A conferência de imprensa da passada segunda-feira, 26/10, da Ministra da Saúde, Marta Temido, representou um espectáculo inqualificável tanto pelo que ali foi dito e feito como também, para não dizer sobretudo, pelo que não foi – e deveria ter sido – assumido.
Desprovida agora – seguramente por indicação dos “conselheiros de imagem” do governo, preocupados em fazer passar uma ideia de “responsabilidade” e de controlo da situação – da habitual muleta da Directora-Geral da Saúde, a Ministra mostrou-se aquilo que sempre foi, mas que a imprensa sempre procurou branquear: uma governante tão arrogante quanto incompetente, e furiosa com a verdade dos factos, cada vez mais difícil de ser encoberta.
Ausência de estratégia e de resposta eficaz
Assim, quanto às críticas de que a Direcção-Geral e a Ministra da Saúde omitem e escondem informação, do que tratou foi de despejar gráficos sobre gráficos, ao estilo do “Ai, querem dados? Então agora aí os têm aos pontapés!”. Mas logo que foi confrontada com o que é previsível que se vai passar depois de 4 de Novembro (data em que, segundo as próprias previsões oficiais, o número de doentes internados com Covid-19 ultrapassará os 3.000, 444 dos quais em Unidades de Cuidados Intensivos), Marta Temido mostrou não ter qualquer ideia ou, muito menos, qualquer plano estratégico para fazer face à situação, que é cada vez mais grave, não só porque faz parte da “lógica” de funcionamento de várias das pandemias as segundas vagas causarem muito mais vítimas de que as primeiras vagas (por exemplo, a segunda vaga da chamada “gripe espanhola”, em 1918/1919, terá causado 10 vezes mais vítimas do que a primeira), mas sobretudo porque, desde o início, não só não se teve uma estratégia adequada como não se adoptaram a tempo as medidas necessárias em termos de meios humanos, materiais e logísticos[1].
A teoria do “melhor possível”
Desta forma, e com a cumplicidade activa de grande parte da Comunicação Social (que o que entendeu fazer foi elogiar acriticamente o governo e execrar e silenciar as vozes discordantes), o Executivo de Costa pôde ir jogando um jogo tão manipulador quanto perigoso consistente em tratar de convencer a opinião pública de que este era um fenómeno de uma dimensão e gravidade muito maiores do que inicialmente tinha sido previsto e de que eram os próprios cidadãos (assim convenientemente assustados e paralisados pelo terror) os principais responsáveis pelo agravamento da situação, e não os próprios governantes, pois estes estavam, sempre, a fazer “o melhor possível” para combater a doença.
Ora, logo na fase inicial, quando se conheceram os primeiros casos e era essencial agir rápida e eficazmente, o governo deixou passar praticamente um mês antes de tratar da aquisição, por exemplo, de equipamento de protecção individual, como máscaras. Mas essa falha foi encoberta e até “justificada” com o argumento, mil vezes repetido pelos responsáveis, de que as ditas máscaras até nem eram importantes porque davam “uma falsa sensação de segurança”. E muito menos se falou, e menos ainda o governo tratou então, de assegurar mais camas, mais equipamentos, mais hospitais e sobretudo mais profissionais de saúde, porque, começando a situação a mostrar a sua gravidade, os mesmos governantes estavam, é claro, a fazer “o melhor possível”.
Uma passividade irresponsável e perigosa
Depois, foi-se tornando cada vez mais claro que a assistência hospitalar aos doentes Covid só estava a ser possível, por um lado, pelo esforço sobre-humano dos profissionais de saúde – esforço esse que, todavia, tinha, e tem, um limite – e, por outro (e em virtude dos sucessivos desinvestimentos e desarticulação de que o Serviço nacional de Saúde tem vindo a ser vítima ao longo das três últimas décadas), pela retirada de meios (camas, em especial camas especializadas, profissionais afectos, consultas, exames auxiliares de diagnóstico e cirúrgicas) aos doentes não Covid. E que se não se fizesse um urgente e significativo reforço de todos esses meios, o resultado seria catastrófico, primeiro para esses doentes não Covid e depois para os próprios doentes Covid.
Mas, uma vez mais, essas falhas – aliadas a outras, como seja a da permissão, impune, do encerramento durante mais de um mês do Hospital e de todos os serviços clínicos do SAMS, a completa passividade e não requisição civil dos hospitais privados que logo declararam não querer receber doentes Covid e remeteram grávidas para o SNS, e ainda a inexistência de qualquer plano para usar os hospitais militares como hospitais de rectaguarda, por exemplo – foram encobertas e os seus críticos, uma vez mais, silenciados.
