A salalé é uma formiga africana com a arte mais bonita de interdisciplinaridade entre arquitectura, design, engenharia e constução civil. A sua utopia é voar. Assim como os artistas. São almas moles em vidas duras que tanto sentem e constroem até que voam.
Os artistas têm por missão arejar as salas da vida não descansando quando estão a ser derrubados, sangrando feridos. Quando acontece – como está a acontecer neste tempo – é precisamente o tempo de elevação, de perder o medo e aumentar o som da voz.
Com a música, a literatura, o teatro, o humor, as formas de arte que não apenas curam como são o medidor da evolução da civilização. Voaram e fizeram Fernanda Lapa, Juvenal Garcês e Waldemar Bastos sem nunca terem silenciado o que devia ser dito e feito, cada um na sua linguagem. Foram soldados integrantes do exército de gente que fez o bem por bem.
Comeram o pão amassado pelo diabo e simultâneamente arejaram as nossas salas da vida construindo um mundo melhor.
Ter a arte como estranha escolha de vida é ser uma salalé. Eles foram. Deixaram um monte salalé com a sua arte.
“Está a chover salalé, está a chover lá for(ê), está a chover buê, vou fazer o quê?” diz a canção de Waldemar Bastos e, eu venho acabada de chegar de uma reunião da cúpula que nunca faz quinzena quanto mais quarentena, sentada nas sinapses neuronais no meu sotão. Mandei-os fazer um minuto de silêncio por respeito. Porque chove muito lá forê e eu cá dentro eu estou a chorar buê! Como todos, ando a ser sovada e assim perco toda a graça. Só que isso não me podem tirar. Nem os que me querem infectar com um vírus do medo, ou de uma doença que retire a poesia da vida. Nem as perdas que fazem doer. Que são aquelas vozes que fizeram o que tinham a fazer, beberam o cálice cheio e resolveram voltar a casa depois de me ensinarem que mesmo sangrando e feridos, sem medo, vamos ter de curar. São aqueles chatos que querem arejar os tapetes sujos e os cantos com cotão e, no outro lado da porta onde se ouvem os risos, estão os que dizem “merda! Aquelas salalés estão a querer estragar tudo, a sonhar com um amanhã melhor”.
São esses que me ensinam e se reerguem com a arte da arte e, na dor usam o tempo contido na vida, em lugar do tempo que têm de vida, fazendo-me sorrir, mesmo quando eu faço coro, “está a chover lá forê, está a chover buê, vou fazer o quê?”.
Já sei, em homenagem vou cantar escrevendo, uma chuva às salalés voadoras. Acompanhada do violão do Waldemar Bastos. Cada vez mais percebendo que sem arte a vida não vale a pena. Que a próxima pandemia seja a contaminação pela arte até construirmos um verdadeiro monte de salalés.
Anabela Ferreira
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