A luta dos estivadores do Porto de Setúbal, contra todas a manobras de cerco e de desestabilização de que foi alvo, manteve-se firme.
Por isso, e só por isso, os patrões portuários e o próprio Governo do Sr. António Costa (desde logo na pessoa da Ministra do Mar, Ana Paula Vitorino) pareceram finalmente aceitar que a precariedade laboral de dezenas e dezenas de trabalhadores portuários – que sempre tinham negado existir – era afinal uma realidade, bem como um escândalo e uma fraude, tendo sido posto por completo a nu que em particular a Operestiva estava a utilizar a contratação “à jorna” (por dia ou até por turno) para preencher necessidades permanentes, pagando remunerações de miséria e embolsando lucros de milhões.
Deste modo, na última sexta-feira 30/11, parecia mesmo – mas afinal só parecia… – que, após imensa resistência e inúmeras ameaças e insinuações, os patrões iriam aceitar a imediata integração nos quadros de 56 estivadores precários, e no nível salarial que era o justo e adequado face ao tempo desde que eles desempenham funções (alguns há cerca de 20 anos!!). E também a posterior e rápida integração de mais 27.
Mas o que fizeram então Diogo Vaz Marecos (o administrador português da Operestiva ao serviço da multinacional turca Yilport) e Companhia, incluindo nesta “Companhia” o próprio Governo?
Exigiram, como nova condição para fecharem o acordo, que o SEAL – Sindicato dos Estivadores e Actividades Logísticas pusesse de imediato termo à greve às horas extraordinárias que todos os estivadores com contratos permanentes filiados nesse Sindicato (e de todos os portos, que não apenas o de Setúbal) vêm levando a cabo desde 5 de Agosto (a greve dos precários em Setúbal começou apenas em 5 de Novembro). Isto, em protesto e em luta contra as discriminações e perseguições que os trabalhadores seus associados vêm sofrendo, quer em Leixões (onde são sistematicamente discriminados e retaliados no chamamento para fazerem turnos ou trabalho especializado, o que significa perdas salariais da ordem dos 50%), quer no Caniçal, na Madeira (onde todos os 25 estivadores filiados no SEAL enfrentam processos disciplinares visando o seu despedimento).
Trata-se, pois, de uma luta a nível nacional e, como se vê, distinta (embora com ela acabasse por confluir no início de Novembro) da luta dos estivadores precários de Setúbal.
Mas a manobra patronal consistiu precisamente em querer, a reboque da resolução da questão dos precários de Setúbal, impor também a paragem dessa outra luta anterior, cujas razões se mantêm inteiramente de pé, procurando assim forçar o abandono desses companheiros de Leixões e Caniçal pelos estivadores de Setúbal.
Naturalmente que o SEAL rejeitou esse verdadeiro golpe chantagista. Mas, ainda assim, propôs que se abrisse um período de 15 dias de negociações para serem abordadas, tratadas e resolvidas essas questões de Leixões e do Caniçal. Porém, exactamente porque o seu verdadeiro objectivo era o de não resolverem a questão da integração dos precários de Setúbal e, simultaneamente, atirarem com as culpas para cima do SEAL, nem essa proposta o Governo e os patrões aceitaram.
E eis que logo se (re)iniciou uma nova e gigantesca campanha de mentira e manipulação contra o Sindicato e contra os estivadores em luta.
Assim, ainda no próprio dia de sexta-feira 30/11, a Ministra Ana Paula Vitorino – que se ausentou durante 3 horas da reunião com o Sindicato e os patrões portuários e voltou a aparecer apenas para proclamar que “não estavam reunidas as condições para continuar as negociações em curso” – teve o desaforo de, perante tudo o que se passara, declarar para a Comunicação Social que a precariedade no porto de Setúbal só não tinha terminado naquela mesma sexta-feira porque… o SEAL não quisera e até o impedira!?
Os patrões, sempre pela boca do incontornável Diogo Vaz Marecos, trataram de reproduzir e ampliar essa mistificação e, como habitualmente, de acenar também com o espantalho da inviabilidade do porto de Setúbal e do possível encerramento da Autoeuropa.
Curiosamente, Governo (Ministério do Mar) e patrões (Operestiva), na sequência da inviabilização das citadas negociações, fizeram comunicados (só) aparentemente distintos, culpando o SEAL pela não efectivação do acordo, mas – rabo escondido com o gato todo de fora! – cometendo ambos significativamente o mesmo engano, ao referirem, falsamente, exigências do SEAL relativamente a Leixões e… não ao Caniçal, mas sim a… Sines!
Ah, como os enganos ou gralhas deste tipo são afinal bem reveladores do conluio de interesses entre Governo e patronato, conluio esse que já não apenas passa pela afinação das respectivas tácticas e pela reprodução do mesmo tipo de argumentário, mas até, e como agora bem se vê, pela própria redacção dos comunicados anti-sindicais!…
Por outro lado, uma legião dos habituais “fazedores de opinião” de imediato reproduziu igualmente e até à exaustão aqueles mesmos argumentos, pregando contra o SEAL e os estivadores de Setúbal. E até o actual bispo de Setúbal, José Ornelas – que saudades de D. Manuel Martins!… – se atreveu a arvorar-se em “especialista” de Direito do Trabalho para vir proclamar que a greve destes trabalhadores “roça o nível da inconstitucionalidade”!?
