Vamos falar a sério!? Não, que eu não sou dessas. Sou mais de contar histórias.
Por ter acordado louca e esse facto me ter aliviado até as dores na lombar, já sabem ao que venho. Começo a ter um vislumbre da razão de se escreverem indicações de uso em shampôos ou porque se ensina a lavar as mãos com sabão tendo canções dos Beatles como memorificador.
Há gente que não entende certas cenas. Uma delas é de onde vem. E quem é. Eu aprendi aos seis anos.
Hoje li um estudo de uma organização de beneficência inglesa. Achei interessante ser uma organização dos bretões (que as têm como eu tenho cotão debaixo da cama) a falar de racismo e de como os bifes têm pouco conhecimento da sua história escravocrata.
Levou-me a um momento lá atrás com a minha mãe e sinhá quando me viu chegar da escola toda arranhada, nódoas azuis escuras nos braços e na cara e a bata sem botões
– “Bélita o que te aconteceu?”, “Não te preocupes, acontece-me sempre, chamam-me preta da Guiné e outras coisas piores e eu bato-lhes… também levo mas bato-lhes logo, têm de aprender que isso não se diz! Digo eu do alto da minha cátedra de seis anos entre lágrimas e dores nas cruzes
“Mas Bélita qual é a ofensa? Deverias estar orgulhosa da tua cor e da tua origem! Essa é quem tu és!”
E zás, com estas palavras a minha mãe inaugurou um novo capítulo na minha vida depois dos seis. A partir daí comecei a imaginar como seria bater nos ignorantes maldosos de outra maneira. Mostrando-lhes o meu orgulho, ensinando, quem sabe escrevendo fazendo arte.
Dava-me até mais jeito uma vez que detesto andar à porrada e com a idade ficaria k.o. mais vezes.
Era fundamental organizar-me para o combate que previ iria acontecer. E aconteceu. Corajosamente decidi abandonar o ringue mas não deixar o cinto e as luvas no chão. No meu adn tinha uma inscrição indelével que não era certamente de pendor mariquinhas. Era preta e branca.
Esperem, mas isso somos todos, então qual a dificuldade em entender esta brincadeira?
Como alguns terão constatado pânico duas vezes ao dia. A primeira às onze e onze, a segunda às dezasseis e dezasseis. Se não constataram quer dizer que o algoritmo me despreza e como resposta eu insisto no tema.
Sinto a pulsão de andar à porrada duas vezes por dia, logo preciso compensar ensinando uma merda qualquer sobre o assunto indo buscar as palavras da minha mãe.
Quem sabe, explicar de onde vêm os racistas?
Vem esta arenga a propósito do uso sem contra-indicações nesta rede. Aqui salto penhascos atirando-me a catarses. Aqui me emaranho em palavras que ofereço e levo para dentro de mim. Sem medo.
A menos que tivesse medo de existir vivendo a duas cores e a várias origens. Tal como disse um dia o Guedes, “o medo não me assiste”!
Hoje cinquenta anos passados daquela conversa – palavras que já precisei de partilhar com a minha neta para ela saber de onde vem – quando ofereço as minhas palavras escritas, baseadas em factos irreais e absurdos do comportamento humano, recebo comentários – chamar-lhe-ei “cândidos” e “amistosos” – aos meus artigos de opinião publicados no site Notícias Online e à minha pessoa preta e branca que nunca em gerações foi de uma terra só, e sem terra à qual regressar.
Será que esta gente que é racista por pura ignorância – negando o facto – está a falar a sério?
Não, eles são os mesmos que precisam de instruções para usar shampôo!
Como há muito dei parte de louca zen tendo-me até tornado mais leve, segundo soube sou poupada à leitura dos muitos comentários como prevenção de abertura de novo ciclo de porrada.
Não, não voltarei a lutar.
Os comentários já não são ofensivos uma vez que sei quem sou e tenho orgulho. Lamento que quem os escreve, pensa e apoia quem é, não saiba quem é nem de onde vem e que essa coisa da supremacia de uma cor ou etnia é pensada por quem pensa e escreve as instruções no frasco de shampôo.
PS- Obrigada aos meus amigos que fazem o seu trabalho de casa diariamente e aprendem sobre quem são, sobre o que fizeram em seu nome, sobre como pedir perdão e nunca mais repetir os erros passados.
Algures um dia estará à nossa espera uma ponte que fará a ligação.
Cá por mim, a luta continua.
Anabela Ferreira
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