Todos sabemos que, uma década e perto de trinta mil milhões de euros depois, nenhum dos principais responsáveis pelas gestões fraudulentas, pelos buracos e pelas criminosas trafulhices do sistema bancário e financeiro português está preso. Do BPP (Banco Privado Português) ao BES (Banco Espírito Santo), passando pelo BPN (Banco Português de Negócios) e pela SLN (Sociedade Lusa de Negócios), até à CGD (Caixa Geral de Depósitos) e ao BCP (Banco Comercial Português).
Uns ainda esperam pela acusação do Ministério Público, outros aguardam julgamento e outros, apesar de julgados e condenados por força dos recursos que interpuseram, continuam, felizes e contentes, a passear-se e a pavonear-se com o maior dos desplantes.
Durante essa década nem ministros das Finanças, nem Governos no seu conjunto, nem Banco de Portugal e respectivos governadores, nem CMVM, nem entidade alguma supervisora, regulamentadora ou fiscalizadora, detectaram a tempo as graves irregularidades e ilegalidade reiteradamente cometidas ao longo de anos e anos a fio.
Durante todos esses anos voaram para os paraísos fiscais dezenas e dezenas de milhares de milhões de euros, ao ponto de um estudo da própria e insuspeita Comissão Europeia, conhecido há poucos dias, mostrar que Portugal é o terceiro país dos 28 da União Europeia que mais dinheiro deixa desviar para os chamados offshores.
Estamos a falar de qualquer coisa como 50 mil milhões de euros, ou seja, 26% de todo o PIB (Produto Interno Bruto), os quais, em 16 anos (entre 2001 e 2016), voaram para os ditos paraísos fiscais, eximindo-se assim ao pagamento de impostos num valor estimado de quase mil milhões de euros, correspondentes a 65% do total de 1,3 mil milhões de euros de receita fiscal perdida nesse período pelo Fisco. O mesmo Fisco que, por exemplo, só agora terá reparado em que a Ryanair, desde 2014, praticamente não passa facturas aos respectivos clientes e que as poucas que entretanto passou tinham todas o mesmo número de contribuinte…
Desenganem-se por isso todos aqueles que, por desconhecimento, por simples ingenuidade ou até por preconceito ideológico, pensam e/ou defendem que esta vergonhosa impunidade dos grandes larápios financeiros teria ocorrido apenas num determinado período de tempo e que a sua escandalosa impunidade se deveria a uma qualquer “distração” ou mera “inexperiência” de quem supostamente deveria fiscalizar, detectar e sancionar esses desmandos.
Na verdade, o que acabou de suceder com Tomás Correia, o “Dono Disto Tudo” do Montepio ou DTM (Dono de Todo o Montepio, como é lá conhecido) e da sua Associação Mutualista, revela bem como estes personagens são tratados. Anos a fio decorreram enquanto se acumulavam queixas e indícios crescentes acerca de jogos de influência, de financiamentos obscuros, de manobras de bastidores, de negócios e de relações estranhas e nunca explicadas (desde a compra do Banco Finantia às ligações ao construtor civil José Guilherme – o mesmo que, confessadamente, “doou” 14 milhões a Ricardo Salgado – passando por créditos de favor, com poucas ou nenhumas garantias), bem como de divisão e de propositado desânimo dos associados, para assim melhor reinar.
E durante esses anos, Tomás Correia, com um nunca devidamente explicado, mas igualmente singular apoio de muitas forças políticas e de personalidades dos vários partidos parlamentares (do PS ao PCP, passando pelo PSD e pelo CDS) e de diversos sectores sociais, políticos, sindicais e até religiosos, pôde ir-se sempre eternizando no Poder e repetindo, do alto da sua arrogância, que não temia qualquer processo, criminal ou regulatório, e que ninguém o apearia do seu pedestal.
Com um império de autêntico terror, marginalizando e perseguindo todos os que ousassem discordar dele, Tomás Correia colocou a Associação Mutualista – cujo número de associados tem diminuído à razão de cerca de 1000 por mês – e as respectivas poupanças (cerca de 3.000 milhões de euros) a financiarem as 48 empresas do Grupo Montepio (com o Banco à cabeça) e a suportar assim os elevadíssimos prejuízos financeiros que a sua gestão ruinosa causou, tudo isto perante a completa passividade do Banco de Portugal, da Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões, do Ministério do Trabalho e até do Ministério Público (esse mesmo, o que gosta de se apresentar como campeão da luta contra os “crimes de colarinho branco”).