A culpa é dos cidadãos
De par com esta incompetência e esta gravíssima irresponsabilidade – mantidas por Costa, na pessoa da Ministra Marta Temido, à frente da governação da área da saúde sob o argumento (lembram-se também?) de que “em tempo de guerra não se mudam os generais” –, o governo tratou de persuadir os cidadãos de que se alguma coisa já então corria, ou pelo menos ameaçava correr, mal, a culpa era dos mesmos cidadãos e curou de multiplicar as proibições e os poderes policiais, fiscalizadores e sancionatórios.
O discurso dominante foi então o de que, em nome da (inegável) legitimidade do fim do combate da pandemia, todos os meios (mesmo os da completa inutilização do chamado Estado de Direito) seriam lícitos e justificáveis, mesmo que através de barbaridades anti-constitucionais como a da restrição de direitos fundamentais através de Resoluções do Conselho de Ministros e até de meras medidas administrativas.
Desta forma, com uma opinião “cientificamente” tão enganada e manipulada quanto aterrorizada e vulnerável ao discurso da aceitação de todo o tipo de autoritarismos como pretensa forma de proteger a sua vida e a sua saúde, e com a prestimosa e insubstituível ajuda do Presidente da República, o governo foi multiplicando e endurecendo as ditas proibições e engendrando as mais estapafúrdias das teorias para justificar a sua irresponsável falta de acção onde ela deveria sobretudo incidir.
Assim, tratou de perseguir (e lançar contra elas musculadas e aparatosas medidas policiais) algumas concentrações de umas dezenas de cidadãos (a começar pelos jovens), recriminando-os ferozmente por estarem a produzir o contágio. Para simultaneamente permitir e autorizar concentrações e eventos de hiper-dimensão, para os quais já não houve ou vontade ou coragem política para assumir idênticas medidas restritivas ou até policiais (como as festas religiosas em Fátima em Agosto e Setembro, a Festa do Avante no início de Setembro e, mais recentemente, o Grande Prémio de Fórmula 1, este com 27.500 assistentes), como também não houve a vontade ou coragem para tomar as medidas políticas e organizativas que se impunham, chegando-se ao ridículo de se sustentar que os transportes públicos apinhados como os comboios da linha de Sintra ou da Azambuja ou o Metro, afinal, não eram adequados a propagar o contágio.
Pelos vistos, e para estes governantes e “especialistas” sem vergonha, o coronavírus, quando chega aos locais da responsabilidade do governo e demais autoridades públicas e onde estas não querem ou não conseguem impor o distanciamento físico dos 2 metros (com os transportes públicos à cabeça), pára e logo fica inactivo!…
Mas, repare-se, a culpa é sempre dos cidadãos – primeiro os do Bairro da Jamaica ou dos bairros pobres junto ao Parque das Nações, depois dos jovens em geral, em praias como a de Carcavelos ou em zonas de bares e, de seguida, dos estudantes à porta das respectivas escolas.
Para em nome de tudo isto se irem reforçando as medidas restritivas dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e, logo depois, se concluir afinal que não há evidência científica de que sejam esses os pontos principais de contágio!?…
A pseudo-ciência ao sabor da conveniência
Agora que já estão em curso novas medidas de confinamento (leia-se: de recolher obrigatório) como as já decretadas (quer, em permanência, nos concelhos de Paços de Ferreira, Lousada e Felgueiras, quer para todo o país, nos dias 30/10 a 3/11), a Ministra, as autoridades de saúde e os “especialistas” de serviço (os mesmos – recorde-se – que em Março/Abril defendiam com unhas e dentes que as máscaras para pouco ou nada serviam e que em Outubro, com as mesmas unhas e os mesmos dentes, vieram defender a obrigatoriedade legal do seu uso, sob pena de multas até 500€…) fizeram uma nova e notável descoberta: é que, dizem eles, afinal, não há evidência científica de que os grandes factores de contágio sejam os transportes públicos ou as escolas, pois que o grande factor são… as próprias famílias e as suas reuniões!?… Isto é, as opiniões ditas “científicas” vão variando consoante o que, em cada momento, vai convindo ao governo para nos tentar convencer de que está mesmo a fazer o tal “melhor possível”…
É absolutamente evidente que, acima de tudo, importa salvar vidas. E que devem ser adoptados todos os comportamentos defensivos e preventivos que permitam conter o mais possível a propagação da pandemia.
