Já em plena campanha das legislativas, muitos são aqueles (entre os quais bastantes democratas) que andam genuinamente alarmados com a possibilidade de o Chega atingir um resultado da ordem dos 17% a 20%, isto é, obter cerca de um milhão de votos nas eleições de 10/3.
Compreendendo embora as razões dessa preocupação, creio, porém, que não nos devemos deixar tolher por elas e antes entender que, para combater correcta e eficazmente a arrogância crescente dos fascistas, é absolutamente indispensável compreender este fenómeno e saber desmascarar a demagogia, o embuste e a mentira de que essa extrema direita populista, radical e caceteira, bem como os grandes interesses que ela defende, se alimenta para afirmar e crescer.
20% de votantes no Chega não são um milhão de fascistas
Antes de mais, convirá dizer que mesmo os eventuais 20% dos votos no partido de André Ventura significam, apesar de tudo, que há 80% no universo daqueles que podem votar (e mais de 90% da população em geral) que não se deixa levar pela propaganda fascista e pela lógica manipuladora da narrativa fácil, essencialmente dirigida aos que se sentem enganados e desesperados, do discurso pretensamente “anti-sistema” e “contra os corruptos” com que o Chega trata de angariar votos. E 80 ou 90% da população é – não o esqueçamos e não desistamos! – muita gente e uma excelente base de trabalho para quem queira verdadeiramente servir o Povo e combater os seus inimigos fidalgais. Mas, claro, esse combate não se desencadeia sozinho e exige de todos os democratas que nele se empenhem a sério.
Quem, e porquê, se deixa cativar pelo discurso do Chega?
Por outro lado, creio que constituirá um erro, e um erro grave, julgar que um milhão de votantes no Chega, para mais nas concretas circunstâncias em que nos encontramos, é sinónimo de que exista no nosso País um milhão de fascistas e passar a tratar e denominar assim tais votantes. A atrevida e muito activa tropa de choque do Chega tem, de facto, poderosos meios e apoios, em especial logísticos e financeiros, mas não passa (pelo menos para já) de uns quantos milhares de indivíduos. Os restantes são cidadãos comuns, profundamente descontentes e desiludidos, que se sentem (com muita razão, aliás) abandonados, enganados e traídos pelos Partidos e pelos dirigentes políticos tradicionais, os quais já pouco ou nada lhes conseguem dizer. E são esses cidadãos – que não são de todo fascistas e bastantes vezes até desconhecem as verdadeiras propostas do Chega ou não concordam com algumas delas – que estão muito vulneráveis e se deixam facilmente cativar pelo discurso, messiânico e bem-falante, dos “salvadores da Pátria”. Os tais que saltam da sombra, vezes e vezes sem conta, frequentemente levados ao colo pela Comunicação Social, gritando atractivas mas simplistas palavras de ordem como “isto é uma vergonha!”, “temos que limpar o País!”, “vamos acabar com os corruptos!”, etc., etc., etc.
Este tipo de discurso – profundamente ideológico, mas sempre disfarçado de neutral ou de não-ideológico (ao estilo da velha máxima salazarenta “A minha política é o trabalho!”) – é cativante, como, aliás, o conhecimento da História nos mostra e ensina, sobretudo em épocas de crise (política, social e/ou económico-financeira) e em que a memória colectiva e a preparação ideológica do Povo estão gravemente debilitadas e enfraquecidas. E cativa com relativa facilidade acima de tudo os deserdados da vida e os desesperados com a ausência ou iminência da perda de emprego condigno, com o despejo da casa, com a impossibilidade de assegurar a educação e/ou a subsistência alimentar dos filhos, com a falta de assistência na doença, etc.
Se a tudo isto se somar a destruição – que há muito vem a ser levada a cabo sem resistência digna desse nome por parte dos que se dizem progressistas – dos princípios da ética e da solidariedade, bem como do respeito e preocupação pelo outro, o caminho fica então por inteiro aberto para a cedência à demagogia, ao imediatismo do soundbite, à percepção do sucesso e do poder como legítimos e supremos valores a atingir por todos os meios, por mais ilegítimos e até brutais que eles sejam, e, porventura o mais grave de tudo, ao discurso do ódio para com aqueles que são convenientemente apresentados como os causadores de todos os males: os “outros”, sempre os horríficos “outros”, sejam eles imigrantes, ciganos, pretos, muçulmanos e/ou homossexuais.
