Leia na íntegra a longa carta enviada pelo ministro grego das Finanças ao presidente do Eurogrupo, que já deu o seu “sim” às propostas formalizadas pelo Executivo helénico. Saiba tudo o que a Grécia se propõe fazer para garantir o financiamento extra para os próximos quatro meses.
Caro Presidente do Eurogrupo,
Na reunião do Eurogrupo de 20 de fevereiro de 2015, o governo grego foi convidado a apresentar às instituições, até segunda-feira 23 de fevereiro de 2015, uma primeira lista abrangente de medidas de reforma que tenciona lançar, para serem depois especificadas e acordadas até final de abril de 2015.
Além da codificação da sua agenda de reformas, de acordo com o discurso programático do primeiro-ministro Tsipras no Parlamento da Grécia, o governo grego comprometeu-se também a trabalhar em articulação com os parceiros europeus e com as instituições, bem como com o Fundo Monetário Internacional (FMI), e tomar medidas que reforcem a sustentabilidade orçamental, garantam a estabilidade financeira e promovam a recuperação económica.
A primeira lista abrangente de medidas de reformas segue de seguida, tal como previsto. É nossa intenção implementá-las enquanto recebemos assistência técnica e financiamento dos Fundos Estruturais e de Investimento Europeus.
Atenciosamente,
Yanis Varoufakis
Ministro das Finanças
Grécia
I- Políticas orçamentais
Políticas fiscais – a Grécia compromete-se a:
* Reformar a política, administração e imposição do IVA. Serão feitos esforços robustos para melhorar a receita e combater a evasão recorrendo a meios eletrónicos e outras inovações tecnológicas. A política do IVA será racionalizada em termos de taxas que serão simplificadas de formar a maximizar a receita sem haver um impacto negativo na justiça social, e tendo em vista a limitação de isenções ao mesmo tempo que são eliminadas deduções irrazoáveis.
* Modificar a tributação do investimento coletivo e as despesas consideradas para efeitos de imposto sobre o rendimento que serão integrados no código do imposto sobre o rendimento.
* Alargar a definição de fraude e evasão fiscal e eliminar a imunidade fiscal.
* Modernizar o código do imposto sobre o rendimento e retirar dele as isenções fiscais, substituindo-as, quando necessário, por medidas de reforço da justiça social.
* Fazer cumprir de forma decidida e melhorar a legislação sobre preços de transferência.
* Trabalhar no sentido de criar uma nova cultura de cumprimento das obrigações fiscais para assegurar que todos os quadrantes da sociedade, e especialmente os que têm maiores rendimentos, contribuam de forma justa para o financiamento das políticas públicas. Neste contexto, com a assistência dos parceiros Europeus e internacionais, será criada uma base de dados da riqueza que ajudará as autoridades tributárias a aferir a veracidade dos rendimentos declarados para efeitos fiscais.
Gestão das Finanças Públicas – a Grécia vai:
* Adotar alterações à Lei de Orgânica Orçamental e dar passos para melhorar a gestão financeira pública. A implementação do orçamenta será melhorada e clarificada tal como o controlo e responsabilidades de reporte. Procedimentos relativos aos pagamentos serão modernizados e acelerados, ao mesmo tempo que será dado um elevado grau de flexibilidade orçamental, financeira e de accountability às entidades independentes ou reguladores.
* Elaborar e implementar uma estratégia para a liquidação de pagamentos em atraso, reembolsos fiscais e pedidos de pensões de reforma.
* Transformar o já estabelecido (embora até agora pouco ativo) Conselho Orçamental numa entidade totalmente operacional.
Administração da receita – a Grécia vai modernizar as administrações fiscal e aduaneira beneficiando, para isso, da assistência técnica disponível. Com este objetivo a Grécia irá:
* Melhorar a abertura, transparência e alcance internacional do processo de nomeação, avaliação e substituição do Secretário-Geral da Secretaria-Geral da Receita Pública.
* Reforçar a independência da Secretaria-Geral da Receita Pública (SGRP), se necessário através de nova legislação, face a todos os tipos de interferência (política ou outra), garantindo em simultâneo a plena responsabilização (accountability) e transparência das suas operações. Para este fim, o governo e a SGRP farão uso da assistência técnica disponível.
