Carta de uma filha lésbica ao pai milionário e inconformado

822908Cecil Chao, um multimilionário de Hong Kong, oferece 90 milhões de euros ao homem que conseguir conquistar o coração da sua filha.

O que faria se fosse uma mulher lésbica e felizmente casada e o seu pai oferecesse dinheiro a um homem para a convencer a casar-se com ele? Gigi Chao escreveu uma carta: “Irei sempre perdoar-te por pensares como pensas porque te conheço e sei que estás a fazer isto a pensar no meu bem. Mas no que diz respeito a relações afectivas, as tuas expectativas não são coerentes com a minha realidade”.

A carta aberta ao pai foi publicada na terça-feira nos dois principais jornais de Hong Kong, a região da China onde moram Gigi e o pai, Cecil Chao, o empresário do imobiliário e da construção de navios multimilionário inconformado com a opção sexual da filha. Em Abril de 2012, quando Gigi se casou em França — os casamentos gay não estão legalizados em Hong Kong e só desde 1991 a homossexualidade foi descriminalizada —, com a namorada, Sean Eav, o pai deu um passo arriscado. Ofereceu dinheiro ao homem que conseguisse casar-se com a filha.

Na semana passada, Cecil Chao ofereceu 90 milhões de euros, duplicando o valor inicial do que diz ser “um dote”. “Não me interessa se [o homem] é rico ou pobre. A minha única preocupação é que tenha bom coração”, disse o pai ao South China Morning Post. Antes, já tinha sugerido que Gigi gostava de mulheres porque não lhe tinha aparecido um homem aceitável. “Do que ela precisa é de um bom marido.”

Cecil, de 77 anos, explicou que não quer obrigar a filha a casar-se com um homem escolhido por ele. Os jornais de Hong Kong dizem que chegou a fazer entrevistas a homens candidatos (apareceram 22 mil interessados), e que duplicou o “dote” porque o tempo está a passar sem progressos.

Se nas primeiras declarações Cecil parecia não aceitar a sexualidade da filha, as que fez agora, nas vésperas de aumentar a “recompensa”, têm uma leitura dúbia. “Não quero interferir na vida privada da minha filha. Mas desejo que tenha um bom casamento e que tenha filhos e que herde os meus negócios”, disse o pai.

Gigi, numa entrevista recente, também levantara a possibilidade de poder existir um homem na vida dela, caso ela se desse bem com ele e este doasse “muito” dinheiro à organização de caridade dela. “E desde que ele não se importasse que eu já fosse casada”, disse, revelando ainda que recebeu muitas chamadas telefónicas de homens que resumiam a conversa a uma frase: “Quero tornar-me milionário”.

Os 90 milhões de euros fizeram Gigi reaparecer nas capas dos jornais chineses, europeus, americanos, pelas razões erradas. E a empresária decidiu que já bastava. Não quer ver o seu casamento tratado como um fait divers e em textos que nem sempre têm o melhor dos tons. A mulher, empresária de 33 anos (e socialite, é figura habitual das festas de Hong Kong e não só), decidiu responder ao pai.

Já tinha feito declarações, antes da carta. Esta, por exemplo: “Eu sei que ele me ama, mas é de outro tempo e é-lhe difícil perceber a questão LGBT [lésbicas, gays, bissexuais e transgénero]. Quando estamos a trabalhar, trabalhamos, quando estamos em casa, abraçamo-nos e dançamos… concordamos em discordar na questão do que é um casamento e uma família”, disse Gigi.

O statu quo que pensara ter atingido, porém, não existia e os 90 milhões de euros vieram provar que Cecil Chao não o aceita e não desiste.

Gigi Chao ignorou as opiniões nos media — houve quem acusasse o pai de estar a vender a filha. Ultrapassou a palavra “dote”, de que não gostou: “Estou preocupada com a utilização da palavra num país asiático, quando é sabido que os ‘dotes de morte’ constituem um problema de direitos humanos na Índia”. (Anualmente morrem na Índia centenas de mulheres recém-casadas, assassinadas pelos maridos ou família destes — outras cometem suicídio devido aos maus tratos — que pretendem ficar com os dotes mas não com a mulher.) E, na carta, volta a deixar claro que gosta do pai.

Nem sequer lhe pede para aceitar a sua mulher. “Não espero que sejam bons amigos.” Apenas deseja que o pai trate Sean Eav “como um ser humano normal e que merece ser tratado com dignidade” — “Isso significaria tudo para mim.” “Amo a minha parceira, Sean, que me trata bem, cuida de mim, certifica-se de que me alimento, de que tomo banho todos os dias e de que estou confortável, e que em geral faz de mim uma rapariga feliz. Ela é parte da minha vida e eu sou uma pessoa melhor por causa dela.”

Também pede desculpa ao pai por, de alguma forma, o ter levado a pensar que se casara com uma mulher por não existirem “homens bons e dignos em Hong Kong”. Não é disso que se trata, tenta dizer-lhe. “Irei sempre perdoar-te por pensares como pensas”, escreve Gigi Chao, que por conhecer o pai deixa também a ideia de que um dia, mais longínquo do que próximo, talvez Cecil entenda a homossexualidade e esta filha (tem três, de mulheres diferentes com quem viveu ou namorou mas com quem nunca se casou). Diz que “há muitos bons homens”, só “não são” para ela, e despede-se: “Pacientemente tua”, Gigi.

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