Conhece as entranhas da Justiça e sabe o que há de bom e pode melhorar, e o que tem de mau e deve ser eliminado. Experiente e respeitada pelo brilhantismo e profissionalismo, procuradora há mais de 30 anos, ocupou nos últimos oito anos um dos cargos mais importantes do Ministério Público, como procuradora-geral distrital de Lisboa, responsável pelo maior dos quatro distritos judiciais do país. Acreditando que a Justiça deve ser transparente e prestar contas, foi pioneira ao criar um site onde se reporta diariamente a actividade do Ministério Público.
Dirigiu igualmente o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, onde antecedeu Maria José Morgado, e esteve, nos anos oitenta, na Alta Autoridade contra a Corrupção. É casada com o professor catedrático da Universidade de Lisboa Eduardo Paz Ferreira, especialista em Direito Fiscal e Finanças Públicas.
“É uma magistrada altamente qualificada e de uma honestidade a toda a prova”, resume Alberto Pinto Nogueira, antigo procurador-geral distrital do Porto, que trabalhou com Francisca Van-Dúnem na Alta Autoridade contra a Corrupção e no Conselho Superior do Ministério Público. A violência contra os idosos e a violência doméstica são dois temas que lhe são caros.
Apesar das funções de relevo que tem vindo a ocupar nos últimos anos, Francisca Van-Dúnem tem primado sempre pela discrição. Basta comparar a diferença de comportamento entre ela e os arrogantes magistrados que se ocupam da Opereta Marquês que se julgam superstars e donos da justiça, com a benção agora temporária da titular da PGR. É de prever que muita coisa vai mudar.
Depois de completado o liceu em Luanda, veio para Portugal em 1972 com 18 anos para tirar o curso de Direito. No ano passado, concorreu aos lugares existentes no Supremo Tribunal de Justiça para procuradores e ficou em terceiro lugar, podendo ainda vir a ocupar um lugar de juíza conselheira se entretanto abrirem vagas.
Foi representante de Portugal no Comité Europeu para os Problemas Criminais no Conselho da Europa. A procuradora-geral distrital de Lisboa chegou a ser representante do Governo português junto do conselho de administração do Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia no início dos anos 2000.
Trabalhou de perto com o anterior Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, que a chamou para integrar o seu núcleo de confiança, devido às suas qualidades técnicas, reconhecida competência e à sua integridade.
Em 2012, numa raríssima entrevista ao PÚBLICO, dizia: “No discurso político, a questão racial continua a ser tabu, manifestamente. Percebo que a abordagem não é fácil. Construiu-se a ideia de que os portugueses eram propensos à miscigenação, misturavam-se culturalmente e que, portanto, isso era um indicador de que não discriminavam racialmente. Eu digo ‘não’.”
Apesar de, na altura, confessar que nunca tinha sentido discriminação no local de trabalho, e que não achava que a justiça portuguesa discrimine, não tinha dúvidas quanto ao facto de existir racismo em Portugal. “Falta a abordagem franca da questão. Era importante encararmos isso como um problema que, se calhar, nem é assim tão difícil de resolver. Há uma componente educacional, mas é preciso investir nela”. Concordo em absoluto com ela, sobretudo porque o racismo é proveniente dum preconceito adquirido muitas vezes, se não a maior parte delas, no seio familiar, e que só um processo de convivência com a diferença e, sobretudo, de educação das consciências, pode eliminar.
Conheço bem a minha amiga e conterrânea Francisca (“Mimosa” para os amigos mais próximos) desde há muitos anos e com quem convivi, assim como o seu irmão e também meu amigo João Van-Dúnem já falecido em 2013, e que foi jornalista e produtor na BBC na secção de língua portuguesa, que amigavelmente me concedeu uma entrevista em 2001 nos estúdios daquela estação britânica, em Londres, sobre os meus projectos artísticos fora do espaço europeu que na época começavam a tomar forma, e que se iniciaram dez anos depois com a realização do «Triângulo da Lusofonia» — Brasil, Portugal e Angola (BrasPortAng).
Ficou para a história a frase de Francisca em que disse que “um magistrado tem a obrigação de não se expor muito, não somos propriamente estrelas do showbiz”. Assim é Francisca Vieira Dias Van-Dúnem, a nova ministra da Justiça: inteligente, frontal, educada, discreta e reservada, com elevado sentido de justiça.
Foi crítica de Paula Teixeira da Cruz, a famigerada ministra da Justiça cessante. Por exemplo, seis meses antes da entrada em vigor do tão afamado mapa judiciário, a até ontem procuradora-geral distrital de Lisboa que é desde hoje a nova ministra da Justiça, avisava: “o sistema informático dos tribunais não tem capacidade para o que a nova geografia dos tribunais exige”. E assim foi. Francisca Van Dunem vaticinou e o Citius acabou por colapsar mesmo durante dois meses e meio.
Na minha opinião, foi uma corajosa decisão de António Costa, mas também uma feliz e consequente decisão. Não lhe conheço ligações partidárias, embora tenha uma forte consciência política e sabe o que a política pode fazer, quando tem objectivos de justiça social. É por isso e de facto, independente.
“Mimosa”, os portugueses necessitados e famintos de justiça contam contigo com inteira confiança !
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