O fascismo é uma arte. Uma arte mágica – a arte de colocar antolhos em quem ouve sem que se aperceba. Enquanto os ouvidos ouvem, os olhos são distraídos para outro lugar. É a arte de bem mentir, de bem manipular, de bem controlar. Aviso desde já que nem é fácil nem deve ser experimentada em casa, a bem da sanidade da família.
É a arte nas mãos de um criminoso. É arte levada ao extremo do crime. Quanto mais criminoso, melhor, diz de si -“fascista bom é fascista vivo”. É o artista destemido que sem hesitar deita ao lixo todos os direitos, inspirando a convicção de que reside em si a solução para problemas que são problemas, mas a ele, tanto se lhe importa como se lhe deu.
Apenas lhe interessa ser e aperfeiçoar o articulado e carismático contador de histórias, dissimulando a verdadeira cor da sua alma, ansioso por controlo e poder.
Ser um artista fascista é não ter qualquer relação com a autenticidade. É antes a perfeita disritmia. A dissonância cognitiva para quem o acolhe e aceita. O artista sabe bem disto. Por isso não deve ser perdoado.
Ser um bom fascista é ter auto-respeito, como autêntico criminoso, quando se vê ao espelho.
Faz uma vénia ao absoluto desrespeito pela desumanização da vida de um ser.
Aos poucos, de convincente amoroso, deixa de ser molinho e simpático para se mostrar autoritário, vingativo, convencendo os acólitos, que não basta dizer o que dói, é preciso com autoridade impor mais força, opressão e ordem, com determinação, pela repressão, usando as forças de segurança e polícias, oferecendo-lhes poder de prender, de forma aleatória, fazendo uso dos cassetetes e de outras armas de persuasão sobre o que inventou causar a dor. Não a causa verdadeira.
Quando a sociedade estiver arregimentada e a economia dominada pelos seus interesses, o fascista sabe que a sua arte e obra estão prontos. Usou a corrupção para combater a corrupção.
Quem a ele se opõe, morre, desaparece. Proclama sentenças de morte de qualquer projecto que o contradisser. Um bom fascista é o artista da arte de mandar.
Mandar matar, mandar morrer, mandar prender, mandar torturar, mandar ser obediente ao que ele quiser. A liberdade está com ele, apenas ele, e essa vadia é nada mais que a sua verdade. Assim fala Deus. Seja o seu deus católico ou evangélico. Está vendido ao Deus que lhe der mais jeito.
Por dentro, o artista do fascismo acredita que é Deus.
O fascista como bom artista da arte da manipulação, de professado narcisismo, adorador do seguidismo e da obediência sabe que as massas têm tintas que não são seduzidas pelos desejos de liberdade, de pensamento crítico, de decisão autónoma. Precisam de um bom líder que os governe e lhes dite os rumos.
Há corrupção? Há! Isso é uma frustração? Claro que é! Vai o artista do fascismo combater os males? Vai! Retirando todos os bens. Controlando todos os Bens.
Tem sempre muitos inimigos, logo todos devem ser combatidos para proteger o líder.
Democracia, Liberdade, gente que não lhe agrade, que o perturbe no caminho para o poder são baratas a esmigalhar.
Infelizmente para quem lhe deu o amado presente do poder sem nunca retirar os antolhos, verifica mais tarde que o quadro pintado era vazio de vida.
Todos os comensais ao lado do fascista e/ou as eminências pardas seguram o pedestal apenas para se servirem, engrossando as suas cinturas.
O bom artista fascista de humanidade não sabe nada, apenas de controlo, poder e amor por si próprio. Não ama ninguém, nem consegue amar. Talvez ame um gato, ou um fiel cão. Talvez ame pintar. Pode até se comover com boa música e outras boas artes. É humano até certo ponto, apenas em defesa dos seus interesses.
Sabe também algo muito importante – um bom fascista nunca morre. Fica como o herpes – dormente, oportunista, esperando uma fraqueza no sistema imunitário para aparecer e se impor. A seguir a ele, alguém nascerá que o represente, falará bem dele e dele bem fará.
Há na História vários retratos de gigantes fascistas. De quem levou a sua arte aos extremos, realizando obras-primas.
Lembram-se de alguns “artistas” semelhantes?
Alguém do partido muito bem representado na AR procurando descredibilizar o que eu argumentava em jeito de luta na lama, na qual não participo por defeito e princípio – sou intolerante para com intolerantes, fascistas por definição – questionou-me se eu conseguia definir um fascista. Apoiada em dados históricos, escrevi este texto.
Dedicado especialmente ao homem cujos sonhos húmidos e recorrentes desde mil novecentos e setenta e quatro, se concretizaram na figura do novo e digno de asco, vice- presidente da Assembleia da República, nesse lugar conquistado aos cinquenta anos do 25 de Abril 74, que partilha o seu amor pela arte do fascismo com o presidente do seu partido, afilhados de alma de um fascista passado.
Tenho uma dúvida – não sei quem é quem. Qual é o chefe qual é a eminência parda, quem é o mago, quem é o ventríloquo. Num orgasmo único, em simultâneo, eis que celebram a Páscoa em extâse, renascidos.
Nós que por cor, pensamentos, ideias, género, grupo étnico ou religioso, oprimidos e reprimidos por fascistas (ver descrição em epígrafe), sabemos o que nos dizem os antepassados num provérbio africano – “por mais longa que seja a noite o sol irá nascer”.
Porque foram os povos oprimidos que depois de quinhentos anos intoleráveis, libertaram também, há cinquenta anos, o povo opressor que vivia sob a bota encardida do seu fascista terrorista.
Que afinal ainda muitos parecem amar, ou estar debaixo do seu feitiço.
Que a Páscoa traga renascimento das trevas. Da noite se faça dia.
Anabela Ferreira
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