“Fechou o posto médico, o que mais se irá seguir?”

827707Verificação: PS e PSD prometeram na campanha autárquica que as extensões de saúde não encerrariam. Os idosos foram empurrados para o “fim da linha”, e o encerramento dos antigos postos clínicos segue por um caminho sem retorno. A Administração Regional de Saúde continua a “estudar” o assunto.

O futuro das extensões de saúde foi o tema mais quente da campanha para as eleições autárquicas em Castro Marim e Alcoutim, dois dos concelhos mais pobres do país. O assunto dominou a campanha, com todos os candidatos a jurarem defender a permanência dos serviços e até com o PS e PSD de aparente acordo neste tema.

Ainda os ecos dos altifalantes da campanha eleitoral se ouviam nos ares, já a Administração Regional de Saúde (ARS) do Algarve, pela calada, mandava encerrar as extensões de saúde do Azinhal, Odeleite e Vaqueiros. Assim aconteceu a primeira negação das promessas feitas aos eleitores. A população respondeu com uma manifestação à porta do edifício da ARS, em Faro, exigindo a reabertura dos antigos postos clínicos. Decorridos quatro meses, as dúvidas continuam sem resposta e os idosos sentem que estão a ser empurrados para o “fim da linha”, mas não desistiram de lutar.

O presidente da câmara de Castro Marim, Francisco Amaral, PSD, reconhece a impotência dos municípios para resolver o problema da falta de médicos na periferia. “Estou cansado de participar em reuniões, não há quem decida”, desabafa. Pelas gargantas da serra correm de mansinho as águas que vão ter ao Guadiana, o rio que une duas das zonas das mais deprimidas de Portugal e de Espanha. O nordeste algarvio está a ficar cada vez mais despovoado. “Fechou o posto médico, o que mais se irá seguir?”, pergunta, em tom crítico, o presidente da junta de freguesia de Odeleite, Valter Matias, PSD, lembrando que esta freguesia é a “única” do interior do concelho que ainda tem escola primária a funcionar. Por este andar, desabafa: “morre por completo o interior do país”.

O vogal da administração da ARS, Miguel Madeira, uma semana antes das eleições, em declarações à imprensa, admitira que estava “em estudo” o eventual encerramento das extensões de saúde destes dois concelhos. Os candidatos da oposição, como seria de esperar, dispararam contra o Governo e o PSD.

À cautela, a ARS optou depois por não mandar encerrar, avisando no entanto que não seria de descartar essa possibilidade a partir de Outubro. A ameaça concretizou-se em Odeleite no dia 14 de Outubro, nas vésperas de Valter Matias assumir o cargo de presidente de junta de freguesia. A decisão foi justificada pela necessidade de reorganizar e “prestar serviços de qualidade” à população, a partir da concentração dos meios nas sedes dos concelhos.

O médico Francisco Amaral defende que o Serviço Nacional de Saúde não se pode afastar de quem mais precisa. “Temos de estar ao lado das pessoas, e não pensar que um computador resolve todos os problemas à distância”, diz. Este autarca, durante as duas dezenas de anos em que foi presidente do vizinho concelho de Alcoutim [trocou de município, nas últimas autárquicas, por imposição da lei da limitação de mandatos], fez da medicina uma arma política. Quando a administração central tentou encerrar os postos clínicos mais afastados do concelho, no Governo do Partido Socialista, pôs o município a comparticipar nas despesas da saúde, agarrou no estetoscópio e passou a dar consultas gratuitas nas aldeias. Agora, apesar de garantir que não vai “cruzar os braços” na nova batalha que trava contra o ministério de Paulo Macedo, parece pouco convicto no êxito que possa vir a alcançar.

“Não há garantias de reabertura das extensões de saúde”, foi a conclusão que tirou da audiência que teve com o ministro da Saúde, há cerca de duas semanas, no âmbito de uma deslocação a Lisboa de uma delegação de dirigentes da Comunidade Intermunicipal – Amal, destinada a dar conta da “crise” que se vive nos hospitais de Faro, Portimão e Lagos, onde 370 médicos subscreveram um abaixo-assinado contra a falta de recursos humanos e de material necessários para garantir o bom funcionamento destas unidades de saúde.

À porta do edifício da Extensão de Saúde de Odeleite encontra-se um aviso, a indicar que os utentes podem dispor da vacina anti-gripe, naquele local, a partir de 15 de Outubro – não chegou a acontecer. Por coincidência, foi o dia em que fechou o posto médico. Valter Matias acrescenta mais um facto a esta data: “Foi o dia em tomei posse como presidente de junta de freguesia, e nas vésperas recebi a carta da ARS a anunciar o fecho da extensão de saúde – aproveitaram o momento do vazio de poder, saía um executivo, entrava outro [por sinal, ambos do PSD]”. O acesso a uma consulta implica agora apanhar o autocarro às 7h05, e só regressar a casa na única carreira às 19h30. Mas as dificuldades não se ficam por aqui. “Há uma meia dúzia de montes espalhados pela serra, alguns a mais de 20 quilómetros de distância da sede de freguesia, onde vivem pessoas idosas e doentes”, sublinha.

Um relatório, uma esperança Para discutir a eventual reabertura dos postos clínicos, realizaram-se quatro reuniões entre as autarquias e os representantes do ministério da Saúde. O resultado a que chegaram, informou o gabinete de imprensa da ARS, “consta de um relatório que vai ser enviado à tutela”.
No que diz respeito a Odeleite, Valter Matias diz que foram “levantados uma série de problemas relacionados com a necessidade de fazer projectos que vão desde a acústica até às condições térmicas do edifício”. O presidente da câmara de Alcoutim, Osvaldo Gonçalves, PS, por outro lado, diz acreditar que é possível a reabertura das extensões de saúde”.
Caso contrário, sublinha, “não valeria a pena o trabalho feito de levantamento das necessidades”. Em causa está a extensão de saúde de Vaqueiros, que deverá ser deslocada para o edifício de uma antiga escola primária. As obras de adaptação estão avaliadas em cerca de 90 mil euros.

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