Imigrantes a mais e islamização? CHEGA de disparates!

A campanha para as próximas eleições europeias tem revelado uma enorme pobreza de ideias, não se discutindo, pelo menos com a profundidade que exigiriam, importantes questões. Por exemplo: o que é a União Europeia? Só pode existir Europa com a União Europeia? Pode um país como o nosso desenvolver-se económica e socialmente integrando uma organização de Estados dominada, a todos os níveis, pelos países mais fortes e com uma moeda única, com a consequente perda de soberania? É admissível que o nosso Orçamento de Estado tenha que que ser submetido à aprovação da Comissão Europeia antes da sua discussão e aprovação na Assembleia da República? É ou não verdade que, desde 1986, entraram no nosso país 101 mil milhões de euros de fundos comunitários, mas dele saíram, no mesmo período de tempo e para países da EU, mais de 168 mil milhões de lucros, rendas, dividendos e juros? É aceitável o actual e completo seguidismo das instituições europeias, desde logo em matéria de diplomacia[1], relativamente aos Estados Unidos da América?

Contudo, se há um mérito que esta campanha tem tido é o de pôr, por completo, a nu, a natureza retintamente fascista, racista e xenófoba do Chega e dos seus dirigentes, assim como a completa falácia e falsidade dos seus argumentos e a natureza oportunista das posições de muitos dos que, em matéria de imigração, se apresentam como “moderados”.

Numa arruada em Setúbal na semana passada, André Ventura, repisando o chavão e o papão da “invasão migrante” e defendendo “a imediata suspensão da emissão de qualquer nova autorização de residência”, proferiu esta elucidativa afirmação: “Nós não podemos, enquanto treinamos e não treinamos, enquanto chamamos e não chamamos, deixar o país invadir-se de migrantes (…) senão, qualquer dia temos mais imigrantes do que pessoas” (meu destaque). Embora tivesse procurado corrigir a barbaridade, substituindo “pessoas” por “portugueses”, ficou registado o mais que significativo deslize.

A 1 de Junho, num jantar/comício em Torres Novas, Ventura tornou a afirmar que Portugal não pode receber mais imigrantes porque “está cheio” deles, ao que a ululante assistência respondeu gritando: “nem mais um, nem mais um!”.

A versão convenientemente polida (designadamente para debates e entrevistas) da tese do Chega e do seu líder[2](acompanhados por diversos dos pretensos “moderados”, defensores de muros e proibições, só que aparentemente mais suaves) é a seguinte: se é para trabalharem com salários miseráveis e em condições infra-humanas na agricultura intensiva, na construção civil ou na restauração até podem entrar (apenas) alguns imigrantes, os quais, ao aceitarem trabalhar dessa forma e com essas condições, constituem um forte factor de pressão de abaixamento de salários e de condições de trabalho, mas que, fora essa sua utilidade escrava, já temos imigrantes “a mais”, com os quais “os portugueses não têm que ser tolerantes” pois aqueles, em geral, não vêm nem querem vir trabalhar mas antes usufruir dos direitos e benefícios sociais que, à custa e em prejuízo dos “de cá”, dos “nossos”, o Estado português lhes proporcionaria.

Ora, para além da denúncia da repugnante ideologia racista e xenófoba que estas proclamações, mesmo nas suas versões mais polidas, revelam – e que, aliás, não devem deixar dúvidas aos trabalhadores portugueses do que lhes sucederia se algum dia o Chega e quejandos fossem Governo, e o exemplo de Milei, na Argentina, aí está para o comprovar – importará também, para não dizer sobretudo, desmascarar a completa falsidade, do ponto de vista dos factos e dos números, destas fascizantes tiradas.

Segundo os últimos dados oficiais da Pordata, publicados em Dezembro de 2023, residiam em Portugal 798.480 cidadãos estrangeiros, que correspondem apenas a 7,6% do total da população residente no nosso país (10.467.366 de pessoas). Desses cidadãos estrangeiros, a grande maioria são brasileiros (30,7%) seguidos por britânicos (5,8%) e cabo-verdianos (4,7%). Os cidadãos indianos, por exemplo, representam apenas 4,5% do total dos cidadãos estrangeiros e 0,3% do total da população residente em Portugal. Por seu turno, os cidadãos muçulmanos não ultrapassarão[3] cerca de 70.000, sendo que uma grande parte possui já nacionalidade portuguesa e encontrando-se a esmagadora maioria perfeita e pacificamente integrada na sociedade portuguesa. Ainda de acordo com os mesmos dados oficiais, em 2022 entraram em Portugal 117.843 imigrantes permanentes e saíram 30.954 emigrantes portugueses, tendo sido registados 46.229 pedidos de nacionalidade portuguesa.

A única conclusão a retirar de todos estes números é a de que afirmações como a de que “o país está cheio de imigrantes” ou a de que se assiste a uma enorme “islamização de Portugal”, não passam afinal de completas atoardas destinadas a enganar e atirar uns cidadãos contra os outros, criando, à boa maneira nazi, um pretenso inimigo, causador de todos os males que afectam os cidadãos comuns e legitimador das mais violentas e execráveis acções e medidas.

Mas importa dizer mais! Mercê sobretudo das políticas económicas ditadas pela União Europeia e pela Zona Euro – que impuseram a destruição dos principais sectores produtivos do País[4] e a transformação de Portugal numa economia essencialmente de serviços, grande parte dos quais de baixa qualificação e diminuto valor acrescentado, como o Turismo e a Restauração –, Portugal fecha hoje as portas ao futuro dos seus jovens, em particular dos mais qualificados, sendo um país em que, desde logo, a chamada economia informal, ou não registada, representa já 34,37% do PIB[5]. Ou seja, mais de 1/3 de toda a nossa produção de riqueza é feita na obscuridade e na lei da selva, sem direitos, Autoridade para as Condições do Trabalho ou Tribunais do Trabalho. 

