Hashtag Idadismo

O Idadismo é a última morada da moda das causas

(…), no entanto ninguém quer publicitar a dita causa com o aspecto que tinham as nossas avós. Recordo as minhas… a avó pobre, viúva desde os 40 e picos, vestida de preto, lenço na cabeça e pernas tortas por décadas de drenagem linfática forçado nos arrozais do Mondego. Tinha um segredo: os longos cabe        los cinza entrançados, que escovava no silêncio da noite. Em criança invejava-lhos. Quando foi para o lar, foi a primeira coisa que lhe deceparam, descaracterizando-a… retirando daquele ser a sensualidade de uma vida secreta. 

A avó má, que tivera fama de ser pérola de beleza e do bem-vestir, recordava-a com bigode, dentes apodrecidos, cabelos de palha e os mesmos dois vestidos encardidos.

Foram precisos anos de doença e aborrecimento para me inquietar com o espelho. 

Um dia, depois do último esgotamento, cansada das lides da casca, sentei-me toda nua, nas lajetas frias do chão do jardim orvalhado. Olhei para as duas barrigas que acumulara, para o tufo de pêlos que cobria a boca do mundo, as tetas tombadas… olhei para o telefone que me recordava o aspecto airoso deste mesmo corpo, dois anos antes. Chorava. Não tinha força para a manutenção que me era exigida. Corta, escova, controla, aperta, pinta, arranca, massaja, perfuma… com a doença e o passar do tempo dá-se a mudança e, no mundo de hoje temos que ser perfeitos. Ter lido tudo, feito tudo, lutado tudo e, ainda assim, ter a tez de quem defeca sem esforço e sem conhecer o hemorroidal a não ser pela desgraça do cu alheio.

Artilham-nos com o desejo da juventude eterna fazendo-nos recusar a naturalidade do próprio corpo, o que nos leva a graus de exigência absurda na sombra do nosso subconsciente… ficamos com nojinho da halitose, da verruga, da unha do pé que endurece, do pêlo do queixo, da pele esmaecida.

Vai de creme e de batido de brócolos justificando que bem estar é saúde mas… verdade seja dita, andamos pela rua desconfiados de que já passámos de prazo e que talvez devêssemos estar a fazer mais sacrifícios em prol da estética comum ou então confinarmos os restos mortais em casa.

E não me venham dizer que isto sou eu! Que eu falo convosco e ouço-Vos os melindres. Dantes eram as gajas. Agora somos todos!

Depois, claro, com a proximidade do cheiro da velhice, estamo-nos a lembrar de falar das gentes de forma subversiva; “temos que tratar dos velhos!”, dizemos. Porque, isto de pôr e tirar não vai resultar para sempre. Muitos de nós já o sabemos. Não falamos só do perigo do destrato! Falamos da percepção de nos tornarmos invisíveis… num mundo em que já não se aprecia ou valoriza nada que não venha bem encadernado. 

# não ao Idadismo!

# não se esqueçam destes velhos

# temos medo de lá chegar

Não me importo que a sociedade se modifique pelo medo… desde que a consciencialização abarque mais que as gerações que perdem o cologenio. 

Se não educarmos, podem apostar que o ashtag se vai perder no rebuliço das novas exigências e todos os nossos receios acabarão institucionalizados, juntamente com os implantes a que nos sujeitámos, às lutas diáfanas e aos sonhos de um mundo sem preconceitos hereditários. 

Aceitemos com complacência a nossa mudança de cheiros antes de brincar ao faz de conta!

Porque dizer não ao Idadismo tem que passar por aceitar o tempo que por nós passa.

Rita Joana

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