Finalmente, já no início de 2019, o Banco de Portugal condenou Tomás Correia a uma multa de 2,5 milhões de euros por graves irregularidades cometidas quando foi Presidente do Banco Caixa Económica Montepio Geral (actual Banco Montepio), entre 2008 e 2015, designadamente por violações das regras de controle interno relativas precisamente à concessão de crédito. E se é certo que, por razões de ordem formal, o Tribunal anulou, entretanto, essa condenação, a verdade é que, se não deixar decorrer o prazo de prescrição (como sucedeu com o BCP), o Banco de Portugal poderá voltar a aplicar a mesma sanção e agora já sem os problemas processuais da primeira condenação.
Entretanto, havendo o mesmo Banco de Portugal finalmente obrigado – como devia ter feito largos anos mais cedo – a separar a gestão do Banco Montepio da gestão da Associação Mutualista Montepio Geral, em 2015, Tomás Correia passou para a Administração desta, mas mantendo sempre o controle do que se passava no Banco, o qual, sob tão brilhante gestão, teve de constituir, entre 2011 e 2018, imparidades no astronómico montante de 1.789 milhões de euros, em larga medida devido ao crédito concedido sem análises de risco e sem garantias.
Nesta posição de Presidente da Associação Mutualista, Tomás Correia eximia-se ao controle de idoneidade por parte do Banco de Portugal (que não tem jurisdição sobre as associações mutualistas) e deveria ter passado de imediato ao controle da Autoridade de Seguros e Fundos de Pensões. Mas não passou, tendo mesmo sido necessário fazer uma nova lei a clarificar que aquela Autoridade podia mesmo, e desde já, proceder a investigações acerca da idoneidade do “DDT do Montepio”.
Tais investigações, quando finalmente iniciadas, terão então conduzido à única conclusão que a verdade dos factos impunha, ou seja, a da necessária destituição de Tomás Correia por falta absoluta da idoneidade que ele tanto gostava de alardear.
E o que fez então a dita Autoridade de Seguros? Tomou formalmente essa decisão e dela notificou Tomás Correia, como sucederia com qualquer cidadão comum que fosse investigado e acusado ou sancionado por uma entidade pública? Não! Tratou de o avisar previamente de que essa seria a decisão e deu-lhe assim a possibilidade de se escapulir à referida destituição, permitindo-lhe sair pelo seu próprio pé, com grandes e eloquentes palavras de auto-elogio e até de afirmações – pasme-se! – de “conforto moral”. Ao mesmo tempo que vai tentando fazer aprovar na Assembleia-Geral do próximo dia 4 de Novembro uma alteração aos estatutos que garanta a permanência no poder dos seus amigos, em particular os do “seu” Conselho de Administração, até 31 de Dezembro de 2021, e assim contornar a imposição legal, constante do artº 5º, nº 1 do novo Código das Associações Mutualistas (aprovado pelo Decreto Lei nº 59/2018, de 2/8) da entrada em vigor de novos estatutos e da consequente realização de novas eleições.
Mais um a quem as malhas, neste caso muito largas, da Justiça e dos organismos reguladores, apesar das sucessivas denúncias feitas, entre outros, pelo economista Eugénio Rosa e por João Simeão, permitiram escapulir-se, depois de se ter enriquecido a si e aos amigos de uma forma absolutamente pornográfica.
Relembre-se, aliás, que Tomás Correia – que já em épocas anteriores chegara a administrador da Caixa Geral de Depósitos – se reformou desta instituição, e recebia, e recebe dela uma milionária reforma de entre 13.000€ e 16.400€ mensais.
É mesmo caso para dizer: (in)ditosa Pátria que tais “filhos” tem e (in)ditoso Estado que assim actua.
