Os fabulosos ganhos dos bancos e dos seus administradores
Foi recentemente noticiado que os cinco maiores bancos a operar em Portugal, em 2023, tiveram um total de 4,4 mil milhões de euros de lucros (mais 72,5% do que os lucros de 2022): Caixa Geral de Depósitos (1.291 milhões), Santander (1.030 milhões), BCP (856 milhões), Novo Banco (746 milhões) e BPI (524 milhões).
Ficou também a saber-se que grande parte deste gigantesco montante de lucros (que representa um ganho líquido diário de 12 milhões de euros) resultou não só das exploradoras taxas e comissões cobradas, mas também (e sobretudo) da margem financeira, isto é, da diferença entre os juros cobrados pelos bancos nos seus créditos, designadamente nos empréstimos (em particular os da habitação) e os juros pagos aos clientes pelos depósitos. Esta margem cresceu, respectivamente, 150% na CGD, 90% no Santander, 84% no BPI, 83% no Novo Banco e 54,2% no BCP. Grande parte destes astronómicos lucros (isto é, entre 30% e 90%) vão ser agora distribuídos, claro, pelos respectivos accionistas, enquanto a esmagadora maioria da população se debate com marcadas e crescentes dificuldades económicas.
Ao mesmo tempo, como recompensa por estes bons serviços prestados aos capitalistas, e à custa dos congelamentos salariais dos funcionários e da hiperexploração dos pequenos e médios clientes, as referidas instituições bancárias pagam aos seus administradores chorudas e até revoltantes remunerações. Por exemplo, por referência ao mesmo ano de 2023, com despedimentos colectivos a correr nalguns deles, e entre remunerações fixas, variáveis, prémios, bónus e outros benefícios, João Oliveira e Costa, Presidente do Conselho de Administrador do BPI, recebe 1,15 milhões (mais de 82.000€ por mês) e Mark Bourke, Presidente do Novo Banco, recebe 1 milhão (cerca de 71.000€ mensais).
São estes e outros banqueiros que, com frequência, aparecem a criticar as lutas dos trabalhadores por aumentos salariais, a lamentar-se de que os Bancos pagam muitos impostos e a vangloriar-se de que os mesmos 5 maiores bancos pagaram 1,47 mil milhões de euros de IRC, o que corresponde a 17% do total de receitas estatais cobradas a título desse mesmo imposto. Esquecem-se, contudo, de referir que, com ganhos líquidos tão elevados, a taxa média do IRC por eles paga foi de apenas 33%, ou seja, sensivelmente a mesma taxa que os contribuintes individuais pagam de IRS para rendimentos anuais da ordem dos 25.000€. Em suma, e não obstante o tão decantado princípio constitucional da progressividade do imposto[1], um Banco tem a mesma taxa de imposto sobre o rendimento que um cidadão que ganha 176 vezes menos!
No campo do Trabalho, e dentro da mais ortodoxa visão neo-liberal de tornar fáceis e baratos os despedimentos, a chamada e tão decantada reforma “Agenda do Trabalho Digno”[2], não só aumentou as miseráveis indemnizações de antiguidade (em caso de despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho) de 12 dias (lei do tempo da Tróica) para 14 dias de vencimento-base por cada ano de antiguidade da empresa[3], como manteve, cedendo às exigências e ameaças patronais, a nódoa da solução legal que continua a impor que o trabalhador que queira impugnar judicialmente um desses despedimentos tenha de devolver ao patrão a indemnização de antiguidade[4], a que ele tem sempre direito.
E das inúmeras leis anti-sindicais que os governos de António Costa decidiram manter – contra os mais que continuados e justos protestos de trabalhadores e das suas organizações – destaca-se a famigerada e já “pré-histórica” lei da requisição civil[5], à qual os Executivos do PS recorreram em maior número de vezes do que qualquer outro governo do pós-25 de Abril, como sucedeu, nomeadamente, com as greves dos estivadores, dos enfermeiros, dos motoristas de matérias perigosas e dos professores.
Os despedimentos na Efacec
O que se tem vindo a passar na Efacec é outra das elucidativas demonstrações sobre o papel desempenhado pelo Executivo de António Costa a propósito das questões do Trabalho e da Economia, sendo que os factos falam por si. Em 2015, Isabel dos Santos, através da Winterfell Industries, e com um financiamento de 195 milhões de um consórcio de bancos maioritariamente portugueses, adquiriu 71,73% do capital da Efacec, assumindo assim o seu controlo. Em 2019, e após ter estalado o escândalo do Luanda Leaks, foi decretado em Angola o arresto preventivo dessa posição accionista. Em 2020, o Governo Português nacionalizou a posição de Isabel dos Santos, anunciou a intenção de privatizar a Efacec e, com esse objectivo, promoveu o imediato financiamento de 70 milhões de euros por um consórcio constituído pelos já referidos 5 maiores bancos portugueses. Em 2023 (após ter falhado, em 2021, o primeiro processo de privatização e de entrega à empresa DST), o ministro da Economia António Costa e Silva concretizou (praticamente às escondidas) com o fundo alemão Mutares um acordo cujas condições passaram por o Estado, através da Parpública, injectar um montante inicial de 200 milhões para pagar salários acumulados e relativos aos 20 meses anteriores à entrada da Mutares, seguido de mais 200 milhões, alegadamente para “garantir a operacionalidade da Empresa”, ou seja, para pagar dívidas e indemnizações a clientes e fornecedores, e, enfim, receber do fundo alemão a bagatela de 15 milhões de euros pela aquisição de uma empresa assim financeira e operacionalmente “limpa” à custa dos contribuintes portugueses!
