António Costa e Silva, Ministro da Economia, é um dos membros do Governo de António Costa que tem conseguido passar por entre os pingos da chuva, não obstante os sucessivos sobressaltos que o executivo já conheceu, incluindo a própria demissão de dois Secretários de Estado. E, todavia, muito há a dizer sobre a personagem em questão, o que ela já fez e o quanto já recebeu pelos negócios que conseguiu levar à prática.
Comecemos então, por aqui: todos já percebemos qual é a vontade do governo quanto à TAP, que nisso coincide com a de todos os partidos da direita (em particular os que, como o PSD e o CDS, formaram o governo responsável pela apressada e muito barata privatização da empresa, em Novembro de 2015): vendê-la a uma das suas actuais concorrentes, o mais rapidamente possível e pelo preço mais apetecível para o comprador, muito abaixo do que ela efectivamente vale, com as suas rotas para a África e para as Américas do Norte e do Sul e com o “hub” internacional de Lisboa, assim ameaçado a curto prazo.
Aliás, e não seguramente por acaso, o Sr. Michael O’Leary, CEO da Ryanair, já por duas vezes afirmou que a TAP iria ser vendida ao grupo IAG – International Airlines Group, que agrupa, após a respectiva fusão, a British Airways e a Iberia. E é perfeitamente sabido que o interesse espanhol na aquisição da TAP, a concretizar-se, conduziria em linha recta à liquidação do “hub” de Lisboa e à centralização de praticamente todos os voos, em particular os intercontinentais, no Aeroporto de Barajas, em Madrid.
Mas eis que António Costa e Silva, a 20/1, em entrevista dada ao “El Economista” no âmbito da FITUR – Feira Internacional de Turismo, realizada em Madrid, se permitiu elogiar as pretensas vantagens duma eventual compra da TAP pelo Grupo IAG, referindo expressamente a Iberia e afirmando “preciosidades” como a de que“temos que tratar a conectividade aérea porque existem estudos que revelam que a sua ausência condiciona a nossa economia face ao resto da Europa, uma vez que somos um país periférico” ou “a conectividade com o hub do aeroporto de Barajas impulsionaria tanto o turismo como a economia do país e nesta matéria tanto a TAP, como a Iberia, jogam um papel importante.” (sic)!?
Ora, o que leva um Ministro da Economia do governo português, em particular numa altura como esta, a fazer “lobby” pela Iberia no processo de venda da TAP, na qual não tem quaisquer poderes de tutela, é algo que deveria ter logo merecido o mais severo dos juízos éticos e, mais do que isso, a atenção das autoridades de investigação do nosso país, acaso estas nisso estivessem minimamente empenhadas, pela natureza de defesa da “entrega do oiro ao bandido” que tal conduta não pode deixar de corporizar. Mas a verdade é que nada disto parece interessar a quem quer que seja com responsabilidades públicas, mesmo não se tratando da primeira vez que António Costa e Silva facilita, promove e/ou executa negócios de enorme opacidade e, ainda por cima, recebendo chorudos prémios em troca de tal actividade.
Com efeito, António Costa e Silva, Ministro da Economia desde Março de 2022, foi, até Setembro de 2021,Presidente da Comissão Executiva da Partex, a empresa do sector do “oil and gas” fundada em 1938 por Calouste Gulbenkian e que era detida a 100% pela Fundação que tem o seu nome, constituindo a principal fonte de rendimentos desta, já que representava cerca de 40% do orçamento da mesma.
Ora, por razões que nunca até hoje foram – e deviam sê-lo! – cabalmente explicadas, a Fundação Calouste Gulbenkian, na sequência de uma estranha política de desinvestimento (não investindo mais em Portugal e desinteressando-se quer da renovação de concessões no Médio Oriente, quer de projectos das energias renováveis), decidiu subitamente vender a Partex.
A primeira tentativa ocorreu em finais de 2017 à empresa chinesa CEFC – Chinese Energy Company, tendo mesmo ocorrido em Xangai uma cerimónia de celebração dessa mesma venda, que contou com a presença de Isabel Mota (Presidente da Fundação Gulbenkian), José Neves Adelino (Responsável dos Investimentos da Fundação), Gonçalo Rocha (Director Financeiro da Fundação e Administrador da Partex) e, claro, António Costa e Silva, como CEO da Partex.