Mas nem os números da Covid-19 (com que propositadamente somos bombardeados todos os dias, durante horas a fio, pelas televisões, pelas rádios e pelos jornais) podem ser, como têm sido desenquadrados, de forma manipulatória, do conjunto de doenças que também causam a morte, e em número bastante superior (como as cardio-vasculares, as oncológicas e outras doenças do foro respiratório, por exemplo[2]), nem tais números podem fazer esquecer ou justificar o gravíssimo abandono a que os doentes que padecem dessas outras patologias têm sido votados por força da inépcia e da inércia no reforço dos meios de saúde.
E igualmente não podem permitir escamotear como o governo está notoriamente a falhar na acção contra a pandemia da Covid-19 e relativamente às situações e às realidades que a tornam ainda mais letal (como é o caso da especial vulnerabilidade das centenas de milhares de velhos enfraquecidos, doentes, esquecidos e abandonados à sua sorte em lares sem as condições mínimas de higiene e segurança sanitária e, nalguns casos, com condições infra-humanas e verdadeiramente criminosas).
Que medidas, afinal, faltaram?
Se o governo já estava a prever na segunda-feira, 26/10 (e já o deveria ter previsto há muito mais tempo), que fossem rapidamente ultrapassados os 3.000 infectados diários (mais precisamente 2.634 em enfermarias e 444 em Unidades de Cuidados Intensivos), quando logo no dia seguinte houve 3.299 novos e se das 19.778 camas de hospital geral já 17.741 estão destinadas a doentes Covid; se há serviços e até hospitais a não poderem aceitar mais doentes (Covid e não Covid); se os profissionais de saúde estão já, e desde há muito, em completa exaustão; se faltam manifestamente meios, humanos e materiais, para ter em correcto e eficaz funcionamento quer o SNS-24, quer a efectivação de testes, quer, sobretudo, a realização dos imprescindíveis estudos epidemiológicos (destinados a detectar e identificar as cadeias de contágio e permitir assim um combate eficaz à infecção), se tudo isto se passa, que medidas tácticas e estratégicas tomaram, e sobretudo tomaram a tempo, a Ministra da Saúde e todo o governo, que não a de pôr a polícia atrás dos cidadãos, apresentados como os culpados de tudo?
Esta é a pergunta que, sem rodeios e sem receios (designadamente o de que – horror dos horrores – se está a fazer um “ataque político” à pobre da Ministra), pode e deve ser feita. Como pode e deve ser exigido pelos cidadãos que, em vez de manobras de evasão, jogos de propaganda e operações de manipulação, os responsáveis políticos dêem a devida e concreta resposta.
Até porque já ninguém pode aceitar que vejamos os responsáveis governamentais a asseverarem que a pandemia está controlada, que o SNS tem capacidade de resposta para a situação e que a saúde de todos os portugueses está assegurada e depois ouçamos médicos, e inclusive Directores de Serviço, enfermeiros e outros profissionais, a denunciarem o “rebentar pelas costuras” (por exemplo, no Hospital de São João no Porto) ou até o caos (como no Hospital de Penafiel) dos seus locais de trabalho, a impossibilidade de realizar a tempo os inquéritos epidemiológicos (como os médicos de saúde pública têm continuamente alertado) e o contágio crescente e a absoluta exaustão de médicos e enfermeiros (com as respectivas Ordens e Sindicatos têm insistentemente alertado).
A resposta à pergunta essencial
Mas como a realidade dos factos não pára nem é possível paralisá-la ou eliminá-la com polícias, medidas administrativas, multas ou requisições civis, a resposta àquela pergunta essencial (que medidas atempadas e eficazes foram tomadas?) está já a ficar à vista.
Em vez de ter reforçado atempadamente a capacidade instalada do SNS, o que a Ministra ainda agora se prepara para fazer é não proceder à requisição civil dos hospitais dos sectores privado e social – porquanto isso, para Costa e Companhia, seria afrontar os grandes interesses privados desse sector[3] e, por isso mesmo, por ordem da Ministra, o SNS já passou os primeiros 10 doentes com Covid-19 para uma unidade privada de saúde ao abrigo de uma “convenção” assinada na semana passada e cujos exactos termos, designadamente monetários, se desconhecem.
