Eu tenho um sonho

Eu tenho um sonho de uma justiça que não seja apenas uma promessa inscrita na Constituição, mas uma realidade viva, sentida e aplicada a cada cidadão deste país, onde a justiça seja verdadeiramente justa, onde o Ministério Público e os Tribunais estejam ao serviço de todos, sem favorecimentos, sem desrespeito pelos direitos dos mais frágeis, sem abusos de poder ou distorções da lei. 

Sonho com um país onde a justiça seja sinónimo de confiança, de igualdade e de proteção para todos. Em Portugal a justiça há muito que está doente, há muito que enfrenta uma realidade que ameaça a sua própria essência. Um sistema judicial que, ao invés de se guiar pela imparcialidade e eficiência, tropeça em falhas, adia promessas e serve, muitas vezes, interesses obscuros. 

Não podemos esquecer, nem deixar esquecer, que o 25 de Abril nunca chegou à justiça ou, sendo ainda mais pragmático, o único 25 de Abril que a justiça conheceu foi as mulheres poderem aceder à magistratura carreira até então reservada exclusivamente a homens e, mesmo assim, passados 50 anos fomos confrontados com a afirmação da antiga Procuradora Geral da República, até prova em contrário uma mulher, num exercício mental mais que bolorento, afirmar que é um constrangimento ter muitas mulheres ao serviço porque engravidam.

Eu tenho um sonho de uma justiça que ponha fim ao atual estado de decadência, que devolva ao cidadão a confiança num sistema que deveria ser a base da democracia. Infelizmente, o que encontramos hoje são processos que se arrastam anos sem fim pelos bafientos corredores da bafienta justiça. 

Não vale a pena citar exemplos são muitos e, muito mais preocupante do que os processos mediáticos são aqueles que correm no silêncio das catacumbas judiciais sendo desconhecidos da população em geral, aqueles onde são cometidos tantos ou mais abusos do que naqueles que são conhecidos publicamente. O que encontramos hoje são processos com decisões contraditórias, um Ministério Público que, por vezes, se perde no emaranhado do sistema e compromete a sua missão de defender a legalidade.

Eu tenho um sonho de uma justiça célere

Sonho com uma justiça célere, onde cada processo seja resolvido em tempo útil, respeitando o direito do cidadão a uma resposta pronta e justa. Em Portugal, o sistema judicial é lento e extenuante, com processos que duram décadas, uma burocracia pesada e interminável que transforma os Tribunais em corredores de morte lenta. Esta morosidade é uma ferida aberta na confiança dos cidadãos. A demora não só agrava a angústia de quem espera justiça, como também mina a própria credibilidade do sistema. 

Essa lentidão tem causas profundas. A falta de recursos humanos e materiais nos Tribunais não pode ser a desculpa, também não pode ser desculpa o volume excessivo de processos e a sua complexidade. Em cada caso que se arrasta, há uma vida suspensa, uma história interrompida. 

Eu tenho um sonho de um Portugal onde a justiça se liberte das amarras, onde cada tribunal tenha os recursos necessários para funcionar com eficiência, e onde o cidadão não seja penalizado pela alegada falta de capacidade do sistema. É necessário investir na modernização? Sim! É necessário investir na formação? Sim! É necessário investir no recrutamento de mais profissionais que garantam que os processos avancem? Sim! Mas primordialmente é preciso exigir que cada investigação, cada inquérito, cada instrução, cada julgamento, cada sentença e, já agora, cada recurso, seja e tenha uma resposta célere à espera do cidadão.

Eu tenho um sonho de uma justiça acessível e igualitária

Sonho com uma justiça que não dependa da condição financeira de quem a procura, uma justiça acessível a todos. Em Portugal, o acesso à justiça tem, muitas vezes, um preço que muitos não podem pagar. As custas judiciais, os honorários de advogados e as despesas dos processos tornam-se barreiras insuperáveis para grande parte da população. 