* Assegurar ao SGRP os recursos humanos adequados, tanto quantitativa como qualitativamente, em particular as unidades que lidam com contribuintes de riqueza elevada e com grandes devedores e garantir que tem fortes poderes de investigação/acusação, e recursos baseados nas capacidades das SDOE [brigadas de investigação de crimes fiscais], de forma a visarem efetivamente a fraude fiscal e impostos em atraso de grupos de elevado rendimento. Considerar a vantagem de integrar das SDOE na SGRP.
* Aumentar as inspeções, as auditorias baseada no risco e a capacidade de cobrança, ao mesmo tempo que procura integrar as funções de receita e cobrança da Segurança Social na Administração Pública.
Despesa pública – as autoridades gregas vão:
* Rever e controlar os gastos em todas as áreas da despesa pública (por exemplo, educação, defesa, transportes, administração local, benefícios sociais)
* Trabalhar no sentido de melhorar drasticamente a eficiência dos departamentos e unidades administrados a nível central ou local segmentação visando os processos orçamentais, reestruturação de gestão e realocação de recursos mal utilizados.
* Identificar medidas de redução de custos através de análise completa à despesa de cada ministério e da racionalização da despesa não salarial e não relacionada com pensões que, atualmente, representa um espantoso peso de 56% na despesa pública total.
* Aplicar a legislação (atualmente em fase de projeto no Gabinete de Contas Gerais – GCG) para rever benefícios não salariais no setor público.
* Validar benefícios através de controlos cruzados entre autoridades relevantes e de registos (por exemplo, número de contribuinte e de segurança social), o que ajudará a identificar beneficiários não elegíveis.
* Controlar a despesa de saúde e melhorar a oferta e qualidade dos serviços médicos, ao mesmo tempo que é assegurado o acesso universal. Neste contexto, o governo pretende apresentar propostas concretas em colaboração com as instituições europeias e internacionais, incluindo a OCDE.
Reforma da segurança social – a Grécia está empenhada em prosseguir a modernização do sistema de pensões. As autoridades vão:
* Continuar a trabalhar em medidas administrativas que unifiquem e simplifiquem as políticas de pensões e eliminem as brechas lacunas e os incentivos que dão origem a uma taxa excessiva de reformas antecipadas em toda a economia e, mais especificamente, na banca e no setor públicos.
* Consolidar os fundos de pensões para conseguir poupanças.
* Eliminar gradualmente taxas em nome de “terceiros” (nuisance charges) de uma forma neutra do ponto de vista orçamental.
* Estabelecer uma ligação mais próxima entre as contribuições de pensão e o rendimento, simplificar benefícios, reforçar os incentivos para declarar trabalho remunerado e fornecer assistência específica aos trabalhadores entre 50 e 65 anos, inclusivamente através de um sistema de Rendimento Mínimo Garantido, de modo a eliminar a pressão social e política para a reforma antecipada que sobrecarrega os fundos de pensão.
Administração pública e corrupção – A Grécia quer ter uma administração pública moderna. Vai:
* Transformar o combate à corrupção numa prioridade nacional e operacionalizar plenamente o Plano Nacional Contra a Corrupção.
* Atacar o contrabando de combustível e tabaco, monitorizar os preços de bens importados (para evitar perdas de receita durante o processo de importação), e combater a lavagem de dinheiro. O governo pretende fixar, imediatamente, metas de receita ambiciosas, nestas áreas, para serem perseguidas, sob a coordenação do recém-criado cargo de Ministro de Estado.
* Reduzir (a) o número de ministérios (de 16 para 10), (b) o número de “assessores especiais” no governo; e (c) os benefícios extra (fringe benefits) de ministros, parlamentares e altos funcionários (por exemplo, carros, despesas de viagem, subsídios)
* Apertar a legislação relativa ao financiamento dos partidos políticos e incluir níveis máximos de endividamento junto de instituições financeiras ou outras.
* Ativar imediatamente a atual (embora dormente) legislação que regula as receitas da comunicação social (imprensa e eletrónica), assegurando (através de leilões devidamente concebidos) que pagam os preços de mercado das frequências utilizadas, e proíbe a continuação da operação de meios de comunicação permanentemente deficitários (sem que haja um processo transparente de recapitalização).
* Estabelecer um quadro institucional transparente, eletrónico e em tempo real para concursos públicos (procurement) – restabelecendo o DIAVGEIA (um registo público on-line das atividades relativas aos contratos públicos).