Acções e organizações fascistas proíbem-se. As suas ideias, não!
Importa, aliás, sublinhar que se as acções e organizações racistas, fascistas e nazis são – e bem! – legal e constitucionalmente proibidas, e se, por isso mesmo, a manifestação nazi “contra a islamização da Europa”, marcada para o Martim Moniz no passado dia 4/2, foi correctamente proibida, desde logo pelo incitamento (aliás, amplamente divulgado pelas redes sociais) ao ódio e à violência, então também o deveria ter sido a “acção que foi marcada e realizada em sua substituição no Largo do Camões por vários promotores com Mário Machado à cabeça, não se compreendendo nem se aceitando essa contemporização.
É que a Democracia, precisamente à sombra da qual podem surgir, falar e intervir personagens como André Ventura e Mário Machado, tem que ter um limite. E esse limite é o de não admitir que anti-democratas possam usar as leis e os instrumentos democráticos, duramente conquistados pelos anti-fascistas, para destruir a própria Democracia e os seus valores fundamentais, tais como o do respeito pelos outros, e desde logo pelas minorias, sejam elas quais forem. Dito de outra forma, a Democracia pode e deve ser tolerante, excepto para os intolerantes que – como sempre fizeram ao longo da História – se querem servir dela para a destruir e instaurar em seu lugar as ditaduras mais autocráticas e ferozes.
Mas se organizações e acções racistas, fascistas e nazis são proibidas, as respectivas ideias não o são, nem o podem ser. Ideias, por mais erradas e injustas que sejam, não se extinguem por decreto, por medidas administrativas ou policiais ou pela eliminação física dos seus portadores. Combatem-se e derrotam-se pela dura, permanente, firme e fundamentada luta ideológica, denúncia, desmontagem e desmascaramento da demagogia, da manipulação, da mentira e do embuste em que se baseia a sua propaganda, como procurei fazer num artigo que publiquei em Janeiro de 2021 intitulado “Ventura a nu”.
Por isso mesmo, é também importante denunciar quem afinal ajuda e financia o Chega, e quem é por ele apoiado e elogiado.
Financiamento do Chega
Por exemplo, como é possível que uma campanha eleitoral como a do Chega, que exibe meios de milhões de euros (desde logo os gigantescos outdoors que foram colocados semanas e meses a fio em praticamente todas as cidades, vilas e aldeias do País) apresente para estas eleições um orçamento de uns “modestos” 700.000€? Quem são, o que fazem e que interesses servem os principais financiadores nacionais do Chega? E porque é que as entidades e autoridades portuguesas não investigam os apoios e mesmo os financiamentos internacionais do Chega? Desde os “gloriosos” tempos de Trump e Bolsonaro no poder, até às ajudas de partidos neo-fascistas europeus, como o Vox (que, conforme revelou uma recente investigação da revista “Sábado”, até já dá formação aos quadros do Chega em utilização massiva das redes sociais), os Fratelli d’Italia ou mesmo o Fidesz, de Viktor Orbán. A Entidade das Contas, que funciona junto do Tribunal Constitucional e que passa a vida a implicar com os pequenos partidos, fazendo-lhes exigências contabilístico-formais como se de empresas cotadas em bolsa se tratassem, porque é que não audita e investiga a fundo esta matéria dos financiamentos do Chega? E o pouco interesse por parte dos partidos da área do Poder nesta matéria será apenas distracção ou resultará de não estarem também muito interessados em que se investigue a sério o seu próprio financiamento? Já em Outubro de 2020 tinha chamado a atenção para esta questão num artigo intitulado “Pela Liberdade e pela Democracia – chega do Chega!”
Uma Democracia reduzida ao direito de voto
Acresce uma questão política fundamental, que é a de que, na verdade, as forças e os dirigentes políticos, que têm sido governo nas últimas décadas, acham, e praticam, que a Democracia se reduz à formalidade de os cidadãos meterem um boletim de voto numa urna, de 4 em 4 anos. E ainda que não só lhes é lícito começarem, na própria noite das eleições, a esquecer as promessas eleitorais que fizeram e com base nas quais conseguiram obter tais votos, como entenderem que, durante os próximos 3 anos e 364 dias, e porque foram eleitos, não têm contas a prestar perante os seus concidadãos daquilo que, em cada momento, fizeram ou deixaram de fazer. Esta prosápia dos que se dizem democratas, mas que se consideram donos dos votos que obtiveram e acham que não têm, e permanentemente, contas a prestar é, afinal, uma das melhores amigas do Chega.