Mas a verdade é que as coisas não ficam por aqui!…
De acordo com uma excelente reportagem do jornalista do Diário de Notícias Paulo Pena, publicada a 12 de Outubro último, José Maria Ricciardi – o primo de Ricardo Salgado que presidia ao BESI (Banco Espírito Santo de Investimento) que e agora quer chegar a Presidente do Sporting… – tratou de embolsar para o Grupo Espírito Santo e respectivos administradores, chorudos ganhos, por dois carrinhos, ao assegurar, junto do Governo da altura (Coelho/Portas), a efectivação da privatização de duas das maiores empresas do sector público: a EDP (vendida por tuta e meia à empresa estatal chinesa Three Gorges) e a REN (vendida também a preço de saldo a outra empresa estatal chinesa, a State Grid of China, a quinta maior empresa do mundo segundo a revista “Fortune”).
E como o fez? De acordo com o relatório do próprio Tribunal de Contas, conhecido em Junho de 2015[1], primeiro prestando serviços ao Estado como “avaliador” das duas operações e, depois, actuando como consultor financeiro dos compradores das mesmíssimas operações, o que, como é evidente, e no dizer explícito do Tribunal de Contas, “contraria as normas do concurso de pré-qualificação para prestação de assessoria financeira nos processos de privatização” (sic).
Mais revela ainda a referida reportagem de Paulo Pena que, no caso da EDP, os valores das propostas dos outros concorrentes foram ilicitamente dados a conhecer à referida empresa chinesa “Three Gorges”, a qual pôde, deste modo ínvio, baixar no último momento a sua proposta para um montante que lhe permitisse ganhar o assim totalmente viciado concurso, mas que era 117 mil milhões de euros mais baixo do que o da sua proposta inicial.
Porém, a verdade é que, mesmo após todos estes factos e o citado Relatório do Tribunal de Contas serem conhecidos e apesar de, relativamente aos mesmos factos, estar a correr há cerca de 7 anos um processo-crime, ainda ninguém foi preso!?
Todavia, o caso REN – Rede Eléctrica Nacional (a empresa que detém o monopólio da distribuição de energia eléctrica de alta tensão em Portugal) é, se possível, ainda mais escandaloso. É que, ainda segundo a mesma investigação jornalística, José Maria Ricciardi, sempre actuando em nome e representação do BESI, mas agindo agora como consultor dos “concorrentes” chineses da State Grid of China, terá contactado e pressionado – com ameaças várias, inclusive a do corte de relações diplomáticas por parte da China (!?) se a venda àquela mesma empresa chinesa não fosse concretizada – vários personagens do Governo de então ou a ele ligados, desde Miguel Relvas a Passos Coelho, passando por Ângelo Correia e Carlos Moedas, o anterior comissário europeu. Tais diligências e insistências – e cujo conteúdo, agora, alguns dos respectivos destinatários (como Relvas e Ângelo Correia) até confessam e outros dizem não recordar… – decorreram, e a um ritmo absolutamente frenético, a dois escassos dias antes da reunião do Conselho de Ministros marcada para 2 de Fevereiro de 2012 e que tinha na respectiva agenda a referida privatização.
E adivinhem o que aconteceu: claro, essa dita reunião do Governo de Passos Coelho aprovou mesmo a venda da REN aos chineses da State Grid of China!
E no fim de tudo isto, o BESI do Sr. Ricciardi acaba vendido pelo Novo Banco à empresa chinesa Haitong International Holdings Limited, sediada em Hong Kong, e toma o nome de Banco Haitong.
E, uma vez mais, ninguém está, nem foi, preso por todo este autêntico escândalo!
Por isso, também nenhum de nós se deveria ter já espantado com a sentença proferida em Maio de 2018 no processo do até então Reitor da Universidade Fernando Pessoa, o Professor Salvato Trigo. Este personagem – que já fora condenado, no final dos anos 90, a 10 meses de prisão, suspensa por igual período, por desvio de subsídios do Fundo Social Europeu quando era director da Escola Superior de Jornalismo do Porto – foi julgado no Tribunal Criminal do Porto, desde logo com o raro privilégio de, a requerimento seu e a que ninguém, a começar pelo Ministério Público, se opôs, o ser à porta fechada, sob o absolutamente extraordinário pretexto de tal secretismo ser necessário “para preservar o prestígio da Universidade”.