Este sistema cria uma justiça desigual, onde quem tem capacidade financeira pode defender os seus direitos e os mais pobres ficam abandonados, sem recursos para se protegerem ou reclamarem o que é seu por direito. A verdadeira justiça deve ser um direito universal, não um privilégio exclusivo de quem pode pagar. 

Os cidadãos não se podem sentir intimidados ou excluídos por questões financeiras, todos têm de ter acesso ao apoio necessário para enfrentar o tribunal de igual para igual. O Estado deve garantir assistência jurídica gratuita e um sistema de custas mais justo para assegurar que todos tenham o mesmo acesso à justiça, independentemente das suas posses.

Eu tenho um sonho de um Ministério Público que seja imparcial

Sonho com um Ministério Público que realmente defenda o interesse público, que investigue e acuse com imparcialidade, e que seja um verdadeiro guardião da legalidade. Um Ministério Público que seja, mais que independente, verdadeiramente competente que não se deixe influenciar por pressões e agendas, muito provavelmente a sua própria agenda. Os abusos e a falta de critério na atuação do Ministério Público corroem a confiança dos cidadãos. 

Eu tenho um sonho de uma justiça onde o Ministério Público atue com responsabilidade, onde não se abuse da detenção para primeiro interrogatório, onde não se abuse da prisão preventiva, onde não se abuse das escutas telefónicas, onde não se abuse de tanta e tanta coisa. 

Sonho com investigações se realizem com o rigor e a urgência que cada caso merece cumprindo e fazendo cumprir os prazos que a Lei prevê, mas que os Tribunais subvertem criando o estranho e arbitrário conceito de que para o cidadão os prazos são para cumprir, mas para o Ministério Público e para o Tribunal os prazos são meramente indicativos. 

Cada cidadão tem o direito de confiar que o Ministério Público protegerá os seus direitos e não se tornará uma força de opressão ou perseguição injusta. Precisamos garantir a imparcialidade das investigações e uma atuação equilibrada, onde o interesse público se sobreponha a qualquer outro interesse, mas não se sobreponha a direitos, liberdades e garantias fundamentais.

Eu tenho um sonho de tribunais transparentes e imparciais

Eu tenho um sonho com Tribunais que sejam verdadeiros templos de justiça, onde cada juiz, cada magistrado e cada funcionário atue com integridade, transparência e respeito pelos direitos dos cidadãos. Em Portugal, a falta de transparência nas investigações, nas acusações e nas decisões judiciais é uma das maiores falhas do sistema. Sentenças contraditórias e decisões arbitrárias deixam os cidadãos confusos e frustrados, incapazes de compreender os critérios que guiam a justiça. 

Sonho com um sistema onde as decisões judiciais sejam claras, onde cada sentença seja explicada de forma acessível e compreensível. O poder judicial deve ser independente e livre de influências, mas também deve estar sujeito a um escrutínio que garanta a sua imparcialidade. 

Sonho com juízes que sejam responsabilizados pelas suas decisões, também pelas suas não decisões e onde existam mecanismos eficazes de fiscalização e ética. A criação de uma comissão de ética independente para avaliar as decisões judiciais e a atuação dos magistrados poderia ser um passo importante para assegurar que a justiça é realmente justa.

Eu tenho um sonho de uma justiça onde a lei seja respeitada

Sonho com uma justiça onde a lei seja cumprida e respeitada por todos, incluindo pelo próprio Estado. Em Portugal, o incumprimento e a adulteração da legislação por parte das próprias instituições que deveriam zelar pelo seu cumprimento são realidades que enfraquecem a confiança no sistema. 

O Estado, que deveria ser o primeiro a respeitar a lei, é frequentemente o primeiro a violá-la, ignorando sentenças transitadas em julgado e promulgando leis que desrespeitam os direitos dos cidadãos.

Eu tenho um sonho de um país onde o Estado seja exemplo de respeito pela legalidade, onde cada decisão seja tomada com o objetivo de proteger e garantir os direitos fundamentais dos cidadãos. Este compromisso com a lei deve ser a base de qualquer sistema democrático. As instituições devem ser obrigadas a respeitar a legislação e a dar o exemplo da integridade e ética que todos esperam.

