A tarde era de março, solarenga e chuvosa.
Talvez porque a instabilidade dos elementos instigava à ação – ainda que esta pudesse ser apenas pequena e moderada – fugi dos caminhos alcatroados do jardim, desviando-me por um atalho pisado entre ervas que me levaram a uma ribeira.
Devido às chuvas, a corrente pulsava nervosa e alegre entre as pedras que pontuavam um caminho entre as margens. Veio-me a vontade de atravessar ali mesmo. Tracei mentalmente uma rota possível pedra a pedra e lancei-me à empreitada. Já os pés saltitavam pelas primeiras pedras, quando me senti desequilibrado e hesitante sobre qual a pedra onde deveria pousar a próxima passada.
A água trepava agora lentamente pelos ténis acima. Vislumbrei ao meu lado um caniço que se sobrepunha horizontal à ribeira. Era tão enfezado e quebradiço que tinha como única função servir de poleiro às toutinegras que caçavam mosquitos por ali. Ainda assim, com a mão direita agarrei-me a ele. Com surpresa, notei que aquele corpo estreito e frágil deu-me uma confiança inesperada.
Senti-me seguro outra vez e sem mais delongas segui pedra a pedra até à outra margem sempre com o caniço dentro da mão.
Quando lá cheguei, perguntei-me: se não foi a solidez do caniço que me garantiu a estabilidade durante a travessia, o que foi? Tinha sido algo de imaterial, um sentimento, uma aliança entre as forças invisíveis que me habitavam e rodeavam. Creio que é a isto que os filósofos chamam de metafísica.
Luis Palma Gomes
E que os religiosos chamam de fé…