Joe Berardo violado ou violador?

Joe Berardo o futuro ex-comendador, perderá o título de comendador, mas não perderá o de caloteiro[1]está muito indignado com a alegada violação do seu direito de imagem. A indignação surge porque o Canal Parlamento transmitiu em directo a audição parlamentar ao calote à CGD.

Insurge-se o comendador Berardo, perdão, insurge-se o caloteiro Berardo com o presidente da comissão parlamentar, Luís Leite Ramos, por este não ter aceite o intempestivo pedido para que a audiência fosse à porta fechada, sem jornalistas, sem recolha de imagens e sem transmissão pelo canal parlamento. O pedido foi feito pelo seu advogado que, aparentemente, acumula a função de advogado com a função de cozinheiro uma vez que, alegadamente, é quem prepara todas as caldeiradas do comendador, perdão, do caloteiro Berardo. 

Luís Leite Ramos recusou parcialmente a pretensão do cozinheiro, aqui na função de advogado, mandou sair os jornalistas da sala, mas não autorizou, muito bem, a interrupção da transmissão pelo canal parlamento. Recusou por dois motivos, o primeiro pelo simples facto de entender, muito bem, que a audição se revestia de interesse público, o segundo por o pedido ter sido feito em cima da hora o que não permitia consultar, em tempo útil, os restantes membros da comissão. 

Com os brilhantes dotes culinários já revelados pelo advogado não seria de estranhar que o intempestivo pedido tenha feito parte da estratégia de criar factos para mais tarde o caloteiro se vitimizar até porque, com transmissão ou não, as já famosas fugas de informação das comissões iriam trazer para a praça pública suculentos detalhes do que foi dito. É certo que com fugas mais ou menos tendenciosas cada um ia entender o que quisesse e havia sempre a possibilidade de o caloteiro ou o cozinheiro virem dizer que nada daquilo que tinha transpirado era verdade.

Foi, pois, muito acertada a decisão de Luís Leite Ramos de autorizar a transmissão pelo canal parlamento da audição, é um exemplo de democracia, é um exemplo de informação isenta e não condicionada ou manipulada. Todos tiveram hipótese de ver, ouvir e concluir sobre o de foi dito e o que não foi dito. Numa época minada por falsas notícias, por comentadores tendenciosos e por estratégias manipuladoras só o livre acesso à informação pode garantir que as nossas ideias não são condicionadas nem formatadas.

Voltando aos alegados danos na imagem do caloteiro Berardo, só há uma pessoa sobre a qual pode cair a ira de Berardo, sobre o próprio e mais ninguém, podemos até aceitar que possa cair também sobre o cozinheiro uma vez que foi quem lhe pôs os ingredientes da caldeirada a jeito, mas não mais que sobre os dois.

Foi a sua arrogância, a sua falta de respeito pelo parlamento e pelos deputados, a sua permanente postura de impunidade e superioridade que deram, justamente, razão aos que se indignaram com a personagem.

Criou-se entretanto um, quase espontâneo, movimento de “Vamos todos cascar no Berardo”, muitas vozes se levantaram para que lhes fossem retiradas as comendas, desde logo o presidente da república e o primeiro ministro, e muitos mais, secundados por um outro comendador que veio a correr dizer que se não retirassem as comendas a Berardo ele próprio devolveria as suas. É uma forma interessante de atirar pedras aos telhados dos outros antes que atirem ao seu próprio telhado.

Conclui este ramalhete a estratégia de marketing  dum pateta aproveitador que, na ânsia de ganhar alguma visibilidade e gratuita publicidade veio para a praça pública dizer que não vendia mais vinhos da quinta que não é mas é do caloteiro. Realmente, deve dar um abalo que nem imagino!

Este chico-esperto armado em garganeiro com a ideia de obter dividendos e notoriedade a nível da publicidade deve ter-se esquecido, ou então ignorou, que a sua atitude, se não fosse inconsequente, caso tivesse alguma consequência além da sua reles insignificância atingiria em primeiro lugar os que são sempre atingidos em primeiro lugar, não o caloteiro mas sim os trabalhadores da dita quinta que não é mas é do caloteiro.

No que a mim diz respeito, continuarei a beber, sempre que possível, os vinhos da quinta na esperança que se faça justiça e que esta mude de mãos.

O mais interessante, mas triste, em tudo isto é que cada dia que passa fica-se com a sensação que tudo não passa duma enorme encenação. Incendiou-se a opinião pública com a exposição do vilão, atiraram-se mais uma achas para a fogueira, entretanto retira-se as comendas e pronto, siga a marinha, assunto arrumado, os ânimos acalmaram-se e cá estamos todos nós, como sempre, na linha da frente para pagar os calotes, este e os outros.

Se nada aconteceu aos caloteiros ligados aos PSD, aqueles que faziam parte do governo de Cavaco Silva que muito oportunamente extinguiu o Alto Comissariado Contra a Corrupção, e que deram um calote ao país de mais de nove mil milhões por que raio iria acontecer algo ao caloteiro que querem ligar ao PS por um reles calote de mil milhões?

Isto é um caso de pataca a ti, pataca a mim só que neste caso foi pataca a mim, pataca a mim, pataca a mim, pataca a mim, pataca a ti, pataca a mim, pataca a mim (e continua). Tanto que assim é que até uma ex-ministra do CDS fez o favor de assinar os empréstimos (ou devemos chamar-lhe doações?) a Berardo sem que se tenha sequer questionado a legitimidade e a razão de ser daquela assinatura. Nada de estranhar vindo dum partido liderado por uma ex-ministra que assinou, a banhos no Algarve, a resolução dum banco sem sequer saber, palavras das própria, do que se tratava.

É vida, vão atirando culpas uns aos outros, hoje atira-se um para a fogueira do lado de cá, amanhã atira-se outro do lado de lá e o povinho, aquele que sai à rua, se indigna e enche praças por causa do futebol é manso e fica ainda mais amansado com estas fogueiras, paga e não bufa e o circo (romano) continua alegremente.

Não é minimamente importante retirar ou não as comendas a Berardo, o que é importante, o que devemos exigir, é a recuperação integral do nosso dinheiro e a responsabilização e castigo de todos os responsáveis. Berardo é um deles, faltam todos os outros de que não se fala e que aparentemente não se quer falar que tem, ao longo dos anos servido e servindo-se dos Berardos desta vida.

São esses, os que não saem dos gabinetes mas têm ao longo de décadas servido interesses que não os do povo que devem, sem mais demora, ser atirados para a praça pública, expostos, julgados e condenados.

Jacinto Furtado


[1]Caloteiro substantivo masculino Aquele que caloteia, que não paga o que deve. adjectivo Mau pagador.

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