Fascismo, botas e democracia

Muita gente antes de mim já o disse e eu reafirmo, quando escrevo sobre política (tudo é política até contos e poesia), não pretendo que ninguém que me oprime e/ou esteja de acordo com quem oprime ou oprimiu seja influenciado ou mude a concordância por causa das palavras que escrevo.

Da bota que me pressiona o pescoço não espero nem peço o bom senso de se retirar.

Quero sim que alguém se identifique e entenda que não está só.

Como todos nós já encontrámos num livro, numa certa página da história, numa linha de um poema, numa música, num personagem, a subtileza elevada de partilhar um pensamento ou uma nota, que de ser tão humana, reflicta o nosso sentir – ” é isto que penso, exactamente”, “é assim que me sinto”.

Sobre o fascismo tenho uns foguetes a lançar, eu que nasci debaixo do som das balas entre os irmãos tugas e os turras, sendo eles o meu pai e a minha mãe, colonizada e colonizador, vivi com os avós colonizadores, que amavam antes de mais a neta preta que chegava e seria preparada para viver independente como se apresentava – menina e preta, num país fascista com ricas colónias de vida cosmopolita e evoluída relativamente ao país colonizador dentro das suas cordas, pobre, miserável, atrasado.

Um país, dois sistemas cheios de subtilezas, a maioria das quais ainda não é ensinada nas escolas –

(lembro que o botas apenas queria o controle orçamental, não havia investimentos nem na Educação nem nos serviços Públicos, Infraestruturas e Saneamento Básico – por exemplo, era comum as casas não terem casa de banho interior)

enquanto em África, mesmo as das províncias, não tinham falta de nada. Para os brancos, claro.

Uma das subtilezas foi evidentemente o racismo (lei até tardiamente no século XIX).

Vivi debaixo da censura, do medo de falar, do calcanhar controlador da Igreja, de não se poder ler certos livros, aqueles que o meu avô secretamente me dava para ler incluindo “Fátima Desmascarada”, sobre Humberto Delgado morto pela PIDE, falava-me das famílias protegidas, as que detinham os privilégios da banca e serviços comerciais (os donos disto tudo) e das grandes propriedades.

Claro que vivi na primeira pessoa os ataques racistas violentos e diários. Vivi no tempo das solas de sapatos gastas, da fome sentida por tantos, vivi o tempo de controlar gastos na vida diária para que chegasse tanto para aquecer quanto para comer. A maioria das vezes não chegava.

Sei o que digo quando digo que nos saltos da bota do desespero e da pobreza – ambos amados pelo Botas – eis que de novo espreita o calcanhar do fascismo.

Do pouco que sei, do muito que vivi e aprendi, desconfio que como um fascista de bem, que se preza e orgulha do seu fundo de bom Católico, impoluto, simplório, manipulador para manter os seus inimigos longe, torturador, grandiosamente orgulhoso com as suas colónias – por isso fantasiosamente orgulhoso do seus país a sós, vendendo rações de guerra aos nazis deixando a sua gente morrer à fome, este homem sentia ódio, tanto por aqueles que mandava para o Tarrafal e Caxias como os demais Portugueses que nem conhecia.

Creio com a fé religiosa que não existe em mim, apenas no meu sentir, o triste Botas sempre odiou os Portugueses.

Curiosamente muitos, em troca amam-no com paixão (a psicologia explica). Não há ninguém que não tenha vivido uma vida sem solas gastas ou tenha tido alguém com este passado de miséria. Foi só há 50 anos. Como o podem amar e desculpar e querer de volta esse Portugal?

Por ser um homem às direitas, sério e que não gastava mal o dinheiro (as barras de ouro que tinham vindo do Brasil?)

Poupem-me!

Esperem, não estou a pedir bom-senso às botas que me oprimem, não se esqueçam. Só vim dizer aos outros que pensam como eu, aqueles que não estão sós a pensar como eu.

Aqueles que estão na política e invocam o seu nome (como tantos católicos que invocam deus enquanto matam), não o amam, sabem quem ele foi e o que fez a Portugal, apenas se servem e usam a onda do desespero, como qualquer bom fascista. Que nada tem de bem ou de bom.

Odeiam-nos e desumanizam como fazia o botas. Isso é amor?

Amor não oprime, já ouviram dizer? Amor também não engana. Nem tortura e/ou manda matar quem pensa diferente.

Tenham um fim-de-semana em democracia. Aquele sistema que mesmo falho, doente e usado, é o único que está demonstrado, pensa nos humanos em liberdade. Naquele tempo só meia-dúzia tinha acesso à vida com privilégios.

Hoje voltou a ser assim. Por isso, ainda não vivemos em democracia. Precisamos continuar a ter a miragem de mais e melhor democracia.

Escolho a imagem de um mapa do mundo, com África em relevo, o tal continente que deu tantas riquezas a Portugal. O meu. A minha terra tanto quanto é Portugal.

Anabela Ferreira

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