Foi feitiço que nos fizeram? (por Anabela Ferreira)

BULLSHITNa próxima campanha eleitoral vou-me sentar em frente ao parlamento com um cartaz:

Preciso de dinheiro (não de trabalho) para colocar numa conta na Suiça, passeios, carros, casas, roupa de marca, sexo, drogas e rock.

Pelo menos não vos estou a n´rolar!

A partir dos cinquenta ( anos cheios de cores e a maturidade oferecida pelas experiências) conseguir trabalho, esta imposição nascida com a Revolução Industrial (no ténue equilíbrio de laborar oito horas e receber o justo para pagar uma linha mais ténue além da sobrevivência) é hoje uma miragem num deserto seco sem oásis. O Holy Grail.

Trabalho…

Das 9 às 5 ou por turnos. Apenas por dinheiro…imposição esta saída de uma mente ainda mais brilhante que a de Einstein.

Porque nos relativizou a vida.

Mas alguém se pergunta porque razão precisamos desta imposição e desta pescadinha de rabo na boca? 

Quando esta resposta for uma epifania na mente de cada um teremos uma mudança significativa da vida.

Encontrar trabalho é entrar no mundo sado-maso. Muito suado. Sem bom sexo e menos ainda com orgasmos. Sobretudo quem não goza com prazer misturado com dor.

Os alarves a comer tudo.

Nesta mesma idade é como conseguir elogios: só se forem os gajos das obras a olhar e a manifestarem-se alarvemente. 

O trabalho esse, só se for em lugares e tarefas onde a exploração de homens pelos seus semelhantes se tornou a poesia corrente. 

É esta a nova normalidade no mundo laboral ?!. Na maioria sim.

De preferência querem várias variantes de escravatura sem o grilhão no esporão:

-trabalho pro-bono e se o trabalhador tiver a bondade e a boa vontade de aceitar ainda se riem. Mais um “operário em construção” que se deixou enganar. Se não aceitar e se mostrar indignado, é julgado como arrogante e com “a mania que é melhor que os outros”. 

Se protestar…o colaborador (nova nomenclatura) é dispensado. 

Direitos? Por favor, em que mundo é que vivem? Têm a sorte de ter trabalho…

Depois de 8 horas seguidas e extenuantes de trabalho em pé a servir 150 pessoas, para receber €5,00 à hora, a 60 dias, ter direito a ir à casa de banho, descansar 10 minutos, fumar um cigarro e comer qualquer coisa…é direito que não assiste ao “colaborador”.

Trabalhos, formação, estágios sem qualquer remuneração e apenas uma pequena participação nos transportes e uma bolsa de subsistência de cento e poucos euros. Pagamentos a 60 dias. 

Este é o pão de cada dia num venha a nós um reino orgiástico de patrões desumanos que se alimentam das fragilidades.

Iguais aos governantes que se governam através das fragilidades.

E as experiências continuam, por necessidade, por comida. 

Aos seres humanos deveria ser permitido apenas engolir alguns sapos mas só até à garganta. Jacarés, nem pensar.

Os patrões usam o pequeno poder que têm de mandar o croquete para a travessa do rissól se entender que o trabalhador vive acima das possibilidades ao querer ir fazer xixi no final de duras e longas horas sem parar, ou quem sabe provar uma chamuça antes de morrer com a fraqueza. 

Ninguém se atreve a pedir licença para descansar. Ninguém se atreve a sentar. Mesmo que se esteja a arrastar. Ninguém se atreve sequer a trocar uma palavra com o colega. Menos ainda alguém se atreve a responder a humilhações e a contestar.

A estes chefes, incapazes de saber o que é liderança, espera-os com certeza uma medalha por serviços à Nação no 10 de Junho. 

O medo vence neste jogo do campeonato do poder.

Assim querem que pensemos:

Antes ser explorado que não ter emprego…

Antes ser humilhado que não poder comer uma carcaça cheia de químicos. 

Não prestamos para nada. 