E o que fizeram os novos donos assim que se concretizou este autêntico negócio da China? Impuseram despedimentos, inicialmente sob a habitual capa de “rescisões por mútuo acordo” e depois, já sem peias nem disfarces, sob a forma de um despedimento colectivo! Apesar de terem saído da empresa 587 trabalhadores desde a nacionalização, em 2020, e largas dezenas desde a privatização, e de ser indiscutível que, com tais saídas, a empresa ficou sem grande parte das pessoas que detinham o conhecimento (o chamado know-how) precisamente nas áreas de negócio mais críticas e importantes, tais como a mobilidade eléctrica e a automação.
O real objectivo – obviamente não declarado e sempre disfarçado sob as vestes do plano de reestruturação, do ajuste de custos à nova dimensão da empresa, do optimizar e estruturar – foi destruir a empresa ou, pelo menos, reduzi-la drasticamente à dimensão dos 15 milhões que o Mutares investiu. Prova disso mesmo é o facto de este plano não aparecer “à luz do dia” e de aumentarem a cada dia os rumores de que uma secção absolutamente vital, como a dos transformadores a seco para edifícios públicos, está para ser encerrada também.
Pagar somente 15 milhões pela aquisição de uma empresa onde o Estado teve previamente de investir 400 milhões, para depois a destruir ou encerrar enviando para o desemprego centenas de trabalhadores, muitos deles altamente qualificados é “apenas” praticar, com a cumplicidade do Governo de Costa, uma operação criminosa e similar à que foi praticada pelo Governo de Passos Coelho/Portas quanto aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, e que o PS tanto criticou na altura.
Sintomas de uma erosão crescente
Após o Tribunal Constitucional – ainda que tardiamente e num silêncio quase total, imposto pelo autoritarismo e pelo pensamento dominante na altura da pandemia – ter proferido 23 (vinte e três!) decisões declarando a inconstitucionalidade de diplomas, actos e regulamentos produzidos pelo Governo de António Costa, e de este se ter atrevido a arrogantemente proclamar que o seu governo continuaria a actuar da mesma forma “diga a Constituição o que disser” (sic), sabe-se agora que no chamado “Democracy Index” de 2021do The Economist, Portugal deixou de ser qualificado como “democracia plena” para passar a ter a categoria de “democracia com falhas” e que, no “World Justice Report” (do World Justice Project) relativo ao ano de 2023, Portugal, numa ladeira descendente desde 2019, resvalou agora para a 28.ª posição, a mais baixa desde que, em 2015, tal relatório começou a ser elaborado![6]
A esta inquietante demonstração do que tem vindo a ser a inegável e sucessiva erosão democrática do nosso País, somam-se diversas e consecutivas (e humilhantes) condenações do Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violação de direitos fundamentais dos cidadãos: 31 condenações de 31/01/2019 a 16/01/2024, de acordo com informação do próprio Portal do Ministério Público – Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais, sem que, todavia, se conheça uma única reflexão crítica sobre as situações e os factores que conduziram a tais humilhantes condenações e sobre a necessidade e forma de os corrigir.
Por fim, a forma como se mostra grassar o fenómeno da corrupção e a incapacidade da nossa Justiça Penal em investigar adequada e correctamente e em perseguir e sancionar devidamente os respectivos responsáveis, em vez de optar pelo espectáculo mediático, pelos ultra-ineficazes mega processos, pelo “prender para investigar” e pelas sempre cirúrgicas e sempre impunes violações do segredo de Justiça, apenas serve para alimentar e aumentar uma posição de marcada e crescente desconfiança seja em relação à Justiça, seja relativamente à existência de efectiva vontade, por parte dos principais dirigentes políticos, em combater a corrupção.
