Segundo dados da própria e insuspeita Associação Portuguesa de Bancos, entre 2010 e meados de 2017 foram fechados 2500 balcões e mandados embora (para a reforma ou para o desemprego) mais de 10.000 trabalhadores bancários. Destes, terão saído 3.000 só em 2016 e mais de 4.000 no ano passado!
É claro que estas forçadas expulsões da vida activa (praticadas designadamente naqueles bancos, como o ex-BES, onde os roubos praticados e os buracos abertos pelas respectivas administrações custaram aos contribuintes portugueses dezenas de milhares de milhões de euros…) surgem sempre “justificadas” por pretensas necessidades de “reestruturação” e, na sua maior parte, disfarçadas de “saídas voluntárias”, nomeadamente a título das famigeradas “rescisões por mútuo acordo”.
E é desde logo por isso que, não obstante os números acima mencionados, as revogações (por mútuo acordo) do contrato de trabalho representaram em 2015, segundo o Livro Verde sobre as Relações Laborais (p. 290), 13,1% do total das cessações de contratos, enquanto os despedimentos colectivos apenas 2,7% (ou seja, menos de 1/5 daquelas).
Seguindo a mesma lógica da banca, os privatizados CTT anunciaram entretanto o encerramento de 22 postos e a dispensa de 800 trabalhadores, negando todavia que se trate de despedimentos.
À primeira vista, pareceria deste modo que os despedimentos colectivos são poucos e que o acordo (claro que sempre a seguir à caducidade dos contratos a prazo, que representou no mesmo ano de 2015 62,9% do total das cessações) seria a forma privilegiada, acordada e até “tranquila” de um trabalhador, mesmo em idade mais que activa, ir para o desemprego.
Mas não é de todo assim!
É que aquilo que precisamente a compaginação dos números destas estatísticas oficiais com os números totais de saídas põe a nu é que tais rescisões ditas por “mútuo acordo” nada têm, nem de mútuo, nem de acordo, e antes representam, isso sim, uma solução forçada, e de que maneira, imposta aos trabalhadores.
Tais saídas nada têm para os trabalhadores de “mútuo” pois o que lhes aparece pela frente é um texto de revogação todo ele já previamente preparado, redigido e processado pelo empregador, sem qualquer espécie de negociação real sobre o que quer que seja do conteúdo das respectivas cláusulas e também com o quantitativo do valor da compensação já calculado e fixado pela entidade patronal.
E apesar de haver a chamada lei das “cláusulas contratuais gerais” (Dec. Lei nº 446/85, de 25/10) que proíbe cláusulas que atribuam posições, vantagens ou benefícios excessivos a uma das partes em detrimento da outra e ainda de o seu artº 1º, nº 2, estabelecer explicitamente que tal diploma legal “aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”, os juízes dos Tribunais do Trabalho, de uma forma geral, esquecem este mesmo artigo e aferram-se à posição de que se o trabalhador assinou é porque concordou e se concordou estará tudo bem. E não é de todo assim!
Por outro lado, também não há, na maior parte dos casos, um verdadeiro “acordo”, pois que o trabalhador é constrangido a assiná-lo sob a ameaça velada de que, se não o fizer, será então abrangido pelo despedimento colectivo, o qual é, sobretudo após as reformas laborais da Tróica, muito fácil e muito barato de levar a cabo.
E isto fundamentalmente por 3 ordens de razões:
A primeira é a de que mesmo o regime legal formal do Código do Trabalho (sobretudo após as alterações de 2012 e de 2013) é profundamente favorável às entidades empregadoras, admitindo como justificações alegadas “razões de gestão empresarial” de tal maneira amplas que nelas cabe praticamente tudo o que o patrão quiser e estabelecendo indemnizações de antiguidade irrisórias (calculadas sempre apenas a partir da retribuição base e diuturnidades e não de tudo aquilo que regular e periódica o trabalhador recebe por mês) de 20 dias por cada ano a partir de 1/11/12 e até 30/9/13, e a partir de 1/10/13 de 18 dias por ano nos primeiros 3 anos e de somente 12 dias por cada ano de antiguidade daí em diante, também já não contando, ou seja, verdadeiramente “congelando”, a partir de 1/10/13, o valor que exceda os 12 meses de retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador.
