros que houver por aí na womankind), continuo a falar para esta parede. De voz levantada em bicos de pés, mão dada às minhas irmãs, e em nome de nós. Como mulher Portuguesa, Africana, preta, que não sabe estar, inquieta, desassossegada, inconformada, desajustada, de esquerda, com a percepção de que Portugal está pejado de cavalgaduras na política, vos digo, dois pontos parágrafo travessão:
– Acredito que há homens e mulheres sérios, com coluna vertebral, a disputarem eleições nos partidos políticos, estes que são a melhor referência numa democracia. Só há uma mulher que não está nunca segura – a dona liberdade. Há homens que usam discursos ora inflamados, ora angélicos, ora a fingirem pragmatismo, mas sempre mentirosos, que querem esconder liberdade e direitos – Conquistado a duras penas – numa gaveta ferrugenta. São as tais cavalgaduras das quais é preciso destravancar.
É por defeito daquela direita bafienta, conservadora, que se diz religiosa mas é pouco cristã, presa ao passado e aos privilégios, que se esquecem da existência de um mundo para além do seu umbigo. E um pobre como eu, prefere ser pobre toda a vida a ser escravo, preso, sem liberdade. Parece uma citação da Caneças mas não é. É de um pobre consciente, mesmo.
Mulheres, homens, descendentes africanos, imigrantes, ciganos, Portugueses desassossegados, inconformados, pobres, escolham todos os dias a liberdade, a democracia e a humanidade, para se sentar a conversar convosco na mesma mesa, sobre soluções para os muitos problemas de Portugal.
Não há outras escolhas – a radicalização do amor pelas três.
Acreditar em quem vos traz uma percepção de ser remédio, que é apenas placebo ou pior é um efeito secundário dramático, pior que a doença, é só muito triste. Ou assim.
Anabela Ferreira
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