Decorre um jogo. De alto coturno. Uma bota pesada pisa. É a história que decorre. Como noutras épocas, há sempre uma história do jogo. Esta é a história da efervescência.
Há cinco meses o mundo bulia. Como leite a ferver, subindo na cafeteira que o aquece. Prestes a derramar. Nas ruas de Santiago do Chile, de Barcelona, de Londres, no Líbano, a Paris com coletes amarelos, a uma jovem sueca, agitavam-se os gentios, em ebulição na espuma da água que enchia o copo, no leite que fazia derramar o comodismo. Não mais desta receita podre, gritavam. Os sentados no poder de alto coturno temiam aquela gente. Batiam no chão nervosamente. Como se atrevem? E os gentios cada dia com mais fome e menos medo juntava-se na Ágora.
Passaram cinco meses desde que o ano abriu as suas comportas efervescentes. Há dois meses que as botas pesadas de alto coturno não batem nervosamente. A Ágora silenciou. A Ágora fechada, enfrenta dois grandes sapatos rotos e uma meia esburacada.
O sapato da pandemia sanitária, que destapou o sapato da pandemia do desemprego e com ele a meia esburacada da pandemia da fome. Em dois meses apenas.
Proibiram os gentios de bulir em conjunto. Fecharam o gás que aquecia o leite. Tiraram o comprimido efervescente do copo.
Se me perguntam se os espíritos dos gentios também estão confinados, esses que enchiam as ruas de Santiago do Chile, ao Líbano, a Barcelona, a Paris, não estarão. Estarão em mais ebulição.
Calçaram a bota da barriga desfeita, a bota da cabeça quase esmagada e com efervescência descobrem como noutros tempos, quando fizeram cair outros impérios, noutras vidas, a criatividade de fazer uma história nova.
É esta a razão de Agustina Bessa Luís ter escrito “a esperança não é de todo uma atitude passiva”.
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Anabela Ferreira
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