* Reformar a grelha salarial do setor público com vista a descomprimir a distribuição salarial através de ganhos de produtividade e políticas de recrutamento apropriadas, sem reduzir os mínimos salariais atuais, mas salvaguardando que custo salarial do setor público não aumenta.
* Racionalizar benefícios não salariais, para reduzir a despesa global, sem pôr em risco o funcionamento do setor público e de acordo com as boas práticas da UE
* Promover medidas para: melhorar os mecanismos de recrutamento, incentivar nomeações com base no mérito, avaliar de forma genuína as equipas, e estabelecer processos justos para maximizar a mobilidade dos recursos humanos e outros recursos dentro do setor público
II. Estabilidade financeira
Mecanismo de pagamento de dívidas – Grécia compromete-se a
* Melhorar rapidamente, em acordo com as instituições, a legislação para pagamento de dívidas fiscais e à Segurança Social em atraso.
* Calibrar esquemas de pagamento faseado de forma a discriminar de forma eficiente entre: (a) incumprimento estratégico / não-pagamento e (b) incapacidade de pagar; distinguir casos (a) indivíduos / empresas através de procedimentos civis e criminais (em especial entre os grupos de elevado rendimento), e ao mesmo tempo oferecer aos (b) indivíduos / empresas condições de pagamento que permita a sobrevivências das empresas potencialmente solventes, evite o free-riding [aproveitamento de terceiros], anule o risco moral, e reforce a responsabilidade social, bem como uma cultura pagamento adequada.
* Descriminalização dos devedores de baixo rendimento com dívidas pequenas.
* Intensificar os métodos e procedimentos de execução, incluindo o enquadramento legal para a recolha de impostos em falta e implementar efetivamente instrumentos de cobrança
Bancos e crédito malparado. Grécia está comprometida com:
* Bancos que são geridos de acordo com princípios comerciais e bancários sólidos
* Utilizar plenamente o Fundo Grego de Estabilidade Financeira e assegurar, em colaboração com o Mecanismo Único de Supervisão (SSM), o Banco Central Europeu (BCE) e a Comissão Europeia, que desempenha adequadamente o seu papel crucial na garantia da estabilidade do setor bancário e os seu empréstimos numa base de mercado em respeito das regras de concorrência da UE.
* Lidar com o crédito malparado de uma forma que considere totalmente a capitalização dos bancos (tendo em conta o adotado Código de Conduta para os Bancos), o funcionamento do sistema judicial, o estado do mercado imobiliário, as questões de justiça social, e qualquer impacto adverso sobre a situação orçamental do Estado.
* Colaborar com a gestão dos bancos e com as instituições para evitar, no futuro próximo, os leilões da residência principal de famílias que estão abaixo de um determinado limiar de rendimento, ao mesmo tempo que são punidos os incumpridores (defaulters) estratégicos com vista a: (a) manter o apoio da sociedade ao amplo programa de reformas do governo, (b) evitar uma nova queda nos preços do imobiliário (que teria um impacto negativo na carteira dos bancos), (c) minimizar o impacto orçamental de um maio número de sem-abrigo, e (d) promover uma forte cultura de pagamento. Serão tomadas medidas para apoiar as famílias mais vulneráveis incapazes de pagar os seus empréstimos
* Alinhar a legislação sobre decisões fora de tribunal com os novos mecanismos de pagamento quando estes forem alterados, para limitar os riscos para as finanças públicas e para a cultura de pagamento, ao mesmo tempo que facilita a reestruturação de dívida privada.
* Modernizar a lei de falências e resolver a acumulação de casos pendentes.
III. Políticas para promover o crescimento
Privatização e gestão de ativos públicos – Para atrair o investimento em sectores-chaves e utilizar os ativos do Estado de forma eficiente, as autoridades gregas vão:
* Comprometer-se a não reverter as privatizações que foram já concluídas. Nos casos em que o processo de licitação foi já lançado o governo vai respeitar o processo, de acordo com a lei.
* Proteger o fornecimento de bens e serviços públicos básicos por empresas / indústrias privatizadas, em consonância com os objetivos de política nacional e em conformidade com a legislação da UE.
* Rever as privatizações que ainda não foram lançadas, com vista a melhorar as suas condições de forma a maximizar os benefícios de longo prazo do Estado, gerar receitas, aumentar a concorrência nas economias locais, promover a recuperação económica nacional, e estimular as perspetivas de crescimento de longo prazo.
