Como se devem tratar os André Ventura desta terra: a Família Coxi, um exemplo de dignidade!

Súbita e felizmente, o nosso meio social, político e judicial foi agitado com o proferimento, por uma Juíza do Juízo Cível de Lisboa, de uma sentença absolutamente notável, não apenas pelos princípios que invoca e aplica, mas também pelo brilhantismo do exemplo que uma tal decisão representa para o cinzentismo, para o formalismo e até para o oportunismo normalmente dominantes na nossa vida política e na nossa actividade judicial.

E a história que culmina nessa sentença é, afinal, tão simples quanto tocante e até enternecedora.

Em 2019, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa visitou o Bairro da Jamaica (situado no vale dos Chícharos, concelho do Seixal) e, no decorrer dessa visita, tirou uma fotografia com vários moradores, entre eles um grupo de membros da família Coxi, uma família pobre, de raça preta. Essa mesma fotografia foi então publicada em vários jornais, mas, quando se chegou à campanha para as eleições presidenciais de 2021, num debate com Marcelo Rebelo de Sousa, o candidato André Ventura, para assim atacar o seu adversário, mostrou a dita fotografia para dizer, em directo e para cerca de um milhão de telespectadores, que aquela era uma foto tirada com “bandidos” (sic), naquele estilo e postura que se lhe foi tornando cada vez mais frequente e cada vez mais arrogante.

Ora, o que os Coxi, contando com o patrocínio de Leonor Caldeira, uma jovem e firme advogada – que assim honrou toda a advocacia – decidiram fazer é um exemplo de dignidade e civismo.

Antes de mais, perante esta vergonhosa postura de quem, como Ventura, julga estar acima da lei e poder espezinhar livre e impunemente o bom nome e amarfanhar e aniquilar a dignidade dos seres humanos que, do alto da sua ideologia nazi, considera como seres inferiores (os “Untermenschen” de que falavam os fiéis do III Reich), os Coxi decidiram reagir e lutar contra o abuso e a ignomínia.

E fizeram-no indo a Tribunal, não para reclamar a aplicação a Ventura de uma qualquer sanção criminal ou a sua condenação a qualquer indemnização por danos morais (condenação criminal e indemnização civil essas que, atentos os factos dados como provados, eram mais que justificadas), mas para peticionar ao Tribunal que condenasse o racista prevaricador e o seu partido, o Chega, a apresentar um pedido de desculpas aos 7 membros da família Coxi visados com a ofensa, assim como a fazer a sua retratação pública, com a publicação da sentença nos mesmos locais, a começar pelas televisões, onde a ofensa fora cometida (SIC, SIC Notícias e TVI) e ainda a aplicação de uma sanção compulsória (uma multa) de 500€ por cada dia que passe após a sentença se tornar definitiva e sem que Ventura lhe dê efectivo cumprimento. 

Para além disto, Ventura e o Chega foram também condenados a “abster-se de proferir ou divulgar, no futuro, declarações ou publicações, escritas ou orais, ofensivas ao bom nome” dos Coxi, sob pena de terem de pagar, por cada ofensa, 5.000€.

Mas é também verdadeiramente notável que a juíza em questão, Dra. Fátima Preto, tenha entendido que não era sequer necessário entrar na análise da natureza claramente xenófoba e racista das afirmações de Ventura – aliás, completadas com os já habituais e estafados “argumentos” de que pessoas como a família Coxi não seriam pessoas de bem, não trabalhariam e antes viveriam do Rendimento Social de Inserção – porque o que estava e está aqui essencialmente em causa é que na vida, mesmo na vida política e partidária, não vale tudo, que não é Ventura quem tem o poder de decidir quem são os “portugueses de bem” e quem são os “maus” e que a dignidade da pessoa humana – valor estruturante de toda a nossa sociedade, como proclama o art.º 1.º da Constituição da república Portuguesa – não pode ser afastada, menorizada e menos ainda aniquilada sob argumentos ou pretextos como os da “luta política” ou até da “liberdade de expressão”.

E é bastante importante salientar este mesmo aspecto porquanto, por um lado e sob a tese nazi de que os fins justificam os meios, se pretende impor cada vez mais a ideia de que na sociedade e na política a mentira, o ataque pessoal e o insulto gratuito seriam armas legítimas de actuação e, por outro lado, porque, sob a capa protectora de uma certa jurisprudência dita liberal e democrática do próprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, os nossos Tribunais têm vindo maioritariamente a entender que, sobretudo se se estiver no campo da luta política ou o visado for alguém com funções ou visibilidade pública, tudo ou praticamente tudo, por mais falso, baixo ou infamante que seja, poderá ser dito.

Amesquinhar um adversário político por uma característica ou deficiência física que ele tenha ou pôr-lhe na boca palavras ou atribuir-lhe actos que se sabe que nunca foram produzidos por ele é algo absolutamente indigno, que deveria ser banido de vez da política, a qual deveria ser entendida, e praticada, à boa maneira da Grécia antiga, como a expressão suprema da Cultura.

Mas o caminho é também aberto às barbaridades de Ventura e Companhia quando se têm vindo a multiplicar com uma crescente e inquietante indiferença, e até impunidade, comportamentos absolutamente bárbaros, de pura e dura humilhação e/ou terror sobre o outro (porque é preto, porque é cigano, porque é gay, porque é gordo, porque é fraco ou simplesmente porque é diferente e assim se torna um alvo fácil e uma vítima particularmente vulnerável e indefesa…).