Se estivermos cansados somos moles e não temos valor nenhum. 

Se somos despedidos a culpa é nossa. 

Nós é que não servimos! 

E nós…aceitamos e acreditamos. 

E os “colaboradores” por medo de perder a miséria calam. 

Deixámos de querer o direito à vida,passámos a desesperar pelo direito à miséria. 

E num toque profundo de Midas transformámos a exploração do nosso semelhante no ouro moderno. 

Este capitalismo mata. É genocídio. É um atentado aos direitos humanos. É a Al Qaeda autorizada, consentida, fomentada pelos Estados que nada têm de direito. E os soldados (os políticos do regime global) ao serviço das corporações são treinados para matar sem contemplações. 

O saque de ouro. 

Este é o mundo com que se confrontam milhares de pessoas independentemente das faixas etárias. Em Portugal e no mundo onde as empresas que criam empregos, se “esqueceram” que são as pessoas que as fazem ganhar estatuto e cotação nos mercados.

Capitalismo e consumo a pescadinha de rabo na boca que nos obrigam a comer. Crua. A guarnição é a pedra que se senta no estômago e provoca a obstrução que leva à morte por asfixia.

A Europa tornou-se um lugar de medo. Deixou de ser seguro viver nesta desunião de facto. O companheiro revelou-se após os primeiros tempos de sedução e charme, num homem inseguro e dominador, usando a violência para humilhar e controlar, porque incapaz de o conseguir naturalmente.

Diz à sua vítima que a ama e que quer o seu bem, mas que de facto sozinha ela não será capaz de vingar, porque não presta, não sabe resolver os seus assuntos, nem tem capacidade para o fazer sozinha.

Aliena a vítima, coloca-a em isolamento, medrosa, dependente, submissa,vulnerável. Em profunda solidão. 

Mesmo querendo e gostando, eu, já não estou nada bem com o caminho prescrito. O amor nesta união não morreu de morte natural, morreu porque determinaram que seria para morrer. Nem deixaram espaço ao meu livre arbítrio.

Recordo-me da minha vida em África e os passeios quinzenais ao Kruger National Park. Paga-se um bilhete à entrada, recebe-se um saco de papel para os restos do que se comer no carro, uma vez que dele não se pode sair sem ser nas áreas próprias e adentramo-nos no parque a observar a vida selvagem no seu meio ambiente natural.

Sinto-me uma bambi faminta e vulnerável prestes a ser devorada pelo predador mais próximo. O melhor momento da visita ao parque será sempre o de um predador a apanhar uma presa e com ela se refastelar. Enquanto a presa é observada pelos algozes nos carros que passam. 

Eu caída na armadilha nem pernas tenho para correr fui ferida no primeiro combate. Mas não morro sem luta. 

Não serei comida sem ficar encalhada com um osso num dente do predador. Um dia quem sabe o predador engole o seu próprio veneno. 

Quem sabe os predadores nas eleições vão engrossar as fileiras do desemprego.

Esses sim no desemprego por para nada prestarem. E não me peçam referências para o próximo emprego.

Que mal fizémos para merecer esta gente e este karma histórico de lutas por poder?

Todos temos um lado obscuro e um lado de bondade. Todos nos precisamos de no outro nos reconhecer.

Esta gente por infortúnio, dolo e por querer, não descobre nenhum lado bom. É patético e é só em nós, as frágeis vitimas, que vai continuar a doer.

Perguntem-se para que serve o trabalho. Para que serve o dinheiro. Para quê ser escravo desta pescadinha de rabo podre. A envenenar-nos pela boca.

Nem fazemos o que gostamos, nem gostamos do que fazemos. É isto liberdade? É isto viver?

Perguntem-se e a vida para que serve? 

Se somos “operários em construção” na construção que é a vida, por que razão seremos nós próprios os construtores de operários sem vida?

Enquanto eu puder confiar na minha voz vou-me revoltar, denunciar, protestar.

E desobedecer. Desobedecer. Desobedecer.

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