Eu tenho um sonho de uma reforma estrutural do sistema judicial

Sonho com uma reforma profunda e corajosa do sistema judicial português, uma reforma que vá à raiz dos problemas e que seja orientada pela vontade de construir uma justiça digna. Durante décadas, políticos prometeram reformas que nunca foram concretizadas, deixando e permitindo que o sistema ficasse cada vez mais degradado. 

A falta de vontade e a cobardia política para enfrentar os interesses instalados é uma das razões que mantém o sistema judicial num estado de paralisia. Essa reforma deve ser ampla e incluir a modernização tecnológica dos Tribunais, a revisão das leis processuais, e a melhoria das condições de trabalho dos magistrados e funcionários judiciais. 

Sonho com um sistema onde cada tribunal esteja equipado com tecnologia de ponta, onde os processos sejam digitalizados e acessíveis, e onde os prazos para a conclusão dos processos sejam cumpridos. A digitalização completa do sistema pode aliviar a carga de trabalho e garantir uma justiça mais célere.

Eu tenho um sonho de um país onde a corrupção não destrua a justiça

Eu tenho um sonho de um país onde a corrupção não comprometa o funcionamento da justiça, onde os poderes e interesses não interfiram nos Tribunais, e onde cada caso seja decidido com integridade. Em Portugal, a corrupção é uma ameaça grave à justiça e à democracia. Casos de corrupção envolvendo figuras influentes são, frequentemente, adiados ou tratados com excessiva indulgência, o que cria um sentimento de impunidade e revolta.

Sonho com uma justiça onde a corrupção seja tratada com a seriedade que merece, onde o Ministério Público e os Tribunais investiguem e punam os culpados de forma célere e imparcial. Esse combate exige independência e coragem. É necessário garantir a autonomia do Ministério Público, reforçar as investigações e assegurar que a corrupção seja severamente penalizada, mas também é necessário responsabilizar e exigir responsabilidades ao próprio Ministério Público. 

Eu tenho um sonho de uma justiça que inspire confiança e onde ninguém, por mais poderoso que seja, escape à justiça. Esse sonho é mais complexo, é um sonho onde ninguém escapa à justiça, mas também onde ninguém é vítima da justiça.

Eu tenho um sonho de uma justiça como pilar da democracia

Sonho com uma justiça que seja o alicerce da nossa democracia, uma justiça que defenda os direitos e liberdades de todos os cidadãos. A justiça é, já o referi, um dos pilares fundamentais de qualquer sociedade democrática, mas, em Portugal, a situação atual ameaça gravemente a democracia e a igualdade de direitos. Quando os cidadãos perdem a confiança na justiça, perdem também a confiança no próprio Estado.

Sonho com um país onde a justiça seja verdadeiramente acessível, célere e transparente, onde os cidadãos possam confiar que os seus direitos serão protegidos e respeitados. Sem um sistema judicial que funcione, a democracia está incompleta e vulnerável.

Eu tenho um sonho de um povo que defenda a justiça

Sonho com um povo que lute por uma justiça digna, que exija reformas e que se una para construir um sistema judicial melhor. A justiça não é apenas responsabilidade dos políticos ou dos magistrados, é também responsabilidade de cada um de nós, enquanto cidadãos conscientes e participativos. 

Eu tenho um sonho de um povo que não aceite a corrupção, que não se conforme com o abuso de poder, e que exija uma justiça igual para todos. A justiça, afinal, não é apenas um conceito abstrato, é o fundamento dos direitos, a garantia de que cada cidadão será respeitado e protegido. 

Quando exigimos uma justiça melhor, exigimos que o Estado cumpra o seu dever, que respeite cada cidadão e que trate cada pessoa com a dignidade que merece. A justiça é o que permite a coesão de uma sociedade, é o elo que une os direitos de cada um de nós ao dever do Estado de protegê-los.