Ora, o Povo só não se sente abandonado e até traído pelos titulares do Poder se ele, Povo, for chamado a participar e a intervir na totalidade das decisões que o afectam. Assim, o que os 80% ou 90% que acima referi devem sobretudo fazer é organizar-se, de alto a baixo da sociedade, constituindo ou revivescendo comissões de trabalhadores ou de moradores, associações cívicas, sociais, culturais e ambientais, impondo que a sua voz seja ouvida, que todos os problemas sejam por todos os cidadãos efectivamente debatidos, sem tabus nem discriminações de qualquer espécie, e que os seus anseios sejam realmente correspondidos.
Deste modo, importa mesmo discutir a sério a pertença de Portugal à Nato, à União Europeia e ao Euro, e respectivas implicações a todos os níveis: o estado da Justiça (em particular da Criminal, mas também, por exemplo, da Administrativa e Fiscal), o estado calamitoso a que foram conduzidos Educação, Saúde e Transportes, a desastrosa situação actual da Agricultura e das Pescas, as leis e as condições do Trabalho (designadamente em termos de segurança e saúde), os muito baixos salários e pensões, as horas extraordinárias não pagas, a impunidade do recurso (como ilegais ferramentas de gestão) à contratação precária e ao assédio moral no trabalho, o sistema bancário e a sua forma de funcionamento, bem como o papel da Caixa Geral de Depósitos, etc., etc., etc..
Numa Democracia como a que se pretende que seja a nossa, tudo pode e deve ser debatido e decidido pelos cidadãos. E essa é, simultaneamente, a nossa mais urgente tarefa e a única forma de tirar o tapete debaixo dos pés daqueles que, agora com peles de cordeiro, tratam de cavalgar o desencanto e o desespero para, assim que se apanharem no Poder, mostrarem o seu verdadeiro programa político – servir os grandes interesses financeiros (que agora dizem demagogicamente criticar) em nome da “liberdade” (de iniciativa económica), privatizar as empresas e sectores que mais rentáveis se mostrem, restringir e destruir, em nome da mesma “liberdade”, os direitos sociais e laborais e a protecção aos mais pobres fracos, criminalizar todas as formas de protesto social e perseguir e punir implacavelmente todos os opositores ou divergente políticos.
A importância da Memória!
Não tenhamos dúvidas de que é isso que André Ventura e o Chega verdadeiramente defendem e projectam, ainda que, agora e por mero tacticismo eleitoral, o procurem dissimular, sabendo nós como logo essa máscara cairá assim que não conseguirem mais ocultar o saudosismo pelo regime fascista e por Salazar e o seu Governo.
E é por isso (também) que convém sempre recordar que a “magnífica” sociedade do 24 de Abril – de que eles tanto gostam – era, na verdade, a de um país extremamente pobre, atrasado e violentamente oprimido onde a polícia política (PIDE) vigiava, perseguia, prendia, torturava barbaramente e assassinava (como sucedeu, entre muitos outros, com o escultor José Dias Coelho e o estudante José António Ribeiro Santos) os opositores ao regime, onde eram proibidas manifestações e greves, partidos e organizações políticas, e onde era exigido a todos os funcionários públicos que, antes da tomada de posse, assinassem uma declaração anti-comunista.
Um país onde a “política de paz” de Salazar mandou uma geração de jovens para a guerra colonial, onde cerca de 10.000 militares portugueses morreram, 30.000 ficaram feridos, 4.500 mutilados e mais de 100.000 ficaram a padecer de stresspós-traumático. Um país onde existia um enorme índex de discos, revistas e livros proibidos e onde todos os espectáculos e publicações (de filmes, peças de teatro, programas de televisão, livros e revistas) estavam sujeitos ao “lápis azul” dos coronéis da Censura Prévia.
Um país eminentemente rural, em que, ainda em 1970, apenas 47,35% das casas (pequenas, escuras e frias) tinham água canalizada e 60% ligação a esgotos e onde, só em Lisboa, mais de 90.000 pessoas apenas conseguiam (sobre)viver em miseráveis barracas.
