“Lost in translation”

Os homens escreveram a Bíblia – Velho e Novo Testamento, baseados em contos, fábulas, metáforas, histórias ficcionadas e algumas reais. Todos sabemos como quem conta um conto lhe acrescenta meia dúzia de pontos. Deus não está envolvido directamente no negócio. Este não é de todo o seu negócio. Falo em nome dele como outros se arrogam do mesmo. Falam em nome Dele, em seu nome…é um diz que disse e um enorme ouvi dizer.

É preciso uma fé danada para acreditar. Parece La Palisse, e é. Porque será que os contos mitológicos Gregos são consideradas mitologias e metáforas enquanto que dos romanos Cristianizados escritos da Bíblia são fábulas reais por quem assistiu e/ou falou com Ele? O João, O Pedro, o Paulo, nomes típicos do Oriente-Médio…

Quem disse ao Judeus – antes de Cristo no Velho Testamento – que era o “povo escolhido” e aquela era a terra para eles? É claro que não podemos acreditar – racionalmente – que Deus, o pregador do tal do Amor, seja capaz de o afirmar, tratando uns como filhos e todos os outros como enteados. Valha-nos a Santa Arrogância. Uma coisa é ser-se Judeu, ou Cristão, ou Muçulmano e praticar uma fé, aqui não comes porco, aqui não comes vaca, aqui não comes cordeiro, outra é ser-se crente nesta teoria dos escolhidos.

Se for acreditar neste Deus criador de caos, porque sabe que os seus filhos são uns pindéricos sempre a encontrar razões para disputar nem que seja uma maçã, eu chego à conclusão que se é para criar esta divisão, prefiro não acreditar. Tenho para mim que o Deus – idealizado no sonho destes homens que escreveram os dois testamentos – pediu-lhes algo em troca do tipo – “Ei vocês aí,seus complicados, se vocês humanos forem um pouco mais evoluídos, a minha terra é a terra de todos e não apenas de uns – deixem-me traduzir: “my land is your land”. Falando do reino dos céus para a humanidade. Eish!

Claro que os idiotas deturparam a mensagem conforme as conveniências. Uns agora até dizem que são os “escolhidos”. Enxerguem-se! O acordo original era outro. Perderam-se na tradução! Se eu fosse da Fé e do Ego pensaria que sim “sou a escolhida”. Como sou da razão e do pensamento crítico, fico azeda.

Lembram-se no século XV quando Portugueses, Espanhóis, Ingleses, Franceses, Holandeses, Italianos, Dinamarqueses invadiram terras encontradas, roubaram, mataram e pilharam às cegas, sem dó nem piedade ou remorsos, usando toda a tortura, brutalidade e o nome de Deus, dizendo que a terra lhes pertencia? Não se lembram porque não estavam lá, mas digo-vos eu que sim, foi assim, baseado em factos, não em opiniões. Roubaram a terra, dividiram a seu belo-prazer, criaram sistemas de separação e fizeram-se donos por quinhentos anos, sempre com a Bíblia no bolso, nunca é demais repetir.

Pois agora passada essa parte da História, na Palestina é igual. O que está sempre em causa é o poder, a posse de território e de riquezas. Esse é o único valor que manda. O resto é conversa para bois pedrados com a chama do Snoop Dogg. E claro, as pessoas de pensamento crítico já nem aceitam nem estão a dormir. Por isso se recusam a aceitar que os inimigos reais durmam juntos na mesma cama e falem em nome de Deus. Israel nem precisa de se defender dos Palestinos se não lhes for pisar as oliveiras e as laranjas. Nem Israel é dono daquela terra por ser escolhido, repito. Foi um erro na tradução. Já ali vivia o povo Palestino, também escolhido por Deus, por fazerem parte da humanidade. Tal como os povos Africanos são igualmente escolhidos. Enquanto os povos só fizerem negócio com base na guerra, tortura, desumanidade, sem ética e sem amor, a péssima tradução na religião mantém-se, originando perdas.

O povo Palestino há muito que é visto como o povo Africano de outras eras como o viram Biko, Lumumba, Mandela e Cabral. Dá a cara e a coragem. Só que essas vidas nem ontem nem agora são suficientes. É a política que manda. E essa está morta e enterrada. Falta-lhe vontade.