A referida venda (por cerca de 500 milhões de euros), e que contou também com uma milionária consultadoria de 3 milhões de dólares do Barclays Bank, foi então muito elogiada por Costa e Silva, o qual chegou até a anunciar que a empresa chinesa iria investir um bilião de dólares na Partex… Mas o “negócio da China” foi abaixo simplesmente porque as autoridades chinesas descobriram que a dita CEFC não passava de uma cópia asiática da fraudulenta Enron e, devido a persistentes suspeitas de corrupção, prenderam o respectivo CEO, Ye Jianming.
Porém, e não obstante esta precipitada e falhada venda e as enormes somas de dinheiro com ela gastas, Isabel Mota, Costa e Silva e Companhia voltaram à carga, anunciando triunfantemente, em Junho de 2019, a venda da Partex ao grupo tailandês PTTEP, pertença, ao que consta, do próprio Ministro das Finanças tailandês. Por esta venda do seu activo principal (a Partex) a Fundação Calouste Gulbenkian terá recebido um estranho e encolhido montante de 622 milhões de euros, pouco mais de metade do valor real da empresa, estimado na altura em cerca de um bilião de dólares.
No decurso deste processo – que contou também com o “facilitador” banco americano Jefferies por um valor que foi mantido em segredo, mas que não terá sido decerto inferior aos 3 milhões pagos ao Barclays – António Costa e Silva sempre afirmou aos trabalhadores da Partex que tal venda representava um projecto de futuro, que a PTTEP iria investir em força na Companhia e que esta iria seguramente expandir-se. Isto ao mesmo tempo que ele e a Presidente da Fundação garantiam que os respectivos postos de trabalho estavam assegurados e que a Fundação nunca esqueceria os membros da sua “família”. Costa e Silva, que sempre gostou de invocar “eu raramente me engano”, afirmou mesmo que o futuro da Partex com a tailandesa PTTEP seria “brilhante”.
E era tanta a pressa da Presidente da Fundação e do CEO da Partex, com o apoio do Governo, que, após os trabalhadores terem suscitado a questão de que, sendo a Gulbenkian uma Fundação de utilidade pública, nos termos da lei aplicável, seria necessária autorização do Executivo para a alienação da mesma Partex – questão esta da qual nem se tinham lembrado aquando da venda falhada à CEFC, tal era a precipitação… – sucedeu o absolutamente inacreditável: Isabel Mota remeteu o pedido de pronúncia por parte do governo na sexta-feira7/6/2019 e, como a segunda-feira seguinte era feriado (10/6), o mesmo pedido só deu entrada na Presidência do Conselho de Ministros no primeiro dia útil seguinte, ou seja, a 11/6. O Centro de Competências Jurídicas do Estado produziu então – em cerca de 24 horas !? – um parecer considerando que a Partex, ao invés do que pretendia a Fundação, era um activo que integrava o património inicial desta mas que (muito convenientemente) não seria imprescindível à sua sustentabilidade financeira pelo que o governo não teria que que dar a sua autorização. E, assim, a Ministra da Presidência Mariana Vieira da Silva – por coincidência ex-membro do Conselho Consultivo do Descobrir (Programa da Gulbenkian para a Cultura e Ciência…) foi na quinta-feira 13/6 (feriado em Lisboa) ao seu gabinete lavrar o despacho governamental no sentido que convinha a Isabel Mota e António Costa e Silva. Tudo isto a tempo de esta “dupla” fazer, logo na segunda-feira seguinte, o anúncio público da (entretanto já negociada e preparada) venda à PTTEP!?
Isto é, o Governo, numa semana com dois feriados, e com base num alegado Parecer dos seus próprios serviços (mas que, verdade seja dita, reconhece não passar de umas meras “observações preliminares” e mesmo assim baseadas apenas na documentação fornecida pela própria entidade directamente interessada, a Fundação Calouste Gulbenkian, e na informação disponível na imprensa e até na internet!?), viabilizou em tempo absolutamente recorde um negócio de 600 milhões de euros, que, todavia, não rendeu ao Estado português um cêntimo que fosse, mas que vai custar-lhe milhões.
Pior do que isto, os tailandeses da PTTEP – contrariamente às promessas e expectativas persistentemente criadas por António Costa e Silva junto dos trabalhadores da Partex –declararam formalmente a manutenção dos contratos dos trabalhadores mas apenas durante dois anos, ou seja, pelo período de tempo indispensável para que aqueles transmitissem entretanto aos quadros tailandeses todo o seu know-how e para que, face à lei laboral portuguesa, cessasse a responsabilidade solidária da Fundação pelos créditos laborais.
