Vou contar uma história. De um encontro. Não é um twitter. Tem mais de 140 caracteres. Se puderem leiam. Mas mais que isso, vistam-se da pele destas pessoas. Pensem na existência. A vossa.
E sobre a cultura. Exactamente aquele terreno onde se atiram sementes e um dia…nascem belas árvores com raízes fortes e seguras. A olhar para o horizonte sem fim. Que são os vossos filhos.
Venho de um encontro cultural onde se fazia um olhar sobre a existência. Entre dois, que somos cada um, fruto de um pai e uma mãe. No núcleo. Entre pessoas. Entre culturas diversas. Porque somos dois, somos muitos, entre culturas, em cada existência.
Uma convidada especial, uma senhora escritora senegalesa Agassi, a viver desde sempre em Bruxelas. Encantei-me com ela. De uma sensibilidade rara e poesia tanto nas palavras quanto nas histórias. Uma delicadeza e sabedoria que se adquire com as experiências de vida. Ficámos de nos reencontrar porque percebemos que a nossa conversa vai demorar a escrever-se. Tem muitos versos, em capítulos por concluir.
O assunto era a diversidade e as comunidades que vivem na Bélgica, de várias origens, que estão a conhecer África, parte integrante da sua cultura e origens. Com escritores entre vários outros artistas,jornalistas e tantas outras formas de existir e idades. Debateu-se o racismo, claro. Os vários tipos de discriminação. O que devemos fazer para conviver em paz e sermos melhores seres humanos com as nossas diferenças. Buscando conhecimento é uma das chaves, uma das razões do debate, uma das respostas.
A minha intervenção debruçou-se um pouco na História do Continente Africano, de como foi repartido no final da I GM por interesses estratégicos, do colonialismo, da escravatura e da separação que aí começou. E da minha própria existência, das lutas contra a discriminação e das questões que já tive sobre quem sou: entre Portugal (pai) e uma sua ex colónia(mãe) a terra onde nasci, com ramificações noutras.
Na sala entre várias nacionalidades era a única filha de um filho de um regime colonial que se revoltou contra o colonialismo e o fascismo em vigor, e a única que absorveu várias culturas e se sentia confortável com o facto de ser várias existências. Nem sempre foi assim. Porém de certa forma ultrapassei há alguns anos as questões que se levantavam ali. Hoje sei bem quem sou e quero ser. Sou a diversidade humana e tenho passaporte com identidade internacional. E estou confortável com tudo o que vem do meu núcleo inicial. Incluindo a cor castanha.
Digo isto não porque os outros não se sentissem confortáveis com as suas peles, mas porque ao ouvi-los um por um a questionar se devem saber mais sobre as suas origens e o distanciamento que alguns trazem delas, se são mais africanos ou mais europeus, disse-lhes que olhando para cada um deles me via tão diferente no entanto era um reflexo de cada um.
Somos nós como foi dito por um artista plástico branco de origem marroquina(pai) e judia (mãe). Contou ele que quando alguém o tenta colocar uns degraus abaixo da sua condição de igual, ele começa a resposta com um simples: “nós” colocando-se de imediato no lugar do outro como se ele próprio fosse racista esbatendo de imediato as diferenças que insistam em ter…
Naturalmente que precisei de contextualizar a contemporaneidade do tema.
Algures lá atrás na história humana sem qualquer humanidade-está cientificamente provado por provas dadas, que adoramos sangue, pela nossa genial e permanente arte de fazer guerra- decidiram que nós somos diferentes.
Para nos dividirem com rótulos como os tupperwares que colocamos no congelador: caril de galinha, falafel, cozido à portuguesa, sopa de legumes, cachupa d´atum, bóbó de camarão ou pratos congoleses, senegaleses e nigerianos.
Caixas iguais e conteúdos diferentes por isso colocamos rótulos. Necessários ou não.
No caso da História Humana não são apenas desnecessários como abusivos e incitadores de violência: somos o mesmo conteúdo em embalagens diferentes.
Usamos um veículo para as nossas viagens por aqui e esse veículo pode ser um ford, renault, fiat, bentley, tuk-tuk, bicicletas(as kardashians e o ronaldo usam ferrari). Quem guia tem o mesmo código genético.
Não precisamos de rótulos, mas precisam que os tenhamos para nos separarem, quando nós somos todos exactamente pequenos pedaços extraordinários da mesma unidade. Não estamos separados em nada.
Enquanto estivermos entretidos a fazer guerra uns contra os outros, os que criaram os rótulos e, os mantêm vivos, vivem extraordinariamente ricos e felizes.
Eu diria extraordinariamente infelizes porque lhes falta o sal. A massa deles talhou. E eu sinto pena dessa gente que é tão carente que nem Freud os iria conseguir entender.
Este filme que me continua a chocar chama-se racismo/discriminação:
-Contra pretos, brancos, indianos, hispânicos, árabes, gays e lésbicas, judeus, homens, mulheres, quantos mais rótulos houver maior as divisões, mais guerras, mais alargada é a base da manipulação, mais interesses obscuros se desenvolvem.
Inevitavelmente temos de continuar a falar do assunto diversidade que traz o racismo acoplado, para o conhecermos e erradicarmos.
Como a esquerda, direita,centro, divisões políticas contemporâneas. Mais uma vez o uso de rótulos para dividir.
Existe sim separação versus união. O papel da minha geração e das futuras é contrariar este caminho. Consciencializando-nos por seguir o caminho do “nós”.
Este foi o meu testemunho. Há sempre alguém que lê e que se reflecte ou que ganha com ele.
Como eu ganhei hoje ao conhecer os olhares das existências de Congoleses, Nigerianos, Senegaleses, Marroquinos, Holandeses, Belgas e outros. Cada um com uma história bela. De dor, discriminação, falhanço, sofrimento, alegria, sucesso. Iguais a todos “nós”.
“Between People” foi a musica (lindíssima) de músicos do Benin, que abriu o debate.
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