Eu tenho um sonho de cidadãos ativos e conscientes

Eu tenho um sonho de cidadãos que conhecem os seus direitos, que estão informados e que participam ativamente na vida cívica e política do país. A mudança começa em cada um de nós, no compromisso de não aceitar injustiças e de lutar pelo que é correto. Cada cidadão tem o poder de ser um agente de mudança, de questionar, de exigir transparência e de exigir a proteção dos seus direitos e dos direitos dos outros.

A participação cívica é fundamental para uma democracia saudável. Através do voto, podemos escolher representantes comprometidos com a reforma do sistema judicial e com a construção de uma justiça digna desse nome. Mas a participação cidadã não deve limitar-se ao momento do voto. Cada um de nós pode contribuir denunciando abusos, apoiando iniciativas de reforma, participando em movimentos sociais e cívicos, dialogando com as instituições sobre as necessidades de justiça que observamos.

Eu tenho um sonho de um sistema onde a dignidade humana seja prioridade

Eu tenho um sonho de uma justiça que coloque a dignidade humana no centro do sistema, que proteja os direitos dos mais vulneráveis e que seja inclusiva. Uma justiça digna é aquela que não ignora os que sofrem, que responde aos problemas da sociedade e que não serve apenas os interesses de alguns. 

O sistema judicial deve servir a todos os cidadãos e deve ser particularmente atento às necessidades dos mais frágeis e desfavorecidos, daqueles que não têm voz ou recursos para se defender. A justiça social é uma parte essencial de qualquer democracia. 

Sonho com um Portugal onde as vítimas de violência doméstica, os sem-abrigo, os trabalhadores explorados, e todas as pessoas que enfrentam injustiças sociais possam contar com um sistema que os proteja e que responda às suas necessidades. A justiça deve ser o refúgio dos que sofrem e o escudo dos que precisam de proteção.

Eu tenho um sonho de um país onde a ética e a integridade orientem a justiça

Eu tenho um sonho de uma justiça guiada por princípios de ética, de integridade e de compromisso com o bem comum. A ética deve ser a base de cada decisão judicial, de cada investigação, de cada sentença. Sem ética, a justiça perde o seu sentido, e o sistema judicial torna-se uma mera estrutura burocrática, desprovida de valores. 

Sonho com um sistema onde cada profissional da justiça — juízes, advogados, magistrados, funcionários judiciais — tenha como prioridade a proteção dos direitos humanos e a integridade do processo. A formação ética e deontológica dos profissionais de justiça deve ser uma prioridade. 

Sonho com uma sociedade onde os cidadãos possam confiar plenamente nos seus juízes e onde cada profissional da justiça seja um exemplo de retidão e de compromisso com o serviço público. Essa confiança só será possível com a implementação de normas éticas rigorosas e de mecanismos de fiscalização que assegurem que nenhum abuso passe impune.

Eu tenho um sonho de um futuro melhor

Sonho com um futuro onde a justiça em Portugal seja exemplar, um futuro em que outros países olhem para nós e vejam um sistema que realmente funciona, que serve e protege todos os cidadãos. Esse futuro depende do nosso presente, das decisões que tomamos hoje, da coragem de exigir mudanças e da responsabilidade de construir uma sociedade mais justa. 

Esse futuro de justiça só será possível se tivermos a coragem de enfrentar os desafios de hoje, de lutar contra os abusos, de exigir reformas e de construir, todos juntos, um sistema melhor. 

Eu tenho um sonho de uma nova geração que, ao crescer, saiba o que é viver num país onde a justiça não é uma ilusão, mas uma realidade presente e tangível. Em Portugal, a justiça pode e deve ser restaurada, renovada e respeitada. 

Eu tenho um sonho de que, um dia, cada português possa olhar para o sistema judicial com respeito e confiança. 

Eu tenho um sonho de uma justiça que dignifique o nosso país, que honre cada cidadão e que seja, verdadeiramente, digna desse nome.

Eu tenho um sonho, mas acordo todos os dias com o pesadelo que vivemos.

Jacinto Furtado

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