A notícia, brutal, chegou-me a meio da tarde da última terça-feira: o Mestre Festas morreu! E embora soubesse que ele estava gravemente doente há já longos meses, o meu choque por esta vida, assim ceifada aos 58 anos de idade, foi enorme.
Conheci o Mestre Festas há cerca de quatorze anos e meio após o trágico e desesperante naufrágio da embarcação de pesca “Luz do Sameiro”, em 29 de Dezembro de 2006, junto à praia da Légua, em Pataias. Encalhada a cerca de 50 metros da linha de água e fustigada por fortes vagas, 6 dos seus 7 tripulantes foram sendo levados, um a um, pelo mar revolto perante o olhar horrorizado de quantos em terra assistiam, impotentes face à falta de meios adequados de salvamento, ao desenrolar da horrível tragédia. Com as redes de pesca espalhadas em redor da “Luz do Sameiro”, nenhuma embarcação a hélice se conseguia aproximar o suficiente para efectuar o salvamento, não havia nenhuma embarcação ou sequer moto a jacto, nem qualquer dispositivo lança-cabos e o helicóptero que, a centenas de quilómetros de distância, levantou voo, por uma deficiência de comunicações, foi procurar a embarcação em risco no ponto onde ela, com o motor avariado, começara horas antes a garrar, milhas para fora do local em que realmente se encontrava.
Foi então que o Mestre Festas, contra tudo e contra todos, justa e genuinamente indignado com a inutilidade e a brutalidade da perda daquelas seis vidas humanas à vista de desesperados familiares, amigos e companheiros de faina, e decidido a exigir ao governo da altura que fossem tomadas medidas a sério para socorrer pescadores e navegantes em risco e evitar mais tragédias como aquela, rumou sozinho a Lisboa e aí permaneceu durante cerca de três dias à porta do governo, até ser finalmente recebido e conseguir enfim fazer ouvir a voz de milhares de pescadores.
Fiquei tão impressionado com este absolutamente extraordinário exemplo de convicção e de tenacidade que procurei então chegar à fala com o Mestre Festas. Essa foi uma conversa que nunca esquecerei, em que me deu conta do abandono, designadamente em matéria de condições de segurança no mar, a que estavam votados os pescadores, e da urgente necessidade de mudar esse estado de coisas, logo afirmando que também para essa causa todas as ajudas, mesmo as mais modestas, seriam bem-vindas.
Foi assim que tive a enorme honra de colaborar, como muitos outros, mas sempre sob o impulso e com a inesgotável energia do Mestre Festas, na construção e na criação formal, em 17 de Maio de 2007, da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar. Como tive a oportunidade e o privilégio de ir acompanhando (inclusive assistindo com ele a alguns simulacros de salvamento marítimo), umas vezes mais de perto e outras mais de longe, a sua permanente, sempre dedicada e até frenética actividade em defesa dos homens do mar.
Perante uma situação mais grave ou mais complicada lá estava sempre o Mestre Festas a acompanhá-la de perto, a exigir a tomada de medidas adequadas por parte das autoridades responsáveis, e também a prestar apoio e a dar conselhos aos pescadores e às suas famílias, a tratar e a vencer as burocracias (como, por exemplo, as relacionadas com seguros).
A “menina dos olhos” do Mestre Festas era, de facto, a “Pró-Maior”, que, aliás, foi justamente condecorada pelo Presidente da República, em 2017, como Membro Honorário da Ordem de Mérito. E, na verdade, se hoje em dia as condições de segurança das embarcações dos nossos pescadores, não sendo ainda as ideais, são muito superiores às que existiam aquando do naufrágio da “Luz do Sameiro”, com a maior parte delas já equipadas quer com balizas “EPIRB” (emissão de sinal de socorro com geo-localização), quer com balsas (como a que permitiu a sobrevivência dos 6 tripulantes da “Virgem do Sameiro”, naufragada ao largo do Cabo Mondego no final de Novembro de 2011), tal se deve, acima de tudo, à meritória acção da “Pró-Maior”, sempre sob o impulso e a infatigável presidência do Mestre Festas.
Outras das suas batalhas de sempre estavam também já a surtir efeito, como o início do plano de dragagens do porto da Póvoa do Varzim e a criação de mais de uma centena de novos espaços de armazenamento à entrada da marina.
Justamente agraciado também pela Câmara Municipal de Vila do Conde, com a medalha de Mérito Singular e a Medalha de Mérito do Associativismo, o Mestre Festas era uma autêntica “força da natureza” e um permanente exemplo de inconformismo, de persistência, de coragem e de dedicação, com o qual muito, mas mesma muito, aprendi!
Mas o Mestre Festas tinha também um magnífico e enorme coração, um excelente e generoso Amigo, capaz de tirar a própria camisa para a dar a quem dela necessitasse. Nunca, mas mesmo nunca esquecerei o afecto e a ternura do longo abraço que demos aquando da festa dos meus 60 anos de idade, tendo sido para mim um privilégio ter podido privar com ele.
Por tudo isto, a sua família – a quem tanto amava – os seus amigos, todos eles, dos mais próximos aos mais distantes, mas também todos os homens do mar, e em particular todos os pescadores, ficaram mais pobres com o falecimento do Mestre Festas e sentem por ele um profundo pesar e já uma enorme saudade.
Mas o seu exemplo já deu e irá dar ainda mais frutos e esse seu exemplo e a sua memória não serão nunca esquecidos por todos aqueles com quem conviveu, com quem trabalhou, com quem batalhou, mas sobretudo pelos Homens do Mar que tanto defendeu! Em cada vaga que nos atinja e adorne, em cada rajada de vento que nos ruja aos ouvidos, lá ouviremos a voz firme do Mestre Festas sussurrando-nos, sempre e sempre: “Vamos em frente! Nunca desistir!”.
Dirijo estas últimas palavras à família, em especial à sua mulher, a Rita, cujo afecto não esqueço, e aos filhos: Morreu um Homem bom, mas, na verdade, os Homens bons não morrem nunca! Muita coragem!
Até sempre, Querido Amigo!
Honra ao Mestre Festas!
António Garcia Pereira
Que descanse em Paz.