(Ficção que escrevi imaginando uma sociedade de antas atacadas por um verme no cérebro, que lhes distorce a consciência).
Entre um ano horribilis parecido com o ano das Cruzadas e o ano da queima de bruxas, com novos ataques de vírus e invenções de estados extremistas, aviões desaparecidos, e um ano novo pela frente cheio de pontos de interrogação, a peça está ao rubro.
Governadas por govern-antas, apenas gerindo as restantes antas no seu declínio individual e colectivo, este é o contrato vitalício que as obrigam a assinar:
A partir de alguns anos de despreocupação, com a liberdade condicionada por imposição de comportamentos e regras, quando chegares a algum grau de ordem, entras para um sistema educativo e deixas de ser um ser único para te transformares num ser igual a outros, a pensar igual a tantos outros.
Quando da fábrica saires, fábrica que te impingiu informação mas não conhecimento nem saber, depois de aumentares a tua dívida, o teu diploma vale menos e não tem saídas no emaranhado da floresta laboral.
Se ficares à espera de arranjar trabalho, deves aceitar ser estagiário não remunerado, ou passar recibos da cor da esperança. Se conseguires arranjar algo que te ocupe miseravelmente desde nascente a poente, e, pouca retribuição, sem tempo para o lazer, a família, a criatividade, que não te traga orgulho ou mérito, sê humilde e dá-te por feliz por o teres.
Se ficares sem nada a meio caminho da vida, dá-te por honrado com os anos de glória. Aceita e retira-te para os braços da solidão, da comiseração, paternalismo e complacência das demais antas caridosas. Ou para os restos da sopa dos pobres.
De noite prometemos dar-te cerveja em promoção e muita televisão para aliena-mento (alienação fingindo entretenimento) e injecções de manipulação para atingirmos a nobre e perversa tarefa de escultores da destruição de sonhos.
Prometemos-te no final da semana uma compensação (podes e deves usá-los aos dias de semana): encher-te de açúcar e comprimidos para qualquer estado de ânimo.
Aproveita para correr e apanhar sol ou enfiar o fato de treino, a pulseira Tucson para equilibrar, enquanto te exercitas em belas passeatas nos supermercados repletos de prazeres visuais, alimentares e sensoriais para levares para casa, antes de recomeçares o ciclo esquizofrénico da semana.
Vê futebol sem descanso, vai religiosamente à missa confessar-te e enfarta-te.
Terás o verdadeiro significado de comer, orar e amar-(nos) numa só vida.
Prometemos-te perigos e medo. De tudo e em tudo. Inclusivamente de viver. Seremos criativos no que inventarmos.
Vive medíocre e ignorante.
Promete-nos que usarás esta liberdade condicionada, em prisão domiciliária, durante pelo menos setenta anos.
Depois morres.
Combinado?
Deixe um comentário