Deus, se existisse, se existe, está pregado no cadeirão de nuvens sem entender o que correu mal nesta história dos homens com meia-dúzia de milhares de anos.

Que se descuidou ao fazer o bicho humano cruzado de selvagem cruel, psicopata armado em surdo, que se tem em conta de religioso, fez. 

Anabela Ferreira

2 comentários a ““Lost in translation””

  1. anonimo por causa da Cancel Culture diz:

    Quanto ao valor, ou não, da mitologia cristã, não me parece que possa ser avaliada de uma forma literal, historiográfica ou arqueológica. O impacto da mitologia judaico-cristã e da grega clássica estará nas obras que produz, nos atos que a sua inspiração provoca. Como escreveu Fernando Pessoa em ‘ mensagem’: “O mito é o tudo que é nada”

    Quanto à acusação que profere dos europeus terem sido esclavagistas, ela apenas é possível (a acusação, e ainda bem que a podemos fazer livremente) porque um conjunto de instrumentos ocidentais permite que eles existam: as universidades, a democracia, a imprensa livre, o direito romano, o amor ao mais fraco.

    O esclavagismo era uma prática económica de um período da história. Não me parece que tenha sido apanágio dos europeus. Os povos árabes eram tanto ou mais esclavagistas que os europeus ocidentais. Os africanos também, obviamente. Os asiáticos nem dela precisariam, em alguns casos, nem precisam atualmente (mas isso era outra discussão). E a submissão e exploração dos europeus relativamente aos outros, apenas aconteceu nesse sentido — sublinho “nesse sentido” — por supremacia tecnológica e científica. Como ainda hoje acontece e acontecerá (com outros contornos e em direções diferentes) provavelmente no futuro.

    Outra questão que me parece paradoxal, é serem as mesmas pessoas que defendem a igualdade de género, venham depois “tecer loas” aos povos cujas culturas e religiões promovem a desigualdade entre homens e mulheres. Em que ficamos afinal?

    • Luísa Silva diz:

      Olá,

      a) Não terá acompanhado com atenção os livros de História nas Escolas e Academia. Foram os Europeus que iniciaram o sistema Esclavagista em meados do século XV, com as seguintes permissas: Uma Bula Papal Domus Diversas outorgada ao Rei Afonso V de Portugal para “conquistar e dominar” pela força das armas, da Bíblia e fazer dos homens “escuros” seus escravos com base na cor da pele. Esta base de conquista, domínio e tráfico negreiro é naturalmente diferente de todas as formas de escravatura praticadas por Gregos, Romanos, Árabes. Nunca antes houve tráfico Negreiro tendo por base a cor de pele, o tráfico para fora do Continente, das suas casas, a destituição de cultura, nome e obrigatoriedade de serem Escravizados para a vida toda, bem como toda a descendência. Durou 5 séculos. Só por esta pequena resenha pode constatar as diferenças. Aconselho também a leitura das Crónicas da Guiné de Gomes Eanes de Zurara para entender todo o proposto com este Tráfico Negreiro, sem comparação com outro período da História Humana. Sim iniciado por Portugueses e a partir deles continuado por todos os demais, até à Conferência de Berlim no século XIX quando os territórios africanos foram divididos e distribuídos. Se Europeus e os povos escravizados tivessem tido as mesmas oportunidades estariam hoje ao mesmo nivel. Se hoje os Povos Europeus que morriam que nem tordos durante a Peste negra antes de se iniciarem as “Descobertas” se tornaram mais ricos e desenvolvidos com a Renascença e Iluminismo devem-no à Escravatura. e aos roubos no Continente Africano. b) A igualdade tem a ver com Direitos, Oportunidades, Salários Iguais para trabalho Igual. Claro que há loas aos Europeus – descendentes da Civilização Grega-Romana, que em muito foi buscar a Civilizações mais antigas como a Etíope e a Egípcia – têm tanto de desenvolvimento apesar de ainda falar mais alto a desigualdade, o patriarcado, a castração da liberdade da mulher entre outras mais. Obrigada por comentar. Ficamos afinal na conclusão de que há assuntos que lhe requerem estudos mais aprofundados. O que lhe apresento aqui como argumentos são factos da História não opiniões.

      Anabela Ferreira

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