Nesta manta de retalhos em construção que sou, porque sou os outros, porque sou quem sou quando me aprendo nos outros, quando os outros me dão novas perspectivas sobre tudo o que existe e tudo o que é, eu sou, nós somos, um só, em construção. Queria eu, longe da barbárie.
Somos todos espaços vazios, derivados da palavra latina vaccare que origina a palavra férias. Ausente de algo, ou nos dias actuais, livres de alguma coisa a que vulgarmente chamamos trabalho.
Trabalho esse que deriva da palavra tripalium do latim, uma técnica com três paus no chão, usada para fazer sofrer condenados (empalar era um dos usos e costumes).
Uma das invenções da raça humana antes de sermos melhores que os selvagens. Por razões de tradução a palavra labor, seu sinónimo, foi preferida a tripalium e, de uma técnica de sofrimento, chegamos ao período de trabalho escravo actual, com outro grau de sofrimento, agora com direito a férias.
Somos seres vaccantes, na minha opinião que nada vale, vazios por ainda andarmos no tempo selvagem, porém erectus, a deixar que uns quantos iguais a nós nos condenem ao tripalium/empalamento moderno.
Por essa razão não trabalho, nem gosto. Nem vou de férias.
Apenas me ausento. Deixo-me como um vaso vazio. Vaccante para poder ser preenchido com ideias. Com novas perspectivas. E aprender. Faço da vida as férias que o espírito precisa. Se acreditarmos na ideia de espírito, alma e corpo. Como estou de férias para ideias, aproveito o tempo onde o relógio do trabalho não se imiscui onde penso, leio, discuto e as entendo.
Muito aprendo neste trabalho de estar de férias com amigos que no mesmo modo que eu sabem que a vida não serve para que o tripalium nos condene. Apesar de não conseguir ficar vacante de emoções e sentimentos por causa dos empalamentos a que estamos sujeitos. Nem por razões de sobrevivência da espécie.
Num país com governantes democratas à força e que nos enviam para a forca, estamos todos vaccantes.
Vazios de força anímica para fazer vagar o poder das maleitas que o sangram.
Só temos costumes brandos para os deixar ditar regras.
Costumes brandos “my ass”!!
Como diria o Laurodérmio! Mantemos os piores do reino.
O brando costume da violência doméstica onde a morte espreita e visita com mais frequência do que alguma vez pensei ver.
O costume brando de mantermos a corrupção, o compadrio, o conflito de interesses, o obscurantismo, o poder nas mãos de fajutos.
Ou de gente feita numa fábrica de contrafacção.
Gostamos de empalamentos é esta a minha tristeza. Até preferimos o tripalium a qualquer custo por contraposição ao sermos seres vaccantes.
No entanto a vida só nos serve enquanto aprendizes da ausência. Para nos formarmos.
Andamos no trilho errado como civilização. Bastam-me uns dias afastada de notícias a sonhar com a correcção da rota e eis que continua tudo na maior transgressão. Como colectivo. A trair-nos a nós próprios.
A trair os direitos humanos que são humanos porque abrangem a diversidade contida na e inerente à espécie.
Os lobos maus a fingirem-se cordeiros e a comerem os capuchinhos vermelhos.
Porque não me banho nas águas frias a Norte do Equador, fico-me pelo sol das montanhas, vacante e a aprender. Enquanto me gela o sangue com a violência que leio. Em banhos de gelo.
Vou continuar a defender o bom nome e a honra dos princípios e valores que são os únicos que nos devem guiar, ao contrário de gente que pensa em defender o que não tem, teve ou terá e que são esses mesmos valores. Os do Humanismo.
Ninguém nasceu para se submeter ao poder de uns, que se julgam escolhidos para tiranizar e submeter outros iguais.
Contra a minha vontade pacífica, como estamos de regresso à barbárie, já que ainda tenho que vir gritar sobre estes recuos da humanidade, se alguém tiver de ser empalado, posso dar os nomes e moradas e desde já digo que estou vaccante para lhes colocar o tripalium.
Desejo boas férias e desejo que a vontade de voltar ao trabalho seja apenas uma: a de desobedecer a todas as ordens de empalamento até que voltemos ao eixo onde o Homem conheça o Renascimento.
Anabela Ferreira
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