1. O caso das fraudes cometidas numa operação de aquisição em Espanha de equipamento destinado à Polícia de Angola (PNA), causou em diferentes meios do regime reacções informais de incomodidade/apreensão. Há o temor de que a Espanha deixe de constituir uma excepção como país europeu com o qual não existiam problemas legais.
A ideia predominante nos referidos meios é a de que a imagem e/ou a reputação de Angola em Espanha serão prejudicadas pelo caso, mas sobretudo por particularidades do mesmo, como as seguintes :
– A exploração mediática que o assunto mereceu, com especial enfoque em conotações ou remissões que aspectos do mesmo estabelecem com Francisco Paesa – uma controversa figura desde sempre presente nas lutas políticas internas, nomeadamente entre o PSOE e PP.
– O envolvimento no caso de uma empresa pública, Defex (51% de capital público), vincado por acusações formais da investigação judicial contra alguns dos seus principais quadros directivos; em comparação com casos considerados similares, como o chamado “caso Falcone”, França, o envolvimento de uma empresa pública é visto como circunstância agravante.
Também é notada na condução do processo uma atitude severa da justiça espanhola, considerada semelhante à que se verificou em países como a França e Portugal, em circunstâncias equivalentes. Considera-se que obedecem a lógicas internas as tensões assim criadas com os poderes políticos, mas com danos para o regime de Angola.
Uma visão mais extrema sugere mesmo que há na Audiência Nacional um clima avesso ao Estado angolano, conforme resulta do julgamento recente de sete processos com imbricações em Angola, entre os quais o da ICL Peninsular, este envolvendo Maruricio Toledano, apoiante de José Maria Aznar e de Ana Botelho.
2. O contrato respeitante à transacção, no valor de €152 M, foi assinado em Jun.2008 e contempla o fornecimento de viaturas, uniformes, equipamento de comunicações e outro material. O ministro do Interior era, à data, o Gen. Leal Monteiro “Ngongo” e Ambrósio de Lemos ainda em funções, o Comandante-Geral da PNA
Aparentemente a transacção cingiu-se às normas/procedimentos habituais. Nos termos de um protocolo entre o Ministro das Finanças de Angola e a Defex (associada à Cueto) o contacto foi sujeito a um enquadramento financeiro do tipo “escrow account”, em função do qual a gestão dos fundos era confiada a uma entidade terceira, o Deutsche Bank España.
A primeira grande movimentação de fundos do contrato ocorreu em fins de 2008 e consistiu numa transferência, considerada regular, € 41,4 M (‹› 30% do valor do contrato) para o Dexia Bank no Luxemburgo, que em data praticamente coincidente viria a ser declarado em situação de pré-falência.
O dinheiro transferido viria, porém, a ser objecto de confisco sob suspeita de que se destinaria a operações de “branqueamento de capitais”. As suspeitas decorreram de posteriores tentativas de transferências parcelares, a título de pagamento de serviços prestados a empresas não europeias sedeadas em praças financeiras fora da Europa.
O instrutor do processo terá detectado nas operações indícios de que directores da Defex e Cueto se concertaram com funcionários angolanos para procederem a apropriações ocultas de fundos que eram encaminhados para países fiscais através de esquemas societários montados pela advogada espanhola Beatriz Garcia Paesa – a sobrinha de Francisco Paesa.
3. A atenção que o caso mereceu à Audiência Nacional (ministério público e juízes de instrução criminal, Espanha), foi propiciada por particularidades como as seguintes:
– O surgimento de uma querela com a Audiência Tributária espanhola, que considerou improcedente e rejeitou um pedido de isenção de taxas devidas na operação de transferência de dinheiro para o Luxemburgo.
– Uma denúncia proveniente de um cidadão espanhol residente em Angola, onde tem negócios, o qual terá entendido manifestar assim o seu agastamento por ter sido “marginalizado” do negócio com a Defex/Cueto; corre em meios conhecedores do assunto a versão de que fundamentou a denúncia com a apresentação de documentos considerados danosos para a Defex, os quais terão servido de base a acusações de fraude fiscal, branqueamento de capitais e associação criminosa.
A investigação dos juízes instrutores do processo de acusação também foi determinada por suspeitas de que o contrato não foi cumprido; as autoridades angolanas, ao contrário, alegam informalmente estar em poder de documentos que não só comprovam o seu cumprimento, como atestam a efectivação de obrigações no domínio da assistência técnica pós-entrega e formação profissional, em Angola e Espanha.
4. A advogada Beatriz Garcia Paesa, com escritório no Luxemburgo, encontra-se detida sem direito a caução – medida justificada pela acusação de ter montado, a pedido dos directores da Defex, uma rede de lavagem de fundos – a favor de familiares de personalidades de topo ligados aos mais altos cargos do regime angolano.
Os espanhóis implicados no caso, conforme terá resultado de buscas em Espanha, Portugal e Luxemburgo, são dez. Entre eles o ex-presidente da Defez, José Ignacio Encinas Charro (também detido sem direito a caução), o director comercial, Manuel Iglesias-Sarria e do ex-director, Angel Maria Larumbe.
No Luxemburgo e Ilhas Virgens a advogada terá constituído empresas com a função de encaminhar dinheiros “desviados” para contas bancárias de familiares de altos funcionários angolanos e dos directores da Defez – sedeadas em Hong Kong, Suíça, Singapura, Ilhas Caimão, Nova Zelândia, Gilbratar, Madeira e Luxemburgo.
5. Francisco Paesa, tio da advogada, foi um alto funcionário do ministério do Interior (vulgo espião), envolvido no propalado “caso Luís Róldan”. O parentesco entre ambos tem aparentemente servido como motivo e/ou pretexto do “reavivamento” de antigos problemas internos de Espanha, entre os quais o fenómeno do separatismo.
No tratamento mediático prestado ao caso tem sido invocado o episódio do fornecimento a Angola, 1991/1992, de material de guerra e de uso policial, o qual, pelo menos em parte, provinha dos arsenais dos GAL (Grupos Anti-terroristas de Libertação). Francisco Paesa e Luís Róldan estiveram envolvidos na operação – “encoberta” por Beatriz Paesa.
Os GAL foram dissimuladamente criados à margem dos corpos de segurança do Estado espanhol com o fim de combater clandestinamente a organização terrorista basca ETA. O carácter ilegal da medida viria a ter como consequência o julgamento do secretário de Estado da Segurança Interna, Rafael Vera e os apuros porque passaram Francisco Paesa e Luís Róldan.
A controversa figura de Francisco Paesa, é ciclicamente recuperada como instrumento nas luats entre PP e PSOE. O seu papel na criação dos GAL e a chamada “exportação obscura” de armas para Angola, erigiram-no em “responsável” pela queda do Governo de Filipe Gonzalez e pela manifestação de dissenções internas no PSOE. Os seus contactos com Angola foram estabelecidos através de Pedro Van Dunem “Loy”.
Em reconhecimento dos seus serviços ao Estado espanhol foi-lhe atribuída uma subvenção, oriunda de fundos reservados e, com base num entendimento com as autoridades de S. Tomé e Príncipe adquiriu também o estatuto de “diplomata” e a respectiva imunidade.
Telmo Vaz Pereira / África Monitor
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