Acusado pelo mesmo Ministério Público (vá-se lá saber porquê) por um crime menos grave (o de infidelidade) do que podia e devia – é a própria sentença que o diz! – Salvato Trigo foi condenado por se ter provado que desviou quase 2,2 milhões de euros (mais exactamente 2.197.990€) da Universidade de que era reitor para benefício próprio, da mulher e dos filhos, através de uma empresa (“Erasmo”) de que eram todos sócios. E, com tudo isto, qual foi a pena? Um ano e 3 meses de prisão com pena suspensa…
E, logo, também aqui ninguém está preso… Exactamente ao contrário do que sucedeu com o cidadão Valdemar. E quem era o Valdemar? Vitor Ilharco, jornalista e autor de vários livros, explica-nos bem, no terceiro volume do seu livro Frasco de Veneno, que aqui cito com a devida vénia:
“O Valdemar entrava nos cafés e, ao balcão, pedia troco de cinquenta euros para a máquina do tabaco. Quando lhe davam as moedas para a mão fugia levando o dinheiro. Fez isso em trinta cafés “ganhando” mil e quinhentos euros. Num deles, com videovigilância, ficou filmado e as televisões passaram as imagens. Foi apanhado pela PSP, conduzido a tribunal e condenado a 8 anos de prisão efectiva. Não tinha antecedentes criminais.”
Ora, não fica assim perfeitamente a claro a natureza de classe de um Estado cuja máquina trituradora de Tribunais, Polícias, Entidades Reguladoras, Finanças, etc., persegue implacavelmente o pequeno (o pequeno delinquente, o pequeno contribuinte, o pequeno devedor) ao mesmo tempo que protege, “facilita” e trata com a maior indulgência e reverência o forte e o poderoso?
E essa constatação, sucessivamente mais evidente, não mostra a todos quantos vivem do seu trabalho – e não de “esquemas”, de contactos privilegiados, de trocas de influências, de perseguições estatais, de corrupções das mais subtis às mais descaradas – que a alteração, e a alteração radical, deste estado de coisas se impõe cada vez mais como a nossa principal tarefa cívica?
É que a resposta parece-me clara como a água…
António Garcia Pereira
[1] “Processos de (re)privatização) do sector eléctrico – relatório de Auditoria nº 9/2015 – 2ª Secção – Processo 16/13AUDIT”, datado de 7/5/15
Em contrapartida, a minha sogra e a minha esposa, foram punidas com dupla facturação e com impostos de tal forma que deixa muito a desejar possuir oito andares em Portugal, dos quais seis eram de rendas muito baixas Um roubo superior a €50,000.00 Euros em 10 anos. Com a agravante de que como residimos na Inglaterra mas com direção fiscal em Portugal, justifica-se não devolver excessos porque passou de prazo???? LADROES DAS FINANÇAS PORTUGUESAS.
Nem sempre inteiramente de acordo com todas as denúncias do Prof. Dr. Garcia Pereira, desta vez subscreveria tudo quanto diz. E em relação ao BPP, até lhe acrescento algo que é menos conhecido do domínio público.
Diz o prof. “Durante essa década nem ministros das Finanças, nem Governos no seu conjunto, nem Banco de Portugal e respectivos governadores, nem CMVM, nem entidade alguma supervisora, regulamentadora ou fiscalizadora, detectaram a tempo as graves irregularidades e ilegalidade reiteradamente cometidas ao longo de anos e anos a fio.”
Mas mais grave do que isso no caso do BPP, foi essas entidades, Victor Constâncio, Governador do BdP e Teixeira dos Santos, como ministro das Finanças – e ex-CMVM responsável pela criação de um produto financeiro, dito de Retorno Absoluto, que acabaria por lesar milhares de aforradores -, desde falsificação de actas até adiamentos sucessivos ilegais de suspensão de papamentos, depois de intervencionarem o banco, com o propósito fraudulento de não o recuperar, como se veio a comprovar, mas tão só de previligiar credores, que nada ou pouco receberiam em sede de insolvência. O maior crime impune de favorecimento de credores de que ninguém fala.
Mas em vez de julgamento e eventual prisão, que sucedeu a tais agentes? Um foi agraciado com uma vice-presidência do BCE e respectiva obscena remuneração, o outro, para além de continuar no seu “impoluto” metier de gestor financeiro, recebeu uma comenda do ex-presidente da república, Cavaco Silva.
Por isso apetece dizer “inditosos filhos de uma Pátria que nos últimos tempos da sua história, lhes é mais madrasta que mãe!!!
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