Por outro lado, Portugal é também um país em que se verifica um crescente, e cada vez mais preocupante, índice de envelhecimento[6] da respectiva população. No ano de 2022, metade da população portuguesa tinha mais de 48 anos de idade, a segunda idade mediana mais elevada da EU-27, mas o nosso ritmo de aceleração do envelhecimento foi o maior de toda a União Europeia (4,7 anos numa década)[7]. O saldo natural (diferença entre o número de nados vivos e o número de óbitos) vem-se mantendo persistentemente negativo[8], mas só não é muito superior devido à importante e positiva contribuição da imigração, já que cerca de 14% das crianças nascidas em Portugal são filhas de mães estrangeiras. Um país com estes nível e ritmo de crescimento do envelhecimento da sua população não pode – desde logo pelo peso crescente dos encargos da Saúde e da Segurança Social – deixar de ter graves problemas, mas se estes não são maiores ainda, é precisamente aos imigrantes que o Chega e André Ventura querem expulsar de Portugal que o devemos.

Por fim, importará referir igualmente que, em 2022, os imigrantes em Portugal (que, repete-se, representam somente 7,6% do total da população portuguesa) pagaram 1861 milhões de euros de contribuições para a Segurança Social e receberam desta subsídios e apoios no valor de apenas 257 milhões de euros, representando assim um superavit de 1.604 milhões de euros, correspondente a 39,4% do saldo positivo global da Segurança Social (4.066 milhões de euros) nesse mesmo ano[9]! Também a taxa de actividade[10] dos imigrantes (76,9% em 2022) é bem mais elevada que a dos restantes trabalhadores e é àqueles que são sistemática e maioritariamente atribuídos os trabalhos mais duros e/ou mais arriscados, mais mal pagos e com mais horas de prestação de actividade. 

Significa tudo isto que aquilo que a realidade dos números demonstra, e de forma absolutamente inequívoca, é precisamente o oposto da propaganda xenófoba e racista do Chega, e também do “Ergue-te”[11] e afins, como o “1143”[12], ou seja, os nossos imigrantes não estão a “encher” o país, representando apenas 7,6% do total da população, contribuem marcadamente (com 14% da natalidade) para o retardar do envelhecimento do país e contribuem decisivamente (com cerca de 40%) para os saldos positivos globais da Segurança Social. Trabalham mais, e mais dura e extensivamente, e ganham menos do que a generalidade dos seus camaradas de trabalho. 

Mas, sobretudo, e ao invés do que mostram pensar Ventura e Companhia, são Pessoas, como os seus irmãos portugueses!

Mentirosos e demagogos, fascistas e racistas, tenham, pois, vergonha na cara! Mas tenham vergonha também todos aqueles que, aparentemente mais moderados, só querem permitir os imigrantes que possam servir as necessidades e os patrões dos sectores de trabalho mais intensivo, pouco qualificado, sem um mínimo de condições de segurança de saúde e dignidade, e muito mal pago. Já algum desses moderados se preocupou, por exemplo, em voltar a Odemira para ver e combater a indignidade do que por lá se continua a passar?

António Garcia Pereira


[1] Desde logo, a propósito da guerra na Ucrânia e do genocídio em Gaza, fazendo tudo pela guerra e pouco ou nada pela paz.

[2] Já todos percebemos de que, também nesta campanha, quem fala pelo Chega é André Ventura e não o desastre e eclipse total que é António Tânger Correia, conhecido fura-greves das lutas académicas de antes do 25 de Abril e cuja grande declaração política, feita em 2023, no Congresso do Chega em Santarém, foi a seguinte: “Eu queria ver a Juventude Chega, chamem-me saudosista ou o que quiserem, a lutar nas ruas à cacetada com o MRPP e com o PCP”…

[3] Segundo um estudo de João Henriques, Investigador Integrado do Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa.

[4] Importa referir que em alguns deles éramos dos melhores do Mundo, nomeadamente na Indústria da Metalurgia e da Metalomecânica, na Construção e Reparação Naval, nas Pescas e na Marinha de Comércio.

[5] Segundo um estudo relativo a 2022 da Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

[6] Este índice de envelhecimento compara o número dos cidadãos com 65 ou mais anos de idade com o número dos cidadãos entre 0 e 14 anos, tendo atingido o valor de 185,60 idosos para cada 100 jovens.

[7] Segundo dados do Eurostat.

[8] De acordo com dados da Associação Portuguesa de Demografia, o saldo natural negativo foi de 25.264 em 2019, 45.220 em 2021 e 40.703 em 2022.

[9] Segundo o Relatório do Observatório das Migrações, os estrangeiros têm 87 contribuintes por cada 100 residentes, enquanto os portugueses têm somente 48. Em contrapartida, os estrangeiros contam com 38 beneficiários de algum tipo de prestações sociais por cada 100 contribuintes, enquanto para o total dos beneficiários residentes essa relação é de 79 beneficiários em cada 100 residentes.

[10] A “taxa de actividade” consiste na percentagem da população activa – entendida esta como a população empregada e desempregada com idade entre os 15 e os 64 anos – por cada 100 indivíduos da população total do país.

[11] Ex-PNR.

[12] O 1143 é o movimento neo-nazi que tem como porta-voz Mário Machado e que tudo indica ter sido o responsável pelos recentes e bárbaros ataques a imigrantes ocorridos na cidade do Porto.

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