E, logo a seguir, trataram de promover, com todo o desplante, a extinção e liquidação da Partex e o lançamento no desemprego de cerca de 50 trabalhadores altamente qualificados, cujos subsídios de desemprego estão agora a ser suportados pelo Estado, ou melhor, pelos contribuintes portugueses.
Os piores receios de quem vivia do seu trabalho – e que Costa e Silva sempre afiançou serem infundados, mas que se começaram a gerar e a desenvolver sobretudo quando o Sr. Pong, da PTTEP, na altura do anúncio público do pacto de venda, declarou que nada estava garantido para além dos referidos dois anos – tornaram-se assim uma fria,dramática e definitiva realidade quando, em Setembro de 2021, foi anunciada a dissolução e extinção da Partex.
Entretanto, a Fundação Calouste Gulbenkian, presidida por Isabel Mota (logo depois reformada com uma pensão vitalícia que fará inveja à de Ricardo Salgado…), pagou aos três administradores da Partex executores de toda esta manobra um prémio no valor astronómico de 1.698 milhões de dólares no total, tendo Alfredo dos Santos e Fernando Barata Alves recebido 531.700 dólares cada, e António Costa e Silva a “módica” quantia de 634.900 dólares!
António Costa e Silva – que hábil e cirurgicamente se demitiu do cargo de administrador da Partex na véspera do anúncio de dissolução desta, em Setembro de 2021, já depois de ter embolsado o referido e astronómico prémio – fora convidado por António Costa em Maio de 2020 para coordenar a preparação do chamado Programa de Recuperação Económica (até 2030) e em Abril de 2021 para chefiar a Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência – PRR, para, escassos meses após a destruição da Partex, mais exactamente em Março de 2022, e com todo este “currículo”, se tornar Ministro da Economia.
Em suma, com todas estas manobras, negociatas e verbas pagas, que tiveram sempre no seu epicentro o bem-falante CEO da Partex, António Costa e Silva, sucedeu que:
1 – A Fundação Calouste Gulbenkian alienou por 622 milhões de euros o seu mais importante, lucrativo e seguro activo, que inclusive a salvou das consequências das gigantescas perdas que os seus investimentos financeiros tiveram nos anos de crise.
2 – O Estado Português não só se viu por esta forma privado de uma empresa absolutamente estratégica para o país e para a Europa, como não recebeu um cêntimo de impostos e já está, e vai ter de continuar, a suportar os custos dos subsídios de desemprego e de doença dos trabalhadores despedidos, muitos deles com graves problemas de saúde, físicos e psicológicos, decorrentes da brutal situação em que se viram colocados.
3 – A título de consultadoria e “facilitação” do negócio, o banco inglês Barclays recebeu os referidos 3 milhões de dólares pela venda falhada à CEFC e, mais recentemente, o banco americano Jefferies terá recebido, pela venda à PTTEP, uma verba ainda maior.
4 – António Costa e Silva embolsou 634.900 dólares de prémio por ter assegurado a consumação de todo o negócio e Isabel Mota passou à reforma com a tal pensão milionária.
5 – Os tailandeses da PTTEP, mediante a habilidosa operação jurídico-financeira montada e executada em comunhão com a Fundação Calouste Gulbenkian, adquiriram a preço de saldo os activos da Partex e viram-se “legalmente” livres dos respectivos trabalhadores em apenas dois anos e um dia.
6 – Os trabalhadores da Partex, técnicos altamente especializados, do melhor que há no mundo, viram-se primeiro grosseiramente manipulados e enganados e depois friamente despedidos, como se tudo isto fosse “natural” e legítimo.
Numa altura em que se avolumam as notícias sobre toda a sorte de negociatas e de práticas fraudulentas e de corrupção, e quando já se fala dos escandalosos prémiospagos a administradores e gestores de topo, cuja função essencial foi a de destruírem empresas estratégicas, encherem os respectivos bolsos e despedirem trabalhadores, é tempo também de se olhar para esta estranha e opaca história de venda e destruição da Partex e para os respectivos responsáveis…
Porque mais do que uma questão política, esta venda da Partex (tal como a promoção da Iberia como futura dona da TAP) é um caso de polícia!..
António Garcia Pereira
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