A segunda é a de que, como temos insistentemente procurado chamar a atenção, o Código do Trabalho impõe, no seu artº 366º, nºs 4 e 5, que o trabalhador abrangido pelo despedimento (colectivo, por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação) mais ilícito que se possa imaginar, para o poder impugnar nos Tribunais tem de, assim que a receba, devolver ao empregador a totalidade da compensação de antiguidade colocada por aquele à sua disposição. Ou seja, se o trabalhador quer discutir judicialmente a legalidade do seu despedimento tem que morrer à fome pois, uma vez despedido, salário já não tem; estará, quando muito, à espera da miséria do subsídio de desemprego e tem então que se despojar do único “balão de oxigénio” de que dispõe e que é precisamente a dita indemnização de antiguidade, razão por que, não obstante a sua proibição constitucional, muitos despedimentos sem verdadeira justa causa ficam afinal impunes…
A terceira razão é a da natureza abertamente anti-trabalhador que as concepções dominantes dos juízes laborais imprimem ao já de si pró-patronal regime jurídico dos despedimentos e ao escandaloso montante das custas judiciais.
A título meramente exemplificativo, citem-se as seguintes:
– inexistência de uma verdadeira fiscalização da existência ou não dos motivos invocados para fundamentar o despedimento sob o pretexto de que não competiria ao juiz imiscuir-se na esfera da gestão empresarial privada e da liberdade de iniciativa económica;
– desmesurada facilidade na aceitação das fundamentações económico-financeiras apresentadas ou até adopção de posturas como a de “perito, na averiguação das razões da alegada necessidade de extinção do posto de trabalho, sou eu, juiz”, indeferindo assim toda a prova pericial requerida;
– contínua invocação de razões formais (designadamente a da pretensa incompetência do Tribunal para julgar a questão) para não ter de chegar a uma decisão de fundo;
– recusa na apreciação de quaisquer outras questões, mesmo que directamente conexas com as do despedimento (como as relativas à determinação do que compõe efectivamente a retribuição base do trabalhador e, logo, daquilo que deve constituir a base do cálculo da compensação), estribada em argumentos meramente formais, como o da forma do processo;
– concepções e práticas absolutamente destrutivas ou impeditivas do apuramento da verdade dos factos, tais como: a desvalorização completa e/ou restrição absurda do âmbito das declarações de parte dos trabalhadores, a admissão de que os depoimentos de parte das empresas possam ser prestados por um mero portador de uma credencial ou procuração do Conselho de Administração e que vem apenas repetir em juízo que “nada sabe”, a não realização oficiosa (ou seja, por iniciativa do próprio juiz) de qualquer diligência útil para a descoberta da verdade; e a recusa ou indeferimento de diligências importantes requeridas pela parte trabalhadora, como a da junção ou requisição de documentos relevantes em poder da entidade empregadora;
– não admissão da alegação de factos posteriores à consumação do despedimento, mas que permitem sustentar a prova da completa falsidade dos fundamentos invocados para o mesmo (por exemplo, a retomada da plena laboração com outros trabalhadores logo após tal ocorrência);
– sistemática recusa de apreciação, discussão ou simples referência a factos, designadamente a factos instrumentais, manifestamente importantes para a boa decisão da causa (inutilizando assim por completo aquilo que o artº 72º do Código de Processo do Trabalho a tal propósito possibilita e até impõe);
– tributação a torto e a direito, com custas judiciais pesadas, de todos os requerimentos ou iniciativas processuais com que o juiz não concorde;
– tentativa de imposição do facto consumado das suas próprias decisões através do não despacho ou do diferimento apenas para o final do processo dos recursos interpostos das mesmas.
O que é que tudo isto significa? Significa que a inutilização e destruição dos direitos mais basilares dos trabalhadores não é feita apenas pelas leis, sejam elas as das custas judiciais astronómicas ou as das reformas laborais da Tróica que o ministro Vieira da Silva se recusa a revogar. É-o também pela forma reaccionária e preconceituosa com que essas leis são todos os dias interpretadas e aplicadas na nossa Justiça laboral, da qual praticamente ninguém fala mas em que continuamente são proferidas decisões que, em matéria de preconceitos ideológicos, não ficam atrás do já tristemente famigerado “acórdão da moca com pregos”.
E a questão volta a ser, ainda e uma vez mais, a de se saber como e por quem são afinal recrutados, formados, avaliados e democraticamente fiscalizados os titulares do único órgão de soberania que não tem legitimidade democrática electiva – os Tribunais!…
António Garcia Pereira
Isto só prova o país que temos, cada vez se retiram mais direitos aos trabalhadores. Tenho conhecimento de que há profissionais de saúde a trabalhar há vários anos na mesma instituição a recibos verdes a prestar serviços ao estado. Quando isto terminará?