Lawfare à Portuguesa

Não é um novo prato na gastronomia lusa para apresentar na mesa de Natal. É uma moda que chegou a Portugal como tantas outras modas importadas. Imaginem-se dentro de um livro. Todos somos personagens.

Vivemos em democracia, conseguida a muito duras penas depois de uma trágica ditadura. Transformámos um pequeno país com o peso pesado de uma bota de quase cinquenta anos sobre o seu pescoço, numa jovem democracia ainda a aprender a ser adulta, sem verdadeiramente ter saneado uma das áreas mais delicadas da mesma- a Justiça.

Nela se sentou a extrema-direita assegurando que teria o poder legislativo de fazer cair quem entendesse e não lhe fosse favorável. Em tempos de Ditadura.

E nos tempos que correm.

A jovem democracia foi crescendo, a extrema-direita foi-se alimentando e pondo ovos frescos. Só assim se compreende a legitimidade dos arrivistas políticos, aproveitadores da trágica degradação da situação económica e social. Todos sabemos que esqueleto sai do armário quando tal acontece.

Não sou analista política, geo-estratega ou outra. Escrevo histórias, leio e estudo e como na cena de um crime analiso padrões. Como cidadã tenho esse dever. Todos temos.

Nesta fase do caldo da história entra um personagem sinistro enviado pelo Império, para um périplo pelo mundo descoberto, para espalhar o evangelho da extrema-direita e arregimentar novos e frescos apoios– S.Bannon, qual Cardeal Richelieu (sempre gostei de Dumas com os seus romances onde Maquiavel se apresenta). Se foi descoberto? Certamente foi, não sem antes conseguir o seu objectivo, que conto de seguida. É ele uma trama que trama o Estado de Direito numa Democracia.

O conceito Lawfare, ou guerra judicial, significa o uso da lei – ou sistema judicial – para fazer uma guerra. A junção de duas palavras de origem inglesa – law e warfare nasce de um general americano, Charles Dunlap, que em 2001 publicou um artigo definindo a palavra como o uso da lei para atingir objetivos políticos e militares.

Num resumo breve, os golpes de estado militares são substituídos pela “lawfare”. No final das contas, não podem ser acusados de violência na resolução de aspectos políticos de um país que desagradam à extrema-direita.

O combate, esse, não se faz em trincheiras com sangue derramado. Por outro lado, não são levados a mal pela opinião pública nacional nem internacional porque através da lei estão a limpar um país da corrupção. Estão a combatê-la. A limpar o país da sua sujidade.

Estas são as melhores vestes para os falsos moralistas e pretensas pessoas de bem. Imaginem que o 25 de Abril teria acontecido e de seguida tinha sido derrubado num golpe de estado não militar, mas apenas usando a lawfare.

Pergunto numa nota pequena – têm os partidos feito algum trabalho para escolher criteriosamente com transparência e rigor quem os representa, e naturalmente arregimentando os seus melhores representantes para serem escolhidos por quem neles vota?

Esta é a enorme vulnerabilidade Portuguesa, que tem de ser revista, em particular na nossa adulta e pouco sábia democracia, ainda em crescimento, com muitas feridas, em processo de cura, como se fosse uma criança. Partidos e sistema eleitoral com graves falhas ligadas à responsabilidade e à representatividade.

Regressando à lawfare…oh boy, se o Imperador tem usado o instrumento inventado – a lawfare – o melhor instrumento depois da roda.

Desde o início do século XX e em particular nos últimos vinte anos. Certamente se recordam de vários casos na América Latina (a Argentina antes vítima é de novo o próximo, seguindo o actual momento que vive). Lembramos os processos no Brasil com Dilma Roussef e a sua destituição, seguindo-se Lula da Silva com a sua prisão, a Evo Morales, entre outros vários. A lawfare a ganhar.

A tentativa foi fracassada na Venezuela. Enquanto Cuba continua o bastião da resistência. Porém, no geral, o plano tem resultado tão perfeitamente que continua a acontecer, agora mudado de armas e bagagens para a Europa, o vassalo do Imperador. O direito, as leis são usadas para fazer guerra internamente derrubando governos e regimes.

Começa na divulgação de insinuações, de acusações de corrupção e actos ilícitos (de quem se pôs a jeito chocando mais um ovo podre, diga-se de passagem), criam-se desgastes políticos, junta-se o desprestígio, até chegar à massa da liquidação política sem retorno. Coloca-se o bolo no forno (prisão), ou não. O importante do processo – desgaste, insinuação, acusação e liquidação está amassado e levedado.

Neste processo deixam-se pelo caminho alguns verdadeiros culpados, sem processo, sem julgamento,sem prisão, numa morosidade espantosa, reinando a impunidade e a confusão. Ninguém presta contas à e na República. O resultado é naturalmente uma maior percepção de que o jogo está viciado, mas só para uns. Ganham sempre os que usam e jogam o jogo lawfare.

A inquinação pública está conseguida. Os meios de comunicação social fazem o que lhes for dito para fazer não se importando com uma verdadeira investigação.