Um país em que se negava legalmente às mulheres o acesso às magistraturas e às carreiras diplomática e militar, em que apenas 19% delas trabalhava fora de casa (e praticamente todas em profissões ditas “femininas”), em que somente as que tinham o ensino secundário é que podiam votar, em que todas as mulheres casadas precisavam de autorização dos maridos para ter um emprego, desenvolver um negócio ou viajar para o estrangeiro, e em que, para se poderem casar, enfermeiras, telefonistas e hospedeiras necessitavam de concordância do patrão, e as professoras de uma autorização especial do Ministério da Educação.
Um país onde não havia salário mínimo, os vencimentos eram baixíssimos e o trabalho, em particular na Agricultura, era de sol a sol, não existia Serviço Nacional de Saúde, a mortalidade infantil atingia o aterrador número de 40 crianças falecidas até o 1 ano de idade em cada mil, a taxa de analfabetismo era enorme (em 1970 mais de 25% da população não sabia ler nem escrever), sobretudo entre as mulheres (31%) e o Ensino Superior estava reservado a uma minúscula elite (apenas 3,78% da população entre os 25 e 34 anos conseguia obter uma licenciatura).
Um país do qual, também em fuga à ida para a guerra, mas sobretudo em busca de melhores condições, emigraram em menos de 15 anos (entre 1961 e 1973) cerca de 2 milhões de nossos compatriotas, onde a grande maioria dos portugueses comia sopa, pão e fruta (o consumo de carne e peixe era ínfimo) e onde grande parte das crianças deslocavam-se para as escolas, que se encontravam por vezes a quilómetros de distância, a pé, descalças, à chuva e ao frio.
Um país, enfim, em que a grande riqueza estava concentrada num muito pequeno número de mãos, em que 500 grandes latifundiários eram donos de mais terra do que meio milhão de camponeses e em que os principais sectores da economia estavam na posse de meia dúzia de grandes grupos monopolistas privados, vários deles de raiz familiar, como Champalimaud, Mello, Espírito Santo, Pinto de Magalhães, os quais dominavam os principais bancos, seguradoras, empresas de electricidade, siderurgia, refinação de petróleo, construção naval, transportes marítimos, indústrias químicas e extractivas, têxteis, tabacos, celulose e pasta de papel, etc., acumulando lucros fabulosos à custa da sobre-exploração de trabalho intensivo e muito mal pago.
Esta é, na verdade, a realidade do país “exemplar” que o Chega e André Ventura tanto admiram e defendem, sobre a qual tanto mentem e sobre o qual devem ser permanentemente confrontados, e que também deve ser pedagogicamente transmitida aos cidadãos comuns, seus potenciais votantes, em especial aos mais jovens, que não viveram essa realidade e a quem a respectiva memória não chegou como devia.
O paradigmático exemplo de Javier Milei na Argentina.
O exemplo de Javier Milei, na Argentina – que Ventura tanto elogia – é absolutamente paradigmático, e deve ser por nós conhecido e evidenciado: perante uma grave crise económica, financeira e política, a incapacidade dos partidos e dos políticos tradicionais e o profundo desencanto e sentimento de abandono da grande maioria do povo, aquele fascista apresentou-se às últimas eleições como um salvador da Pátria, que, sob o signo da liberdade, do desenvolvimento económico e da reposição da ordem e da tranquilidade, iria fazer o país sair da profunda crise em que se encontrava.
Com tal discurso demagógico, obteve a maioria dos votos e chegou ao Poder. Mas logo cessaram as “falinhas mansas” e as medidas que de imediato tomou, corporizadas no chamado DNU – Decreto de Necessidade e Urgência, e a serem ratificadas pela chamada “Lei Autocarro” (a pomposamente chamada “Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”, de 664 artigos, cuja proposta Milei enviou ao Congresso), consistiram nisto: desregulamentação dos arrendamentos habitacionais, drástica facilitação dos despedimentos, demissão dos trabalhadores que participem em greves, transformação das principais empresas públicas (mais de 40) em sociedades anónimas para posterior e rápida privatização, fim dos mecanismos de controlo dos preços de primeira necessidade (como os alimentares), definição (à boa maneira fascista) de manifestação a concentração de 3 (!) ou mais pessoas, e punição (com pena de prisão até 6 anos) dos organizadores de manifestações que impeçam o livre trânsito de terceiros.
