Nesta quarta-feira dia 18/7, no meio de toda uma série de outras petições, foi a debate em plenário da Assembleia da República a petição “Não adopto este silêncio”, bem como duas propostas com ela relacionadas (uma de constituição de uma Comissão técnica independente e outra de constituição de uma comissão parlamentar eventual).
Estava, e está, em causa a averiguação da verdade não apenas do que se passou há 20 anos atrás com as adopções ilegais de crianças por responsáveis da IURD, como também do que desde então e até agora se tem passado em matéria de retirada de crianças aos seus pais e mães, da sua colocação em determinadas instituições e da sua entrega para adopção.
Ora, acontece que – com surpresa de alguns dos peticionários e grande indignação de todos – PS, PCP e BE posicionaram-se contra esta petição e os seus objectivos.
Os principais argumentos utilizados foram estes e todos eles, em absoluto, infundados e falaciosos:
Em primeiro lugar, tratar-se-ia apenas de casos isolados, de há cerca de duas décadas, e cujas responsabilidades criminais já estariam a ser devidamente investigadas na sua sede própria, ou seja, num processo crime actualmente em curso e que o Ministério Público mantém fechado para os queixosos, mas permitiu que fosse acedido pelo Semanário Expresso para propagandear as teses de descredibilização dos mesmos queixosos.
Em segundo lugar, a Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia já teriam feito os seus inquéritos internos e concluído (claro!) que não tinha havido quaisquer irregularidades ou ilegalidades nos respectivos procedimentos.
E por fim, o nosso regime legal da adopção é bom e não se deveria permitir que, com base em casos ditos pontuais, se pusesse em causa tal regime.
Ora, convém referir que quem tal defende, e muito em especial os deputados em questão, não puderam ou não quiseram compreender três coisas muito simples:
1 – O que está em causa é, não apenas, nem sequer principalmente, apurar e atribuir responsabilidades criminais (para isso é que serve, ou deveria servir, o referido inquérito crime onde, aliás, os queixosos já há muito perceberam que a posição do Ministério Público aponta para o arquivamento), mas sim averiguar toda a verdade de todos os factos, verdade essa que não prescreve e que abrange todos os factos, todas as situações e todas as circunstâncias que estejam erradas, mesmo que possam representar meras infracções disciplinares, condutas menos éticas ou até práticas e erros administrativos que importe corrigir.
2 – Precisamente por estarem em causa também acções ou omissões de magistrados do Ministério Publico, de juízes, de membros das CPCJ – Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, da Segurança Social e da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, entre outros, é que não podem ser essas instituições a investigar-se e a fiscalizar-se a si próprias.
Senão, o resultado é aquele que logo foi apressadamente anunciado pelo Provedor da Santa Casa, Edmundo Martinho: apesar de não ter inquirido nem a responsável máxima da instituição naquela altura pelo serviço de adopções, Teresa Brandão, nem a Assistente Social que interveio no processo de uma das mães, Clara Martins, nem a Provedora da altura, Maria do Carmo Romão, nem mesmo a própria mãe, logo concluiu que estava tudo bem e que nenhuma irregularidade havia sido encontrada!?
E exactamente o mesmo logo sucedeu também com a tutela da Segurança Social, ou seja, com o Ministro do Trabalho e da Segurança Social, Vieira da Silva.
3 – Como repetidamente tem sido afirmado e apontado ao Estado Português (quer pelo Comité dos Direitos das Crianças da ONU, quer pelo Comité Europeu dos Direitos Sociais do Conselho da Europa, quer ainda pelo próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e, em particular, no último dos diversos acórdãos condenatórios do Estado Português), não é o regime legal da adopção que está fundamentalmente em causa (embora se justificasse impor a obrigatoriedade de constituição de Advogado e da presença deste em todas, sem excepção, as diligências deste tipo de procedimentos, inclusive os da Segurança Social), mas sim as razões pelas quais e as formas como esse regime tem sido fácil e multiplamente torneado e defraudado.
Na verdade, diversas são as práticas que foram adoptadas no passado, mas que ainda hoje se mantêm e têm sido, em particular nos últimos tempos, tão denunciadas por progenitores corajosos, como abafadas e silenciadas pelas mais diversas entidades oficiais:
Transformar pedidos de apoio à Segurança Social por mães ou pais em dificuldades económicas num pretexto para logo “sinalizar” os respectivos filhos e partir para a sua retirada; coagir, nomeadamente sob a ameaça dessa imediata retirada dos filhos, os progenitores à assinatura de concordância com inapropriadas e até inaceitáveis medidas de ditas de intervenção ou de protecção; elaborar relatórios sobre crianças sem sequer as ver ou com elas contactar; produzir relatórios ou informações manifestamente falsos; decretar medidas com total desrespeito pelo princípio do contraditório, designadamente sem ouvir o pai ou a mãe e/ou sem lhes permitir fazer prova do que alegam; impor às vítimas de violência doméstica a guarda partilhada ou a residência alternada com o agressor (o que já originou, em diversas vezes, consequências fatais).
É este estado de coisas, e não propriamente o regime legal de adopção, que se impõe investigar de alto abaixo, denunciar e fazer cessar.
E por isso, todos aqueles, sejam deles deputados, magistrados, funcionários ou governantes, que tratam de impedir essa mais que devida investigação, seja sob que pretextos for, estão é a tornar clara a sua cumplicidade. E no dia em que a Verdade vier ao de cima – como inevitavelmente há-de vir, porque a verdade é como o azeite… – não escaparão decerto às suas responsabilidades.
A tragédia é que, até lá, se nada se fizer em contrário, filhos continuarão impunemente a ser retirados a quem é pobre! E as crianças, meus Senhores, e as crianças?
(Ler aqui a parte I: E as crianças, meus Senhores, e as crianças?)
António Garcia Pereira
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