O Governo do PS de António Costa, sustentado e mantido de pé pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda, já fez passar na Comissão Permanente da Concertação Social ontem, quarta-feira 30 de Maio, e prepara-se agora para fazer debater e aprovar no Parlamento, a 6 de Julho, uma reforma laboral que tem um único mérito – o de pôr inteiramente a claro a sua real natureza: aparentar uma face de esquerda e assim proclamar “combater a precarização” e “promover a negociação colectiva”, mas, sob essa e outras capas, não só manter as medidas anti-trabalhadores já existentes, como até, mostrando o seu amor pelos patrões, aprovar umas quantas outras por estes pretendidas, mas igualmente sublinhando que “uma boa parte das medidas aprovadas resultou de um trabalho em conjunto entre o Bloco de Esquerda, o Governo e o PS”.
A fundamentação ideológica para mais essa actuação já está em marcha, com o FMI a falar pela undécima vez na pretensa “rigidez” da legislação laboral portuguesa e a alertar para o pretenso risco de que “introduzir nova rigidez ou reintroduzir a antiga pode prejudicar a competitividade e a produtividade”. E, claro, com os “especialistas” do costume e toda a Comunicação Social a reproduzirem acriticamente estas pretensas “verdades” que não passam, afinal, de absolutas falsidades.
Com efeito, desde logo, não existe um só estudo académico ou científico que demonstre qualquer relação causa/efeito entre o nível de protecção laboral e o nível de produtividade, antes se registando todas as combinações possíveis, desde países com baixíssimos níveis de regulação do trabalho e baixíssimos níveis de produtividade (como é o caso de diversos países da América do Sul) até Estados com níveis muito elevados de regulação (seja por via da lei, seja por via da contratação colectiva) das relações de trabalho e também da produtividade, devido nomeadamente ao elevado grau de incorporação tecnológica dos respectivos processos produtivos, como é o caso de diversas economias do Norte da Europa.
Razão por que o tão propalado discurso do elogio do modelo da precariedade e dos baixos salários como pretenso instrumento de aumento da produtividade e da competitividade não passa de uma falácia. Mesmo relativamente a economias como a do nosso país, com uma forte predominância de modelos de trabalho e intensivo, mas em que os salários não representam mais do que cerca de 12% a 14% ou, em certos casos, mesmo 20% dos custos totais da empresa. O que significa, por exemplo, que um aumento de 4% nesses mesmos miseráveis salários maioritariamente pagos em Portugal não representará mais do que um acréscimo de 0,5% ou 0,8% desses custos, tudo isto enquanto temos em Portugal o gás natural mais caro e a segunda electricidade mais cara de toda a Europa.
Por outro lado, a pretensa “rigidez” da legislação laboral portuguesa não passa de outra mistificação ideológica, a qual também, nem por ser mil vezes repetida, se conseguirá tornar verdadeira.
Para além da flexibilidade “de facto” (ou real inefectividade das leis laborais) resultante quer da baixa cobertura das relações de trabalho pela contratação colectiva, quer da grave ineficiência seja da ACT – Autoridade para as condições do Trabalho, seja dos Tribunais do Trabalho (aliada aos elevados custos destes e à crescente restrição do respectivo acesso), a verdade é que, segundo os indicadores da própria e mais que insuspeita e neo-liberal OCDE, em particular após as reformas laborais da Tróica e designadamente as relativas aos despedimentos por causas ditas “objectivas” (como os despedimentos colectivos), o índice de protecção legal dos trabalhadores portugueses face a tais despedimentos (1,88) passou a ser cerca de metade do da França e de Espanha (3,5) e menos de metade do da Alemanha (3,8).
A tudo isto acresce ainda que os trabalhadores portugueses, além de serem dos que menos horários normais (sem “bancos de horas”, “adaptabilidades”, turnos ou isenções) têm – apenas 23,7%! –, dos que mais horas trabalham por ano (1865) e dos que mais baixos salários recebem, vêem as suas compensações ou indemnizações de antiguidade, desde 2013, calculadas à razão de apenas 12 dias do seu vencimento-base e diuturnidades por cada ano e, ainda por cima, se quiserem impugnar judicialmente o despedimento de que tenham sido alvo, têm de devolver imediatamente ao patrão tais indemnizações, por força do estabelecido nos nºs 4 e 5 do arto 366º do Código do Trabalho.
Para além de que a mais de 1/5 não se aplicam quaisquer leis, precisamente por trabalharem no chamado sector da economia “informal” ou “não declarada”, e outro 1/5 ganha apenas o salário mínimo nacional, acontece que, ainda agora, praticamente a totalidade dos trabalhadores à procura do 1º emprego e dos desempregados de longa duração, não obstante irem ocupar postos de trabalho e preencher necessidades mais que permanentes das empresas, são legalmente – pasme-se, mas é precisamente isso que, em nome das chamadas “políticas activas da criação de emprego”, o artº 140º, nº 4, al. b) do Código do Trabalho permite! – contratados a prazo!
E, enfim, para além das falsas justificações para contratos a prazo e dos falsos recibos verdes, prolifera – designadamente em certos sectores que só a míope ACT não consegue ver, desde logo os da Banca e das Telecomunicações – a utilização tão intensiva quanto fraudulenta do trabalho temporário, igualmente para preencher postos e necessidades de trabalho estáveis e duradouros, com 230 ETT’s – Empresas de Trabalho Temporário a facturarem, neste verdadeiro “negócio da china” da exploração de trabalhadores precários, 1,18 mil milhões de euros só num ano!