Assim se destrói a Democracia e se entrega o poder aos anti-democratas
Pelo meio, ficam múltiplos episódios, impunes e nunca verdadeiramente debatidos, mas de todo inaceitáveis em qualquer sociedade democrática: o chamamento e intervenção (logo justificada e silenciada pelo governo) do SIS para, qual órgão de polícia criminal (que não é), assegurar a “recuperação” do computador de Frederico Pinheiro, ex-assessor do Ministério dos Transportes e das Infraestruturas; o suporte pelo Governo de António Costa, a todo o transe e durante meses a fio, de Pedro Nuno Santos, de Fernando Medina e de Christine Ourmières-Widener, ex-CEO da TAP, não obstante os sucessivos actos de verdadeira gestão danosa por ela praticados, para depois aqueles responsáveis políticos promoverem o seu insólito despedimento em directo pela televisões e só então buscarem e divulgarem outros motivos para semelhante decisão de que não se haviam lembrado antes.
Some-se a tudo isto a (continuação da) indigna desprotecção a que continuam sujeitas no nosso país as vítimas de violência doméstica (sobretudo mulheres e crianças) e de abusos sexuais, o marcado desinvestimento[7] e a profunda degradação dos serviços públicos (da saúde[8] à educação), a dramática situação da habitação, o agravamento da pobreza[9] (que abrange já mais de 1/5 da população), e as próprias desigualdades entre homens e mulheres, as quais continuam a ter uma taxa de emprego bastante inferior (51.5%) à dos homens (59,7%) e o dobro dos trabalhos a tempo parcial (9,1%), enquanto os salários e pensões dos homens são, em média, largamente superiores aos das mulheres (em 16,1% e 27,4%, respectivamente).
Ora, o aumento brutal dos preços dos produtos de primeira necessidade, com os da alimentação à cabeça, a falta de habitação condigna e acessível (em particular para os jovens) de par com o campear da especulação imobiliária, os salários baixos e as pensões miseráveis, o agravamento das desigualdades (tão evidenciadas pelos números acima referidos) e a percepção do aumento da impunidade da corrupção, aliados à cegueira, surdez e arrogância dos nossos governantes, não podia, como é evidente, deixar de suscitar um crescente descontentamento popular. E a incapacidade de compreender e definir reais caminhos e alternativas, em defesa de quem trabalha e de quem necessita de apoio social, só poderia facilitar o aproveitamento oportunista desse mesmo descontentamento.
A arrogância nunca foi boa conselheira
Bem alguns de tal iminente situação procuraram avisar, mas logo os “donos da verdade” e do poder, então ainda nas suas mãos, logo trataram, do alto da sua arrogância, de abafar e iludir esses alertas.
É evidente que quem assim actua, e repetidamente, quem esquece os princípios e os substitui pelo tacticismo mais rasteiro, quem entende e pratica a ideia de que quem foi eleito para funções políticas, sobretudo se por maioria absoluta, não tem que prestar contas aos seus concidadãos e que qualquer manifestação de repúdio, de crítica ou de simples divergências deve imediatamente ser silenciada, não tem capacidade nem legitimidade para combater, de forma consequente, oportunismos e populismos, nem se deve admirar de que, um dia, os seus pés de barro finalmente se quebrem e levem desta forma ao Poder precisamente aqueles que eles diziam combater.
Enfrentar as ameaças à Democracia tem de passar desde logo pela reflexão crítica acerca do que se fez, fosse para a procurar defender e cultivar, fosse para a enfraquecer ou destruir, e de onde se errou e porquê. Sem esta reflexão corremos o sério risco de a História se repetir, mas desta vez já não como uma mais ou menos patética e lamentável farsa, mas sim como uma negra tragédia!
António Garcia Pereira
[1] O art.º 104.º, n.º 1 e n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, estabelece, respectivamente, que o imposto sobre o rendimento das pessoas individuais será único e progressivo e a tributação das empresas deverá incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real.
[2] Introduzido no Código do Trabalho pela Lei n.º 13/2023, de 03/04.
[3] Art.º 366.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
[4] Art.º 366.º, n.º 4 e n.º 5 do Código do Trabalho.
[5] Dec.-Lei n.º 637/74, de 20/11.
[6] Estes relatórios tomam como factores de consideração, entre outros, o grau de efectividade dos direitos fundamentais dos cidadãos, o nível de corrupção, as pressões sobre o Governo e instâncias decisórias da Administração Pública e a independência do Poder Judicial.
[7] Segundo um estudo muito recente (19/03/24) do Economista Eugénio Rosa, para o ano de 2023 estavam previstos, em todos os sectores das administrações públicas, investimentos de 9.947,9 milhões de euros, mas não foram executados 2.562 milhões!
[8] Na Saúde, para 2023, estavam previstos investimentos de 822,3 milhões, mas somente foram executados 341,5 milhões (44%!).
[9] Em 2022 o limiar da pobreza estava fixado em 507€ mensais e a pensão média das mulheres era de somente 382€ (enquanto a dos homens era de 670€). E o número de pessoas pobres em Portugal atingiu o ano passado o estarrecedor número de 2.280.000.
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