Carta aberta de Jô Soares

“Caro presidente Jair Bolsonaro. Entendo a reação provocada quando o senhor afirmou que o nazismo era de esquerda. Isso se deve ao fato de que, depois da Primeira Guerra Mundial, vários pequenos grupos se formaram, à direita e à esquerda. 

Um desses grupos foi o NSDAP: em alemão, sigla do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. Entre seus fundadores originais havia dois irmãos: Otto e Gregor Strasser. Otto era um socialista convicto, queria orientar o movimento do partido à esquerda. Foi expulso e a cabeça posta a prêmio. 

Seu irmão Gregor preferiu unir-se ao grupo do Camelô do Apocalipse. Quanto a Otto, que não concordava com essa vertente, nem com as teorias racistas, teve sua cabeça posta a prêmio por Joseph Goebbels pela quantia de US$ 500 mil. Foi obrigado a fugir para o exílio, só conseguindo voltar à Alemanha anos depois do final da guerra. Hitler apressou-se em tirar o ‘social’ da sigla do partido. Mais tarde, Gregor foi eliminado junto com Ernst Röhm, chefe das S.A., na famigerada ‘Noite das Facas Longas’. 

Devo lhe confessar que também já fui alvo de chacota, mas por um motivo totalmente diferente: só peço que não deboche muito de mim. 

Imagine o senhor que confundi o dinamarquês Søren Aabye Kierkegaard, filósofo, teólogo, poeta, crítico social e autor religioso, e amplamente considerado o primeiro filósofo existencialista, com o filósofo Ludwig Wittgenstein, que, como o senhor está farto de saber, foi um filósofo austríaco, naturalizado britânico e um dos principais autores da virada linguística na filosofia do século 20. 

Finalmente, um conselho: não se deixe influenciar por certas palavras. Seguem alguns exemplos: 

1. Quando chegar a um prédio e o levarem para o elevador social, entre sem receio. Isso não fará do senhor um trotskista fanático; 

2. A expressão ‘no pasarán!’, utilizada por Dolores Ibárruri Gómez, conhecida como ‘La Pasionaria’, não era uma convocação feminista para que as mulheres deixassem de passar as roupas dos seus maridos; 

3. ‘Social climber’ não se refere a uma alpinista de esquerda; 

4. Rosa Luxemburgo não era assim chamada porque só vendia rosas vermelhas; 

5. Picasso: não usou o partido para divulgar seus gigantescos atributos físicos; 

6. Quanto à palavra ‘social’, ela consta até no seu partido.

Finalmente, adoraria convidá-lo para assistir ao meu espetáculo. 

Foi quando surgiu um dilema impossível de resolver. Claro que eu o colocaria na plateia à direita. Assim, o senhor, à direita, me veria no palco à direita. Só que, do meu lugar no palco, eu seria obrigado a vê-lo sempre à esquerda. 

Espero que minha despretensiosa missiva lhe sirva de alguma utilidade. 

Convicto de ter feito o melhor possível, subscrevo-me.” 

Jô Soares,
Influenciador analógico

(publicada na Folha de S. Paulo)

Um comentário a “Carta aberta de Jô Soares”

  1. António Rosinha diz:

    Jô Soares escreve uma elegante crítica a Jaír Bolsonaro, porém, caíndo no erro clássico dos que falam a língua portuguesa, julgo que sem conhecer a história e sem pensar no que estão a dizer. O Partido dos Trabalhadores Alemães até 1919 transformou-se no Partido Socialista Nacional dos Trabalhadores Alemães em 1920. De facto um partido de esquerda, como ainda se classifica a política à moda antiga em Portugal. Não “Nacional Socialista” numa tradução à letra mas sim, “Socialista Nacional” como se diz em português. Tal como quando vamos ao quarto de banho não usamos “higiénico papel” mas sim, “papel higiénico”. Ou como diria Obelix de René Goscinny: “mágica poção…; porque fala ao contrário?”. O partido socialista alemão, que veio a ser conhecido por nazi, lançou a II Guera Mundial, que causou 50 a 80 milhões de mortes civis, e provocou o genocídio de 6,5 milhões de judeus. O partido socialista da União Soviética provocou o maior genocídio da Humanidade e o da China foi autor do 2º maior. Cada um deles causou 10 vezes mais extermínios que o holocausto de Hitler e todos, os 3, à sombra do socialismo. Se são de esquerda ou não, é indiferente. O que interessa, por agora, é quem ainda defende semelhantes regimes.
    Em Portugal, os partidos com assento parlamentar que apoiam o governo socialista em Abr 2019 idolatram os genocidas soviético e chinês. O PCP disse aos media em Out 2017 serem stalinistas, sem pudor e sem vergonha. Os media não fizeram eco desta barbaridade. Na minha opinião, os jornalistas portugueses estão ideológica e financeiramente dependentes do PS e afins. Esse tal socialismo estranho que explora os governados e que nos trata pior do que a animais selvagens.
    Um bom artigo de Jô Soares.

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