Falar assim numa pretensa rigidez da legislação portuguesa ou, mais ainda, da efectiva regulação das relações de trabalho, constitui uma outra completa e refinada falsidade.
Note-se, porém, que a situação ainda vai piorar, visto que é precisamente sobre as medidas (da Tróica) de facilitação e embaratecimento dos despedimentos por causas ditas objectivas e sobre a caducidade das convenções colectivas de trabalho (permitindo que elas, uma vez denunciadas pelos patrões e não sendo substituídas por outras, possam deixar de vigorar, ficando assim os trabalhadores apenas ao abrigo do Código do Trabalho e dos respectivos contratos individuais!?), ou seja, sobre as medidas mais drásticas de enfraquecimento e mesmo de destruição dos direitos dos mesmos trabalhadores, que o Ministro do Trabalho Vieira da Silva já deu a expressa garantia de que o Governo não irá permitir qualquer revogação ou alteração.
Bem como fez também a promessa de que os chamados “bancos de horas grupais” (aprovados somente por uma certa percentagem – 65% – dos trabalhadores, mas aplicáveis a todos os restantes) irão continuar, permitindo assim jornadas de 50 horas semanais e até de 150 horas extra por ano, mas pagas em singelo. E garantiu ainda que rigorosamente nada fará para que se mantenha o actual acordo (estabelecido na Concertação Social e que está agora a chegar ao fim do respectivo prazo) no sentido de provisoriamente não serem promovidas aquelas caducidades das convenções colectivas, facilmente se antevendo a catadupa que aí se aproxima, com a mal dissimulada intenção de assim se alcançar o pela ideologia neo-liberal tão desejado objectivo da máxima individualização e máxima desprotecção das relações laborais.
Uma vez aqui chegados, é óbvio que os patrões já conseguiram, com o Governo do Sr. Costa e com o apoio dado a este por parte do PCP e do BE, o essencial daquilo que queriam.
Até declaram – claro, pois que tal lhes permite manter a elevadíssima rotatividade e a consequente precariedade dos trabalhadores contratados a prazo! – aceitar que o período máximo dos contratos possa ser reduzido de 3 para 2 anos, mas significativamente opõem-se a que as renovações não possam exceder a duração inicial do contrato. Como manifestaram a sua discordância quanto a haver uma taxa de contribuição para a Segurança Social mais elevada para aquelas empresas que pratiquem essa mesma elevada rotatividade, sejam elas empresas do sector ou as famigeradas ETTs.
O ministro Vieira da Silva teve mesmo o descaramento de definir este novo acordo da Concertação Social como “um bom acordo para o país” e de apresentar como exemplos disso o estabelecimento da possibilidade de 6 (exactamente, seis!?) renovações para os contratos de trabalho temporário ou a manutenção, nos contratos individuais, dos direitos de parentalidade que estavam inscritos em contratos colectivos entretanto caducados, quando afinal tais direitos sempre decorreriam da lei, a qual, nesta matéria, é de natureza imperativa absoluta, não podendo por isso tais direitos serem negados ou reduzidos.
Isto, enquanto, por exemplo e significativamente, o fim dos bancos de horas individuais foi atirado para as calendas, pois afinal eles poderão ainda vigorar durante pelo menos um ano após a entrada em vigor da nova lei…
E o que então propõe o Governo do Sr. Costa como contrapartida para os patrões aceitarem que se acabe com o já citado escândalo da possibilidade legal de contratação a prazo dos jovens à procura do 1º emprego e dos desempregados de longa duração?
Um outro escândalo, que é o de aumentar o período experimental desses mesmos trabalhadores para 180 dias, ou seja, para 6 longos meses (período esse já existente hoje, mas, compreensivelmente, apenas para cargos de complexidade técnica, de elevado grau de responsabilidade ou de especial qualificação ou para funções de particular confiança).
Ou seja, o pouco que o governo de Costa finge retirar aos patrões com uma mão logo trata de lhes dar de bandeja com a outra! E, na verdade, até dá mais, porquanto, fazendo cessar o contrato no dito muito alargado período experimental, a entidade patronal não tem sequer que pagar ao trabalhador a compensação de antiguidade a que está obrigada quando faz cessar, por caducidade, um contrato a termo.
Ora, as Centrais Patronais (CIP, CAP, CCT e CTP) já tinham declarado estar disponíveis para o acordo “dentro de um quadro de razoabilidade” e, no fundo, essa já era também a mesma posição da UGT pelo que o acordo era mais do que previsível. Por outro lado, a CGTP declarou não o subscrever por não concordar com medidas como as da manutenção da caducidade dos contratos colectivos, do banco das 150 horas anuais e do projectado aumento do período experimental, mas nada mais fez, nem nada mais fará, que umas quantas “acções de protesto”, uns desfiles e uns discursos, mandando depois os trabalhadores para casa até às próximas eleições.
Assim, está bem de ver que se os trabalhadores não rompem com estes autênticos “coletes de forças” que são hoje tais organizações sindicais, não criam novas organizações e não se batem resoluta e consequentemente contra estas medidas (sempre feitas passar sob as falinhas mansas dos políticos ditos “de esquerda”…) não apenas elas lhes cairão por completo em cima como se abrirá o caminho para – e decerto que de novo em nome do combate à rigidez e da promoção da produtividade – outras, e ainda mais agravadas, virão depois.
É que convém relembrar que, por exemplo, a possibilitação dos despedimentos sem justa causa e a diminuição das já magras indemnizações em caso de despedimentos ilegais são outros velhos, mas nunca abandonados, sonhos dos patrões portugueses…
António Garcia Pereira
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