Para poder executar toda esta verdadeira declaração de guerra ao povo argentino, Milei – que, com a ameaça de um plebiscito (à “boa” maneira de Salazar em 1933), chantageou o Congresso para aprovar as suas medidas – pretende ainda que seja declarado o estado de emergência política e económica até ao final de 2025, podendo tal medida ser prorrogada ainda por mais 2 anos!
É, pois, precisamente assim – não o esqueçamos também aqui, em Portugal! – que os fascistas, e em particular os fascistas modernos, travestidos de “democratas”, actuam!
O “combate à corrupção”
Por outro lado, a questão dos “telhados de vidro” dos partidos tradicionais da área do Poder é outro dos problemas centrais na falta de um combate ideológico consequente à demagogia do Chega e de André Ventura. Estes, (apenas) porque sabem ser esse, compreensivelmente, um tema que muito preocupa e repugna a maioria dos cidadãos, passam agora a vida a falar no combate à corrupção.
O programa eleitoral do Chega, de 175 páginas e pomposamente intitulado “Limpar Portugal”, tem no seu primeiro capítulo, intitulado “Limpar Portugal da corrupção”, 21 medidas. Destas, umas nada têm que ver com o combate à corrupção (19, 20 e 21), como as referentes à composição do Conselho Superior da Magistratura, às avaliações dos juízes e à publicação das sentenças, e outras não passam de declarações genéricas sem qualquer conteúdo, como “reforço de meios”, “optimização da capacidade de cooperação” e “reforço na formação de magistrados” (1), “ampliar a incriminação de (…)” (3), “promover um sistema eficaz de reintrodução dos valores apreendidos na economia” (5). Outras medidas – em particular as de inspiração “bolsonarista”, como a delação premiada ou o aumento de penas para crimes contra o património – são justiceiras, mas ou inconstitucionais ou ineficazes, ou ambas. E todas mantêm intacta a essência do fenómeno da corrupção, que reside na concepção, e na prática de décadas dos partidos do Poder, de considerarem a “coisa pública”, ou seja, as estruturas da Administração Pública e as empresas do sector público, como saborosas fatias de um bolo, não a atribuir por mérito, mas sim a distribuir por amigos político-partidários e/ou familiares.
Ora, como é evidente, precisamente por esta razão não são essas forças políticas que estão agora em condições de criticar consequentemente as posições de André Ventura no combate à corrupção, para mais sendo este um “especialista” (e como se tem visto nos debates eleitorais, com a mais extraordinária conivência de grande parte dos jornalistas, interessados, ou feitos interessar, sobretudo na acrescida audiência que uma “peixeirada” possa significar e chegando ao cúmulo de lhe dar mais tempo de antena do que aos adversários…) nas viciosas técnicas da interrupção sistemática do adversário (nos 3 primeiros debates, em média, Ventura interrompeu, de 15 em 15 segundos, o seu antagonista quando este estava a falar), do ataque pessoal, da mera “boca”, da artimanha do atirar para o ar uma afirmação geral com a qual, em abstracto, toda a gente concorda (do estilo: “nós, Chega, queremos combater a corrupção” ou “queremos apoiar os velhinhos”), para logo depois procurar confrontar o adversário com uma pergunta, feita de chofre e em tom provocatório-sensacionalista (do estilo: “mas afinal não concorda com isto?”) e da produção em rajada de falsidades e contradições com o que disse na véspera. Em suma, da completa e mal-educada demagogia e ausência de debate sério sobre o que quer que seja.
Assim, chamar os cidadãos à participação cívica mais intensa, promover a sua intervenção nos processos de decisão a todos os níveis, defender e praticar a basilar exigência democrática da prestação de contas por parte de todos os que exercem qualquer tipo de poder, exigir e praticar uma séria demarcação quanto a todas as condutas e posturas erradas, a firme preservação da memória colectiva acerca de como sempre actuaram e actuam os fascistas, a explicação e pedagógica denúncia (implacável e fundamentada) das demagógicas e mentirosas posições e propostas do Chega, eis o único caminho que permitirá arrancar a pele de cordeiro e travar o passo à verdadeira “matilha negra” de André Ventura e quejandos!
António Garcia Pereira
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