Desde as chamadas praxes académicas, às policiais e militares – sempre utilizadas pelos seus defensores como instrumentos de uma pretensa “integração social”, mas que, em grande parte das vezes, não passam de meros exercícios da mais brutal e gratuita das violências e de um treino para a humilhação e o curvar da espinha na vida futura – até aos actos de gratuita e mesmo maquiavélica perseguição e agressão, praticados, em estilo de matilha, contra vítimas indefesas e cujo desgosto e humilhação são, ainda por cima, mil vezes aumentados pela filmagem e amplificada publicação através das redes sociais.

Numa sociedade em que se aceita a mentira, a indignidade, o insulto e o ataque pessoal como algo de normal e até relativamente aceitável, porque “não muito grave”, tende a procurar impor-se como normais casos como o do espancamento de uma aluna numa sala de aulas numa escola da Amadora, onde até unhas lhe arrancaram, o esfaqueamento de um jovem em Ponte de Sor ou um jovem que acabou atropelado por um automóvel na EN-10 quando fugia desesperadamente das continuadas agressões e perseguições de que estava a ser alvo por parte de colegas, junto à Escola Dr. António Augusto Louro, na Arrentela-Seixal.

Importa, pois, afirmar com toda a clareza e firmeza que todo este tipo de barbaridades rigorosamente nada têm que ver com o exercício de qualquer liberdade, seja de expressão, de acção política ou social, ou de qualquer outra. Mas têm, isso sim, que ver com a expressão da mais vil das cobardias e com o “treino” para um certo tipo de dirigentes do futuro: os que aprendem a calar-se perante a injustiça e o arbítrio quando pensam que esse silêncio cúmplice lhes pode vir a ser útil, os que se agacham servilmente perante os seus superiores e tratam os respectivos inferiores abaixo de cão. E que, disso não tenhamos dúvidas, quando agora desmentem, desvalorizam ou até aplaudem atitudes de todos os Venturas da nossa terra, amanhã tratarão de invocar a necessidade de “prevenir os abusos” para calar as vozes daqueles que os critiquem e desmascarem.

E curarão até de invocar disposições legais celeradas (como as do art.º 6.º da recentemente publicada “Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital”) para com elas precisamente procurar silenciar quem denuncie, por exemplo, os políticos, os jornalistas e comentadores e até os decisores e juízes que contemporizam com este autêntico regresso à barbárie.

Experimente-se analisar e comentar a recente sentença da Juíza do Tribunal de Paredes que considerou que o facto de um homem de 37 anos ter agarrado a mulher pelo pescoço na via pública e a ter assim arrastado pela rua dezenas de metros, não assumir “crueldade, insensibilidade e desprezo” suficientes para tal ser considerado crime de violência doméstica e assim o absolver, quer dessa acusação, quer do crime de ameaça contra os militares da GNR que socorreram a senhora e a quem o agressor chamou de “cobardes” e ameaçou perseguir. Logo se verá como os princípios desaparecem como que por encanto e o que interessará é, acima de tudo, silenciar as vozes críticas e desagradáveis, senão por via dos “critérios jornalísticos” dos cultivadores do pensamento único, agora também e cada vez mais por via de medidas administrativas (incontroláveis e incontroladas) como as do fecho das contas do Facebook de quem ousou criticar, por exemplo, as políticas e medidas de combate à COVID-19, como os confinamentos e as cercas sanitárias.

Se não temos princípios e não nos preocupamos em defendê-los, sobretudo quando isso é mais difícil, não passaremos então de joguetes nas mãos daqueles que os não têm!

António Garcia Pereira

4 comentários a “Como se devem tratar os André Ventura desta terra: a Família Coxi, um exemplo de dignidade!”

  1. Isabel diz:

    Obrigada Garcia Pereira por expor a indignação que está em muitos de nós sobre o que se passa sobre a justiça ou injustiça neste país
    À justiça baseia se agora não na lei mas nas ideologias de cada juiz argumentados pela comunicação social

  2. joão silva diz:

    Ilustrissimo

    Subscrevo . Tem razão .
    Trata-se de uma incapacidade atávica de um professor de Direito , atoarda para os populares no bom estilo de escárnio e maldizer . Mas ainda tenho dúvidas que os nazis aliás nacionais socialistas do trabalho fossem émulos deste infeliz .
    Não quero preencher o seu espaço mas este indivíduo , o vale tudo do benfica também , o advogado do sindicato dos transportes e o do ” hacker ” sem esquecer o homem relvas ,,, mais uma catrefada que encontro nos processos … sem esquecer o outro que tirou férias e feriados para aumentar a ” produtividade ” !!! nunca vi tanta imbecilidade … os nazis eram muito mais perigosos que estes nabos todos juntos e acredito que a história não voltará a ter página tão negra . Compará los a nazis é como comparar a ponte de entre os rios com a maior ponte alemã . E na alemanha / áustria até à finlândia encontram-se grupos muito perigosos que devem ser combatidos . Termino com a citação do juiz de odemira … são todos maçónicos e esse é o verdadeiro perigo . Porque já estão subjugados à nova ordem mundial globalista . A inteligência nunca poderá desaparecer sob pena de não termos futuro .

  3. Maria Santos diz:

    Felizmente foi permitido terem justiça.

  4. Maria Santos diz:

    Felizmente foi lhes permitido acesso à justiça.

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