Há jornalistas e políticos pagos para jogar o jogo, tal como há procuradores e advogados. No final desta história, na qual somos todos personagens como na Cegueira de Saramago vemos que este é um ensaio a ser usado contra nós por além de cegos sermos ignorantes.

Toda a trama se desenrola na nossa frente. Se queremos saber os factos e tirar dúvidas, começamos a cavar para descobrir os corpos enterrados.

A guerra pela lei – lawfare tornou-se a batedeira e o rapa-tacho das democracias no mundo, da qual o Imperador se tem usado com sucesso. É a maior ameaça para todos nós que nos sentamos à mesa de Natal, presos no pé da cadeira enquanto somos comidos.

A lawfare encontrou num Portugal desvitalizado e frágil a sua maior força, nos partidos repletos de gente pouco séria, nem de bem (incluindo o tal arrivista que joga o jogo por dentro, porque recebeu a matéria dada pelo tal sinistro personagem atrás mencionado), terreno pronto a dar frutos.

Não, não é ficção, é uma história baseada em factos surreais. Se estiverem confusos como eu mas a intuir que algo está errado, significa que estão a descortinar por entre os vidros fumados. São efeitos das balas da lawfare.

Não é no vácuo que toda a UE está dominada por soldados obedientes que não ouvem os seus povos descontentes, antes os usam com a sua arma para reconfigurar toda a política, nem que para isso usem as tácticas de terrorismo, através da Comunicação Social, para desprestigiar o Estado, as Instituições, os políticos, os partidos – sem os quais não se constrói uma verdadeira democracia, pujante e sólida, que olhe os problemas dos cidadãos para os resolver (Educação, Habitação, Saúde, Justiça Social).

É nestas alturas de profundo descontentamento que o racismo e as discriminações são exacerbadas além de usados para dividir – nesta nova fase do romance da vida da lawfare.

Tenho sido e vou continuar a ser muito crítica da falta de seriedade de César e da sua mulher. Têm de parecer e ser sérios. Em nome da democracia e da liberdade, conseguidas a tão duras penas. Do Estado de Direito Democrático sentado na balança das Leis. Se nelas não pudermos confiar, perdemos todos.

Vou continuar a contar histórias. Incluindo as que desmascaram quem esteja na política e nas instituições para as descredibilizar e jogar o jogo baixo da lawfare. Incluindo os arrivistas que estão no jogo para o minar por dentro. São cavalos de Tróia financiados por dinheiros sujos vindos de mãos sujas da extrema-direita, sem qualquer seriedade democrática. Cuidado. Ao abrirem a porta ao jogo deles estão a cair na armadilha estendida.

Relembrando as palavras de Eduardo Galeano, o poeta Uruguaio habituado a estas patifarias de golpes e uso da lawfare na América Latina que dizia – “escolham o molho com que querem ser comidos.”

Saibam que estão a ser comidos. Os chegados à vida política não passam de cavalos de Tróia, pagos e a mando. Vão-se ligar aos que têm a lawfare na mão por lhes servir os interesses de poder. Quando ouço Passos Coelho dizer que são tão democráticos quanto qualquer outro sei de certeza que a lawfare é de facto um processo reaccionário em curso. Relembro que o próprio processo de validação do partido perante a Constituição saída de 25 de Abril de 1974 não está devidamente esclarecida. Estas pessoas não são de bem nem vieram por bem! Deveriam estar sentados na tasca, não na Assembleia da República.

Convém ponderarmos todos os elementos da equação, antes de irmos a eleições, depois de um processo dúbio que envolve a PGR e o MP sobre o qual – as questões quem, onde, quando, porquê, como e para quê – ainda não têm respostas transparentes.

Como cidadãos temos o direito de querer saber e obter respostas. A lawfare é esta guerra e não dá respostas.

A divisão de poderes do Estado de Direito está configurada na Constituição da República e tem a todo o custo de ser exigido e defendido. Lei e Política não dormem na mesma cama. Além de quartos separados temos de pedir que a primeira seja cega, isenta e rápida e nunca se submeta a interesses políticos, sobretudo quando a nossa jovem democracia está a ser ameaçada de morte na sua essência, com os Portugueses desgastados, desvitalizados, empobrecidos, liquidados que veem os seus direitos sociais perdidos nas mãos das políticas neo-liberais sanguinárias, direitos esses conseguidos a tão duras penas.

Neste tempo de trevas a transparência é vital. Antes das eleições e depois. Os senhores que se seguirem têm de entender o significado verdadeiro da democracia e do Estado de Direito, sanear os ovos de serpente, ter sentido de defesa e dignificação do interesse público, da prática de comportamentos baseado na ética, sob pena de serem derrotados com a arma da lawfare.

Este é um momento crucial das nossas vidas. Como em qualquer momento vital não é fácil tomar decisões, ofuscados que estamos.

Sigam um conselho de uma cidadã interessada em histórias da História – não se deixem comer sem resistir. A guerra de impérios é real, está ao rubro, move-se por interesses e crimes. 

A Lawfare é baseada em Crimewars e pode ser este o título desta nova realidade.

Anabela Ferreira

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