* Adotar, doravante, uma abordagem através da qual cada novo caso será analisado separadamente e com base nos seus méritos, com ênfase nas concessões de longo prazo, joint-ventures (colaboração público-privado) e contratos que maximizem não apenas as receitas do Estado, mas também o nível potencial de investimento privado.
* Unificar (HRDAF – fundo das privatizações) com várias agências de gestão de ativos públicos (que são atualmente espalhadas por todo o setor público), com vista ao desenvolvimento dos ativos do Estado e ao aumento do seu valor através de reformas microeconómicas e de defesa dos direitos de propriedade.
Reformas do mercado de trabalho – Grécia compromete-se a:
* Atingir as melhores práticas da UE em toda a gama de legislação relativa ao mercado de trabalho através de um processo de consulta com os parceiros sociais, beneficiando do conhecimento técnico e de contributos da Organização Internacional do Trabalho, da OCDE e da assistência técnica disponível.
* Expandir e desenvolver o mecanismo existente de emprego temporário para os desempregados, em acordo com os parceiros e desde que a margem orçamental o permita e melhorar os programas de políticas ativas de emprego, com o objetivo de atualizar as qualificações dos desempregados de longa duração.
* Introdução progressiva de uma nova abordagem ‘inteligente’ para a negociação salarial coletiva que equilibre a necessidade de flexibilidade com justiça. Isso inclui a ambição de simplificar e aumentar os salários mínimos ao longo do tempo, de forma a salvaguardar a competitividade e as perspetivas de emprego. A dimensão e o momento das alterações no salário mínimo será feita em consulta com os parceiros sociais e com as instituições europeias e internacionais, incluindo a OIT, e terá totalmente em conta as recomendações de um novo órgão independente sobre se mudanças nos salários estão em linha com a evolução da produtividade e competitividade.
Reformas do mercado do produtos e um melhor ambiente de negócios – Como parte de uma nova agenda de reformas, a Grécia continua empenhada em:
* Remover barreiras à concorrência com base em contributos da OCDE.
* Reforçar a Comissão Grega de Concorrência.
* Introduzir medidas para reduzir da carga administrativa da burocracia em linha com recomendações da OCDE, incluindo legislação que proíbe entidades do setor público de pedir (a cidadãos e empresas) documentos que comprovem informações que o estado já possui (dentro da mesmo ou outra entidade).
* Melhor gestão do uso do solo, incluindo as políticas relacionadas com o ordenamento do território, uso da solo, e a conclusão de um registo adequado
* Prosseguir os esforços para eliminar as restrições desproporcionadas e injustificadas nas profissões reguladas, como parte de uma estratégia global para enfrentar interesses instalados.
* Alinhar a regulação do gás e eletricidade com as boas práticas e legislação da UE
A reforma do sistema judicial – O governo grego vai:
* Melhorar a organização dos tribunais, através de uma maior especialização e, neste contexto, adotar um novo Código de Processo Civil.
* Promover a digitalização de códigos legais e do sistema de submissão eletrónica, e da governação, do sistema judicial.
Estatísticas – O governo grego reafirma a sua disponibilidade para:
* Respeitar integralmente o Commitment on Confidence in Statistics [compromisso europeu sobre qualidade das estatísticas], e em particular a independência institucional do ELSTAT [instituto de estatísticas grego], garantindo que ELSTAT tem os recursos necessários para implementar o seu programa de trabalho.
* Garantir a transparência e correção do processo de nomeação do Presidente ELSTAT em setembro de 2015, em cooperação com o Eurostat.
IV. Crise humanitária – O governo grego afirma o seu plano de:
* Lidar com o recente aumento da pobreza absoluta (acesso inadequado à alimentação, habitação, serviços de saúde e fornecimento básico de energia) por meio de medidas não pecuniárias altamente dirigidas (por exemplo, cupões de alimentos).
* Fazê-lo de uma forma útil para a reforma da administração pública e da luta contra a burocracia / corrupção (por exemplo, a emissão de um cartão de cidadão ‘inteligente’ que possa ser usado como cartão de identificação, no sistema de saúde, bem como para o acesso ao programa de cupões de alimentação etc.).
* Avaliar o sistema-piloto de Rendimento Mínimo Garantido piloto, com vista a estendê-lo a todo o país.
* Assegurar que a luta contra a crise humanitária não tem efeito orçamental negativo.
http://expresso.sapo.pt
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