Os meandros dos crimes de corrupção de “colarinho branco” cuja expressão vem do inglês “white-collar” (do romancista Upton Sinclair em 1919) designando funcionários hierarquicamente superiores, vestidos com formalidade (por oposição aos “blue-collar, trabalhadores braçais), que se aproveitam das suas funções e posição de privilégio para cometer crimes de fraude, desvio ilícito de dinheiro e qualquer acto de corrupção.
Os crimes de colarinho-branco movimentam-se numa órbita de um universo paralelo, de natureza e objecto clandestinos, obscuros e impenetráveis.
Para investigar, desconstruir e desmontar a corrupção o governo socialista (que faz parte do esquema já tão entranhado que nem se estranha) procura novas formas de a combater através da colaboração na investigação (delação premiada em versão do outro lado a sul do oceano).
A “casa ruiu”, a investigação corre bem e determinado senhor bem vestido (de colarinho branco) é atingido como fazendo parte dos meandros de colaboradores da operação de corrupção.
É nessa condição de investigado-apanhado, que passa a interessado em colaborar, por motivos vários sendo um deles o de aligeirar a pena, não só confessando os factos mas ajudando a expor os outros participantes bem-vestidos, mostrando o caminho para a recuperação de bens desviados.
A Máfia, como organização “underground” de gente até muito bem vestida (ver filmes do Scorcese), tinha por código de honra mandar matar estes colaboradores-delatores. Naturalmente.
Desvirtuando o conceito, ou mascarando-o, as polícias políticas como a Pide usavam a figura do “bufo” que denunciasse (fosse ou não parte de uma organização clandestina que praticasse fraudes e/ou qualquer outro acto de corrupção) mandando para o Tarrafal, matando e torturando os anti-regime.
Os grupos dinamizadores em Moçambique usando métodos das escolas estalinistas e salazaristas usavam a figura do “bufo” para denunciar quem não gostasse no novo governo pós colonial e enviava os denunciados para os campos de reeducação, ou oferecia o chamado 24×20 (vinte e quatro horas com vinte quilos para deixar a terra).
Como nada percebo de leis, preciso fazer perguntas para entender. Por uma simples razão. Querem desmontar e desconstruir a corrupção que de tão entranhada já nem se estranha e passou de extraordinária a vulgar? Como os regimes fascistas fazem quando normalizam situações que eram extraordinárias.
O que quer agora fazer este novo governo socialista com esta proposta de colaboração premiada? Qual é a agenda por detrás do que parece ser um factor de combate ao flagelo da corrupção que destrói as sociedades humanas?
Se o que se pretende é desmontar a corrupção, Rui Pinto (o hacker/ whistleblower português) sabe imenso do assunto – não por fazer parte mas por ter investigado e descoberto- está preso.
Os crimes que descobriu junto com os corruptos dos quais tem provas, estão soltos e livres a viver num obscuro universo paralelo, tal como os papéis do Panamá, a maior história de corrupção da história contemporânea.
Temos provas de que quem denuncia crimes fica preso ou exilado até morrer, ou morre de doença súbita (Assange, Manningue, Snowden entre muitos mais) como se vivêssemos em ditaduras…(vivemos e quem ainda não percebeu nem contou ao vento sofre de preguiça cognitiva).
O sistema totalitário e corrupto em que nos habituámos a viver e que deve ser combatido, provou vezes sem conta ser a sede da organização dos white collar (colarinho-branco) onde quem tudo paga são os “blue collar” (sem tradução para português, mas com ajuda eu traduzo para um vulgar “mexilhão-otário”,que trabalha coagido para pagar a sua sobrevivência bem como todas as operações de corrupção e suas consequências, até morrer, num “catch 22” – círculo vicioso) sem o direito à liberdade.
Alguém acredita que os que estão metidos da carne até ao osso nesta suja organização (partidos políticos, governos, aventais, organizações de advogados, indústrias, empresas de todas as áreas e um largo etc de gente bem vestida) não têm uma “hidden-agenda” – intenção de mais mascarar para camuflar, ou aprofundar a teia – da máfia/ sistema entranhado que quase já nem estranhamos, que é a corrupção?
Será a colaboração premiada um prémio de consolação para tapar o sol com a peneira, aumentar o numero de bufos ou uma demagogia com uma nova máscara?
Até ficar a saber não vou descansar.
Com os desvios do nosso dinheiro, que viaja na impunidade das malas dos colarinhos-brancos, perdemos direitos gerais, no trabalho, na saúde, na justiça, na educação, na cultura. Na dignidade da vida em liberdade.
Se não bastasse perder em todas as frentes como ser sensível, consciente e inteligente, vou mais longe e pergunto: é este pacto com a violência deste sistema o objectivo da vida?
Por isto tudo, o combate à corrupção é o combate de uma vida e medidas que o ajudem são bem vindas. Será a colaboração premiada uma delas?
Anabela Ferreira
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