A EDP acabou de anunciar que, só nos primeiros nove meses de 2017, já acumulou lucros no valor de 1.385,9 milhões de euros, o que, além de representar um aumento de 74,5% relativamente a idêntico período do ano passado, significa, a manter-se o actual ritmo, ganhos no presente ano superiores a 1.800 milhões de euros.
No ano de 2016, a mesma EDP distribuiu aos seus accionistas – paticamente todos estrangeiros e sem pagarem um cêntimo de impostos em Portugal – o valor de 960,6 milhões de euros, sendo que, entre outros, 21% desses fabulosos dividendos foram distribuídos à empresa estatal chinesa Three Gorges, 12% ao fundo americano Capital Group Companies, 7,1% ao grupo espanhol Oppidem Capital SA e 5% ao grupo financeiro americano Black Rock. Isto, quando nesse mesmo ano de 2016 estavam em risco de pobreza ou de exclusão social 2.595.000 (ou seja, 25,1% do total) dos nossos concidadãos, dos quais perto de meio milhão eram crianças com menos de 18 anos e outro meio milhão eram idosos, com 65 anos ou mais.
Simultaneamente a tudo isto, temos em Portugal uma electricidade das mais caras da Europa. E deste modo, no final de 2016, enquanto o rendimento líquido anual de um português era de apenas 52,4% da média da União Europeia, o preço da mesma electricidade era, antes de taxas ou impostos e revertendo assim integralmente para a EDP, 5.6% superior ao preço médio europeu e com taxas e impostos (só o IVA, pasme-se, é de 23%) 11,2% superior à referida média europeia.
Entretanto, o Bairro da Torre, em Camarate-Loures, é um bairro clandestino que existe desde a década de 70 e onde vivem 53 famílias num total de cerca de 230 pessoas em situação de grande pobreza e miséria. Mais de metade das casas não têm quartos de banho nem acesso à rede de saneamento básico. Existe um único contentor do lixo para todo o bairro, levando a que existam cerca de 3000m3 de resíduos espalhados um pouco por toda a parte.
Vivem 65 crianças no Bairro da Torre e apenas cerca de metade de toda a população do bairro se encontra em idade activa e, dessa metade, menos de 1/5 é que está empregada.
Após os respectivos moradores já terem estado cerca de 9 meses sem abastecimento de água, acontece que no dia 19 de Outubro de 2016 a EDP, sob o pretexto da existência de baixadas ilegais e mesmo sabendo haver vários contratos de electricidade e centenas de Códigos Ponto de Energia (CPES) activos no bairro, cortou a linha de acesso à energia eléctrica a todo o bairro sem excepção.
Os moradores do bairro mostram-se dispostos, e já o declararam por diversas vezes, a pagar electricidade. Solicitaram à EDP a celebração de contratos individuais. Ou até de um contrato único para todo o bairro (com um único contador para o conjunto do aglomerado populacional e depois ligações individuais a cada casa, como foi feito, por exemplo, no Bairro das Terras da Costa, em Almada. Mas a EDP, do alto da sua arrogância, a todas essas propostas disse “NÃO”. Desesperados, os moradores propuseram à Câmara Municipal de Loures a construção de um painel fotovoltaico a ser pago pelos moradores em 5 anos, mas a mesma Câmara de Loures, invocando o preço do mesmo painel (95.000 euros), também recusou.
Temos assim um bairro inteiro, com uma população já de si afectada por gravíssimas carências económicas e sociais, submetido a uma situação dramática, dantesca até. Não é ali possível ter qualquer aparelho eléctrico, designadamente frigoríficos, pelo que todos os alimentos que não são consumidos correm o imediato risco de deterioração. A maioria dos quartos das casas não tem janelas, pelo que, sem energia eléctrica, as mesmas casas ficam todo o dia às escuras. As crianças não podem estudar ou fazer os trabalhos de casa. O uso de velas e de candeeiros a petróleo para iluminação e de fogões e aquecedores a gás cria riscos permanentes de incêndios e já causou diversos casos de queimaduras e intoxicações. Para além de que o terrível frio que se faz sentir no inverso tem causado, sobretudo aos bébés e aos idosos, graves problemas de doenças, designadamente respiratórias.
A Câmara Municipal de Loures o que tem feito é proceder a alguns realojamentos para habitação social sem qualquer qualidade ou dignidade (designadamente por os “novos” fogos serem absolutamente exíguos), passar o problema para a Segurança Social e tratar de rapidamente demolir as casas dos moradores ditos “realojados”, ainda por cima com o critério de dar prioridade, não às situações de maior necessidade e urgência, mas sim à demolição do maior número possível de habitações.
Deste modo, com a complacência e com a cumplicidade activa de todas as instituições públicas, a começar pelo Estado, designadamente pela Segurança Social e a acabar na Câmara Municipal, a EDP, ao mesmo tempo que enche à tripa forra os bolsos dos seus accionistas, com o corte de electricidade que impôs desde há mais de um ano aos moradores do Bairro da Torre condena esses moradores a um sofrimento verdadeiramente indizível.
Temos, é certo, uma Constituição que até proclama formalmente o basilar princípio do respeito pela dignidade humana (artº 2º) e o direito à habitação (artº 65º). Como temos um sistema de Segurança Social que é suposto proteger os cidadãos das situações de infortúnio e garantir as condições de vida minimamente condignas àqueles que se encontrem em risco de se verem delas privados. Bem como tem o Estado o dever de garantir “uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” (nº 1 do artº 65º da Lei Fundamental). Sendo certo, finalmente, que incumbe ao mesmo Estado “incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas” [nº 2, al. b)].
E, todavia, rigorosamente nada disso se verifica no Bairro da Torre!
É uma vergonha e é um escândalo o que se passa actualmente naquele Bairro devido ao corte de electricidade imposto pela EDP. Mais do que isso, é um verdadeiro crime!
E tão culpados por esse crime são aqueles que directamente o cometem como todos aqueles que não apenas nada fazem para o evitar como até o perpetuam no tempo e nas respectivas consequências, cada vez mais dramáticas.
Por isso, também a este propósito, há que dizer: “Basta”.
A EDP deve repor de imediato o fornecimento de energia eléctrica de acordo com o sistema proposto pelos moradores e pela sua comissão. E a Câmara Municipal e o Governo devem disponibilizar todos os apoios sociais indispensáveis para acudir aos que se encontram em situação mais grave de falta de subsistência ou de saúde e para promover, a todos os níveis, a reabilitação urbana do Bairro!
Em nome da mais elementar Justiça e do respeito pela dignidade das pessoas que ali todos os dias (sobre)vivem.
Lisboa, 16 de Novembro de 2017
António Garcia Pereira
Bairro da Torre é um triste exemplo de como a Câmara de Loures trata os seus munícipes aqui para os lados de Sacavém. Mesmo nos bairros que a Camara considera de ricos e leva IMI’s a condizer, o abandono dói mesmo aos olhos dos menos sensíveis. Estou a falar na dita Urbanização Terraços da Ponte onde o mato, dejectos, pneus e lixo de toda a espécie cresce todos os dias junto à única escola pública mesmo em frente das habitações e mesmo ao lado de um Pingo Doce que não quer saber da higiene nem do perigo de incêndio. A junta de freguesia de nada quer saber mesmo apesar das queixas que recebe, tal como a Camara de Loures.
Todos sabemos que a higiene nunca foi o forte destas gentes a quem chega um banho por mês, mas o estado a que chegou uma zona que engloba também um centro de saúde, ultrapassa o imaginável e é cópia fiel do que se passa por este país fora.