Afinal, a Ministra da Saúde, que gosta de se apresentar como “defensora do SNS” e contra a normalização da compra de serviços de saúde a prestadores privados, é isso precisamente que tem feito e vai continuar a fazer, porque ordenar a requisição civil de enfermeiros em greve e em luta pela dignificação da tão maltratada carreira, isso é para fazer, mas já determinar, em situação de calamidade, a requisição ou mobilização dos privados de saúde, isso jamais, pois é mais fácil remeter para eles os doentes não Covid, enchendo deste modo os bolsos à Saúde privada e fazendo (uma vez mais!) os contribuintes portugueses pagarem muito mais do que custaria reapetrechar o SNS.
O efectivo combate à pandemia exigiria que, assim que houvesse um registo de infecção da Covid-19, de imediato as autoridades de saúde deveriam encetar (no máximo em escassas horas) o correspondente inquérito epidemiológico para se saber com quem a pessoa infectada contactara nas últimas duas semanas, e estas serem, por seu turno, logo contactadas e testadas. Acresce que quem esteve em contacto com um infectado tem de ficar à espera da determinação do seu isolamento profilático que é feita pela autoridade de saúde, que não só demora a passar as declarações comprovativas que permitem aos trabalhadores justificarem as suas faltas junto das respectivas entidades empregadoras (sob pena de, faltando e não justificando, poderem até ser despedidos) como, inclusive – e já tem sucedido por diversas vezes – dá indicações que não coincidem com as que foram dadas pelo SNS-24.
Mais! O que actualmente se verifica é que não só há várias plataformas electrónicas de introdução da informação de infecção, como o contacto, quer com o infectado quer com as pessoas que dele estiveram próximas, está a demorar dias no primeiro caso, e até semanas no dos segundos, havendo ainda inúmeras pessoas que nunca receberam sequer tal informação.
E tudo isto porquê? Desde logo porque não há uma estratégia única de informação, mas sobretudo porque o número de profissionais envolvidos neste trabalho de vigilância activa é manifestamente insuficiente. Havia na passada segunda-feira, 26/10, 48.834 “casos activos” e 59.631 “contactos em vigilância”, números impressionantes cuja tendência actual é, como se tem visto, de marcado crescimento. Ora, existem menos de 400 médicos de saúde pública para estes cerca de 60.000 cidadãos e mesmo a parte desta tarefa que não exige tanta qualificação e diferenciação técnica, e por isso já hoje conta com o esforço de enfermeiros de saúde comunitária, de técnicos de saúde ambiental e até de assistentes técnicos, tem um enorme défice de pessoal. Já se sabia que este era um problema que iria existir e, por isso mesmo, outros países e regiões (como a Alemanha e a Catalunha, por exemplo) tomaram a tempo medidas de contratação de rastreadores de contágio, o que não foi feito entre nós, tendo-se ido apenas correr, e tardiamente, atrás do prejuízo, com contratações insuficientes e atrasadas.
Ora, sem conseguir identificar atempada e eficazmente as cadeias de contágio, para depois se actuar bem e em força sobre elas, não será nunca possível conduzir um combate digno desse nome à propagação da pandemia.
E sem meios hospitalares, adequados e suficientes, Covid e não Covid, não apenas não se conseguirão tratar (como deveria) os atingidos pela pandemia, e muito em particular os mais vulneráveis, como prosseguirá o atraso, muitas vezes irrecuperável, nos restantes pacientes, lesando-lhes de forma irremediável os constitucionalmente consagrados direitos à saúde, à vida, à integridade física e à qualidade de vida, que é precisamente aquilo que já está hoje a acontecer. Mais de um milhão de consultas, centenas de milhares de exames auxiliares de diagnóstico e mais de 100.000 cirurgias em falta é, na verdade, uma situação dramática, muito em particular para os doentes mais graves.
Numa situação – que era, repete-se, perfeitamente previsível – de agravamento da pandemia, uma ferramenta muito útil são os chamados “testes rápidos” que, sendo menos sensíveis que os laboratoriais (ou seja, os que se fazem presentemente, de diagnóstico molecular de amostras recolhidas por zaragatoas), logo, com muito menos falsos positivos, têm o seu resultado conhecido em apenas 30 minutos. Tais testes rápidos estão sobretudo aconselhados para os profissionais de saúde (em situação de contínua exposição ao risco de contágio) e para as situações de surto (designadamente em escolas e sobretudo em lares de idosos, onde a subida do número de casos, como infelizmente bem sabemos, tem sido em flecha). Ora, o que é que se passa com estes mesmos utilíssimos “testes rápidos”? Por atraso, uma vez mais, da acção do governo, o nosso país só disporá deles aproximadamente dentro de duas semanas quando cada dia conta e, nessa altura, a pandemia previsivelmente se terá consideravelmente agravado.