Trata-se, pois, de uma nova fase das velhas e conhecidas operações de manipulação e de intoxicação da opinião pública, mas que aliás têm sido levadas a cabo sempre que os estivadores entram em luta. Exactamente porque o exemplo de coragem, de solidariedade e de firmeza no sacudir de todas as pressões, ameaças e manobras se revela extremamente perigoso, sobretudo pelo “efeito de contágio” que pode produzir. E é precisamente isso que afinal justifica todo o encarniçamento contra esta justa luta dos mesmos estivadores.
É que, na verdade, ao olharem para este combate, logo patrões e governantes pensam, preocupados: “Ai se pega por esse país fora o exemplo e a prática de os trabalhadores não terem medo das chantagens patronais, enfrentarem as forças de repressão governamentais, ousarem solidarizar-se com camaradas de trabalho discriminados e/ou perseguidos e, sobretudo, não cederem a golpes, manobras e ameaças, visando levá-los a desistir da luta por aquilo que é justo!…”. E a luta dos bombeiros, por exemplo, é uma das que já está aí a rebentar…
A todas estes lastimáveis golpes e manobras soma-se igualmente, agora como sempre, a tentativa de apostar em sindicatos dóceis ou até directamente promovidos ou apoiados pelo patronato (que se prestem, por exemplo, a vir “lamentar a manipulação dos estivadores por parte do SEAL”) e jogar no divisionismo e na guerra entre associações sindicais de trabalhadores do sector.
Mas talvez o mais elucidativo exemplo do que é, e em que realmente consiste, toda esta miserável intoxicação da opinião pública, sejam os consecutivos discursos sobre a Autoeuropa e as contínuas referências à “penalização” para a respectiva produção, em virtude das greves, inclusive as da própria empresa (tendo mesmo, e num passado recente, os “especialistas” do costume chegado a falar em 5 milhões de euros por cada dia de paralisação).
Ora, sobre este “brilhante” argumento há que referir 4 pontos essenciais:
1º A greve é um direito e uma arma de luta colectiva, arduamente conquistada pelos trabalhadores, e que só faz sentido e só tem eficácia se tiver consequências. Greves inócuas e “higienicamente puras” que não acarretam quaisquer incómodos ou prejuízos para ninguém, agradarão decerto aos patrões e também aos governos que os servem, mas não participam de todo da verdadeira essência dessa mesma forma de luta.
2º Se uma greve apenas às horas extraordinárias por parte dos trabalhadores permanentes e uma greve/indisponibilidade para trabalhar por parte dos trabalhadores precários paralisa por completo um porto ou uma empresa, tal só pode significar que ali há claramente trabalhadores permanentes a menos e precários a mais do que deviam existir para fazer face a necessidades permanentes de trabalho. Que o mesmo é dizer que a contratação “à jorna” é uma autêntica fraude, mas uma fraude milionária para os patrões, que assim têm custos salariais muito mais baixos.
3º Se a Autoeuropa necessita em permanência de escoar, via porto de Setúbal, a grande quantidade de carros que produz, tal só reforça que as necessidades de trabalho de estiva desse mesmo porto têm um carácter regular e permanente, pelo que a contratação precária para preencher tais necessidades é completamente ilegal. Ilegais estão, pois, as empresas, a começar pela Operestiva, que têm este tipo de práticas, e não os trabalhadores que contra elas justamente combatem.
4º A natureza de classe antitrabalhador das opiniões do Governo, dos “especialistas” e comentadores do costume, fica completamente a nu quando se sabe que, de novo (em Outubro já tal acontecera também), a Autoeuropa vai, e desta vez durante 11 longos dias, paralisar a sua produção, devido não à greve dos estivadores mas sim à incompetência dos seus gestores que não souberam garantir atempadamente o fornecimento de peças ou componentes (neste caso, motores a gasolina) indispensáveis ao funcionamento da fábrica.
Mas aí já ninguém fala nas tais “penalizações” para a produção da Autoeuropa ou dos 5 x 11 = 55 milhões de euros que esta teria perdido, e muito menos sugere o despedimento com justa causa de tais incompetentes gestores, cujas “justificações” antes são fácil e rapidamente aceites…
Em suma, as lutas dos estivadores, quer contra a precariedade fraudulenta e ilegal no porto de Setúbal, quer contra as discriminações e perseguições nos portos de Leixões e do Caniçal, são inteiramente justas e devem prosseguir até alcançarem os seus objectivos.
E manobras como as agora ensaiadas por patrões e Governo não podem passar, e não passarão! Há que continuar o combate e levá-lo até ao fim.
Por isso, caros estivadores, e usando terminologia náutica: Toda a força à vante! Contra a exploração, a precariedade, a manipulação e a mentira.
António Garcia Pereira
Nota da Redacção: O presente artigo foi objecto de publicação duma nota do autor que pode ser lida aqui
[…] meu texto da passada quinta-feira 29/11, intitulado “Estivadores, toda a força à vante!”, cometi um erro que se impõe que seja […]