Anúncio de trabalho como prostituta (por Anabela Ferreira)

ProstitutaTentaram nos enterrar mas não sabiam que éramos sementes.

Alugo um período do tempo da minha vida diária.

Se não peço valores reais pelo serviço, não é por não saber o valor real do meu trabalho, mas porque esse valor é suficiente para o que preciso.

De pouco preciso.

Preciso do suficiente para a cabeça estar fora da água a respirar

e sorrir a boiar, sabendo que tenho pé e não me vou afundar.

Mas não me vendo. Por preço nenhum.

Aconteceu-me mais uma vez neste novo mundo de trabalho esclavagista de ordenado mínimo, mas sem o mínimo de garantia de respeito pela vida de quem trabalha. De subordinação a autoridades externas que julgam ter legitimidade, para mandar na vida de quem lhes aluga o seu tempo diário de vida, mas se recusa a deixá-los ultrapassar limites.

As mulheres sempre foram seres subordinados e subjugados a quem se julgava autoridade sobre elas. Antes de terem direito a voto, em Portugal no Estado Novo por exemplo ou para com os maridos também.

Voltámos ao Estado Novo só que agora votamos mas de nada serve.

É assim que acontece na violência doméstica. Os escravos recebiam o mesmo tratamento. Seres subordinados e subjugados por gente que se julga autoridade sobre as suas vidas.

E é hoje no mundo do trabalho. Qualquer trabalho em qualquer área, idade, género ou credo.

Subordinados a quem de forma totalitária e unilateralmente se julga dono das nossas vidas.

O governante, o patrão, a empresa de recursos humanos, o chefe/chulo hediondo e fútil que julga ter o pequeno poder de controlar /oprimir/ dominar as pessoas que para si trabalham.

Esse é o objectivo. Ter pessoas vazias de consciência, de emoções, de voz.

E se alguma reclama ainda que seja em voz baixa, pressionam, demitem e não pagam.

Acho que foi Deus (ainda não está provado sem margem para dúvida) que ao criar o mundo, sentado no paraíso a imaginar a sua Eva e o seu Adão, fez um círculo à sua volta para perceber os limites da criação (li isto por aí).

A caixa craniana limitaria o centro nevrálgico onde os neurónios fazem o seu trabalho, a pele limitaria o palco onde a máquina faz funcionar todo o sistema, como a casa do casal se limitaria pelas paredes e por aí fora. O ambiente seria limitado pela atmosfera na esfera que limita a terra.

Como na vida social e do trabalho os limites são parte de todos os sistemas, ou não teria havido revoluções para a evolução do grilhão até ao ordenado mínimo, e, chegar aos dias de hoje onde já se discute, reivindica e aplica-se (no Utrecht-Holanda por exemplo) o rendimento básico garantido como forma de assegurar as condições dignas de vida para qualquer pessoa para que esta possa fazer o que entender com a sua vida no que diz respeito ao trabalho.

O trabalho deverá ser uma escolha, uma paixão, um acto de dar de o melhor de si e não de opressão/domínio ou de sobrevivência. E deverá ter limites claros. Foi isso que nos chegou com os contratos colectivos de trabalho e a legislação laboral moderna alcançada pelas lutas de homens e mulheres que como nós não se deixaram subjugar e escravizar.

Claro que não somos livres hoje e o mundo do trabalho é de novo um mundo de controlo,domínio, opressão e abusos. De subordinação de pessoas, onde pessoas se julgam sem limites ao lidar com outras pessoas.

Só não o é hoje pela força do chicote antes sim pela força do dinheiro.

É o reino divinal do “venha a nós”. Dos patrões que nem falham a missa aos domingos e amam padres. Veja-se o Santo Espírito do Espírito Santo entre a maioria das famílias portuguesas capitalistas que se julgam “donas dos trabalhadores”.

Eu mando, eu posso, e tu se não quiseres obedecer outros mil hão-de aceitar (porque ó Evaristo, desempregados há muitos…). Esta gente arroga-se (como quem toma por garantido) que os trabalhadores são ilimitadamente prostitutas escravas, robotizadas e sem actividade neuronal.

Controladas e emocionalmente vazias. Fúteis, superficiais, passivas, obedientes, consumidores distraídos por valores fúteis e inúteis. Nós as prostitutas deles.

Por azar dos chulos nem todas as putas se vendem. Algumas há que fazem um círculo à sua volta. São elas que escolhem como querem ser comidas.

No meu caso ficam a saber que sexo só com orgasmo e uso do preservativo.

São os limites impostos no meu trabalho para quem pensa em abusar. No dia que pisam a linha limitadora, eu prostituta, rebento o trabalho (blow the job).

E se me apetecer, eu prostituta sem vergonha e digna, chamarei os nomes dos bois abusadores, esses sim com razões para se envergonharem.

Nunca contem comigo para pactuar com o jogo da obediência e do silêncio.

Antes morrer de fome que morrer curvando-me subjugada para receber uma malga de sopa.

Ando muito contente por saber que por cada caso de opressão e abuso, uma ou duas sementes aparecem a denunciar situações, a não calar. Como em todas as situações que nos oprimem e subjugam.

Estes são tempos de solidariedade e de juntar esforços contra a nova escravatura orquestrada para nos silenciar.

Não posso aceitar a subjugação nem a opressão de outrem.

Chegámos aqui ao estado de domínio cuidadosamente programado, mas lentamente vejo mudanças irreversíveis na consciência colectiva.

Já somos muitos a lutar pela não aceitação destas regras.

A minha curta vida não é uma amarra, é uma escolha em nome da liberdade.

A vida é para ser usada como primavera das sementes.

Já despontamos. É minha fé que despontaremos sem limites.

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