E quanto aos “testes normais” (laboratoriais), cumpre dizer que mesmo após o grande reforço do seu número – o qual, recorde-se uma vez mais, teve de ser imposto ao governo pelos cientistas e pela opinião pública em geral –, realizando 24.300 testes por dia e tendo atingido 3.2 milhões de testes realizados, Portugal está, mesmo assim, num modesto 10.º lugar entre os países europeus relativamente ao número de testes por milhão de habitantes.
Manipulação em vez de persuasão
Mas para um governo (e também um Presidente da República) sobretudo interessados na sua imagem e na sua manutenção no poder e, logo, muito mais empenhados na “lógica da cenoura e do chicote” do que na persuasão, é evidente que a confiança e a informação rigorosa, clara e transparente não relevam de todo.
Por isso mesmo, o governo e a DGS resistem a divulgar, por exemplo, os chamados mapas de risco, que permitem uma imagem clara da situação existente concelho a concelho. Por isso também, verificam-se constantes divergências, e graves, entre os números da Direcção-Geral da Saúde e os das autarquias e até os das próprias Administrações Regionais de Saúde[4].
Se para além das medidas políticas e administrativas de combate à pandemia, são também importantes – como realmente são – os comportamentos dos cidadãos, é vital ganhar a sua confiança e obter, antes de tudo e acima de tudo pela persuasão, a sua adesão generalizada às condutas que a ciência aponta como as mais adequadas. Mas tal confiança só é passível de ser alcançada se, quem decide, o faz em obediência aos interesses do povo e de forma clara e transparente, e não com operações tão mediáticas quanto manipuladoras[5].
Quem, além do mais, bem conhecedor do que aí vem do ponto de vista da grave crise económica e social, o que procura é amedrontar e perseguir os cidadãos para depois tratar de os responsabilizar pelos seus próprios insucessos e, do alto da sua arrogância e da sua incompetência, se empenha, sempre sem uma só palavra de auto-crítica, sempre sem o reconhecimento de um único erro e sempre sem “mudar generais[6]”, em mascarar a realidade e em reforçar os seus próprios poderes, está a ir por muito mau caminho. Um caminho que todos temos o direito e até o elementar dever de recusar!
António Garcia Pereira
[1] Na quarta-feira 28/10, o número de novos casos já atingiu o número de 3.960 e o Instituto de Saúde Pública da Universidade Pública prevê que, na primeira semana de Novembro, esse número atinja os 8.000, 85% dos quais no norte do país.
[2] Segundo os dados do Pordata, durante o ano de 2018, houve cerca de 33.000 mortes por doenças cardio-vasculares, 27.800 por doenças oncológicas e 13.000 por doenças do foro respiratório.
[3] Recorde-se que só a empresa GLSMed, do grupo privado Luz Saúde, embolsou até agora 38,3 milhões de euros em contratos para fornecimento de equipamentos de protecção e testes.
[4] Por exemplo, no concelho de Paços de Ferreira, o número de infecções registadas pela ARS Norte é mais do dobro do divulgado pela DGS e situação similar se verifica, por exemplo, quanto a Lousada.
[5] No meio da gravidade e até do absurdo de toda esta situação, só faltava mesmo era o surreal: segundo declarou recentemente o Ministro da Defesa João Cravinho – mas essas declarações curiosamente quase desapareceram do registo noticioso…– , as Forças Armadas, em vez de terem as suas infra-estruturas e o seu mais qualificado pessoal de saúde (médicos, enfermeiros, farmacêuticos) devida e plenamente integrados no Sistema Público de Saúde, reforçando assim a sua capacidade de resposta, antes viram tais profissionais serem colocados pelo Ministro a fazerem aquilo que foi descrito como “acções presenciais de sensibilização e demonstração sobre boas práticas relacionadas com cuidados gerais, pessoais e na instituição a adoptar, utilização de equipamentos de protecção individual, limpeza e desinfecções e circuitos a implementar”, tudo isto a realizar-se junto dos 2.770 lares para idosos que são conhecidos das autoridades, tendo já efectuado 364 dessas “acções de dinamização”, não cultural, mas sanitária…
[6] Convém recordar que foi em plena Segunda Guerra Mundial, mais exactamente em 10 de Maio de 1940, que a Inglaterra mudou de “generais”, substituindo Chamberlain por Winston Churchill e este proclamou, perante a gravidade da iminência da invasão do país pelas tropas de Hitler: “É inútil dizer que estamos a fazer o possível. Precisamos é de fazer o que é necessário”.
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